Rachel chegou ao Benim no final da sua viagem de cinco meses de trabalho remoto. A viagem estava a ser uma extraordinária jornada de autodescoberta
Rachel Décoste aterrou na República do Benim, na África Ocidental, em agosto de 2018, antecipando uma importante jornada de autodescoberta, mas sem prever até que ponto a viagem mudaria a sua vida.
No seu primeiro dia a explorar o Benim, Rachel pediu indicações a um transeunte. Duas semanas depois, Rachel e o desconhecido estavam noivos. Em seis meses, casaram-se.
Rachel cresceu em Otava, no Canadá, e é filha de pais haitianos que emigraram para o Canadá no final dos anos 60. Em adulta, Rachel mudou-se para Washington DC para estudar na faculdade e, mais tarde, trabalhou para um programa técnico bipartidário associado ao Congresso dos Estados Unidos.
Rachel adorava este trabalho, adorava a diversidade de Washington e adorava trabalhar no serviço público. Quando o visto dos EUA estava prestes a ser renovado, Rachel, então com 40 anos, decidiu trabalhar remotamente durante alguns meses antes de regressar a Washington.
Mas em vez de trabalhar no Canadá, elaborou um plano para montar a sua secretária mais longe.
No início desse ano, Rachel tinha enviado o seu ADN para um site de ascendência. Rachel sabia há muito que era descendente de africanos escravizados, mas até ter os resultados, não sabia onde os seus antepassados tinham vivido. Agora, tinha uma lista de países onde tinha raízes: Senegal, Costa do Marfim, Togo, Gana e Benim.
"Os testes de ADN para um descendente de africanos escravizados têm um significado muito profundo", disse Rachel à CNN Travel. "Mesmo que não seja uma ciência precisa, quando temos o mapa de onde eram os nossos antepassados, é uma jornada emotiva."
Rachel chegou ao Benim no final da sua viagem de cinco meses de trabalho remoto. Já tinha visitado os outros países da sua lista, e a viagem estava a ser uma extraordinária jornada de autodescoberta. No entanto, Rachel não sabia o que esperar do Benim.
"Sinceramente, não sei se saberia indicar a República do Benim num mapa antes disto", disse ela.
Reservou um quarto numa residencial na cidade portuária de Cotonou e planeava lá ficar durante duas semanas. Trabalharia na residencial e exploraria o país no tempo livre.
Depois de alguns dias a instalar-se, Rachel aventurou-se pela primeira vez. Planeava visitar Ouidah, outrora um dos mais ativos portos de comércio de escravos em África. E esperava que fosse uma experiência comovente e estimulante.
"Tenho a certeza de que um dos meus antepassados passou por lá, só por causa do meu teste de ADN", disse Rachel.
Ao sair do quarto, Rachel procurou a gerente da residencial, pois queria saber qual seria a melhor forma de viajar até Ouidah.
"Ela não estava em lado nenhum. E, depois, procurei o segurança, e o segurança estava de férias."
Rachel achou que o melhor seria perguntar a um transeunte lá fora, por isso, abriu os portões e olhou à sua volta.
A primeira pessoa que viu foi um homem prestes a subir para uma moto, que estava estacionada lá fora.
Rachel cumprimentou o desconhecido em francês - sendo uma canadiana francesa, o francês é a sua primeira língua e é também a língua oficial do Benim - e perguntou-lhe educadamente como poderia deslocar-se até Ouidah.
"Tem de ir a um certo cruzamento no centro, onde estão todos os táxis", explicou o desconhecido. "Encontra o táxi que vai para o seu destino, paga o seu lugar e depois chegará lá."
Ele começou a indicar as direções para o cruzamento, mas percebendo que eram um pouco complicadas, fez uma oferta.
"Se quiser, posso levá-la lá, fica a cerca de 10 minutos", sugeriu ele, apontando para a sua moto.
Eram cerca das 9 da manhã. Rachel estava hesitante em confiar em alguém que não conhecia, mas decidiu que era improvável que lhe fizesse mal em plena luz do dia. Aceitou.
"Arrisquei, e subi para a parte de trás da moto, sem capacete", recordou ela.
Viajando juntos
O desconhecido motociclista era Honoré Orogbo, pai solteiro e empresário na casa dos 30, que viveu toda a vida em Cotonou, e que por acaso passava por ali naquela manhã.
Quando Rachel abriu a porta da residencial, Honoré tinha acabado de comer o pequeno-almoço que tinha comprado num quiosque ali perto.
Do lado de fora, a acomodação de Rachel não era obviamente uma residencial. Honoré disse que presumiu que ela era a dona da casa. Foi apenas quando ela pediu indicações que Honoré percebeu que Rachel era uma visitante.
Quando Rachel e Honoré chegaram à praça de táxis no centro da cidade de Cotonou, perceberam que aquele que ia para Ouidah estava vazio. Honoré explicou que demoraria algum tempo até partir, pois o condutor só partiria com o táxi cheio.
Rachel estava desanimada. Ela não tinha tempo para esperar, queria passar o dia inteiro em Ouidah sem se sentir apressada e queria regressar em segurança a Cotonou antes do pôr-do-sol.
Sentindo a sua desilusão, Honoré fez-lhe uma sugestão. Ele tinha um amigo em Ouidah que queria visitar e, apesar de não ter planeado ir naquele dia, poderia ir, pois tinha tirado folga.
"Eu disse 'Boa. Eu pago a gasolina. Vamos’,” recordou Rachel.
Pouco mais de uma hora depois, chegaram a Ouidah.
"Ele mostrou-me como poderia voltar, mostrou-me onde estavam os táxis para poder voltar naquela tarde e mostrou-me onde era o Museu dos Escravos. E eu: ‘Está bem, estou preparada para prosseguir. Obrigada, senhor’, recordou Rachel.
Mas antes de seguirem cada qual o seu caminho, Rachel perguntou a Honoré se queria tomar um brunch. Ela queria comer qualquer coisa antes de começar a visita e achou que seria de bom tom convidá-lo pois tinha-a ajudado.
Honoré aceitou e ficou comovido com o gesto. E sentaram-se para comer.
Rachel estava ciente de que era uma mulher que viajava sozinha e que apesar de Honoré ter sido educado e respeitoso, continuava a ser um desconhecido, por isso, disse-lhe que era casada.
Não partilhou detalhes do seu trabalho nem da sua vida nos EUA, mas referiu que contava viajar pelo Benim nos dias seguintes e perguntou a Honoré se ele tinha amigos ou contactos que trabalhassem como motoristas ou guias turísticos que pudessem estar interessados em acompanhá-la durante os próximos dias. Achou que isso seria mais fácil do que confiar em táxis.
Honoré contactou um amigo guia turístico, mas estava com a agenda cheia.
"Então disse: 'Então e tu? Podes ser o meu acompanhante? Ajudaste-me esta manhã, posso pagar-te para fazeres isso durante três dias?’,” recordou Rachel.
"Não, não sou um guia turístico", disse Honoré. "Não conheço a história do meu país de cor, e não é isso que eu faço."
Rachel mudou de ideias. Não precisava efetivamente de um guia turístico. Decerto haveria peritos em todos os locais históricos que planeava visitar, por isso, apenas precisava de boleia.
Depois de alguma hesitação, Honoré aceitou ser motorista de Rachel.
"Quando ela insistiu, eu disse 'Porque não?',” recordou Honoré.
Ele queria ajudar a Rachel. Ela parecia ser "boa pessoa", com base na forma como o tinha abordado, como lhe tinha feito perguntas e como o tinha convidado para o brunch.
Os dois acordaram que Honoré seria motorista de Rachel nos dias seguintes e que, a partir daquele dia em Ouidah, Rachel lhe pagaria pelos seus serviços.
Cada vez mais perto
Durante o resto da semana, Honoré levou Rachel aos locais mais importantes do Benim.
Conhecer o Benim foi uma experiência enriquecedora para Rachel. Segundo ela, visitar o forte dos escravos, no interior do Museu de História de Ouidah, "é uma peregrinação que todos os afrodescendentes deviam fazer para nos lembrar da crueldade que os nossos antepassados passaram."
"Eu não sabia disto antes de lá ir pessoalmente, mas se Las Vegas apostasse na sobrevivência dos africanos escravizados, as probabilidades de eu estar viva hoje seriam escassas ou inexistentes", disse Rachel. "Sou um milagre ambulante e falante. Eu sou o ‘um por cento’. Devo isso àqueles que não conseguiram viver a minha melhor vida."
Enquanto viajavam pelo Benim, Rachel e Honoré foram falando. Embora Rachel continuasse sem revelar muitos detalhes sobre as suas circunstâncias pessoais, começou a falar mais abertamente com Honoré sobre os seus pensamentos e sentimentos. Honoré também fez o mesmo.
"As primeiras conversas foram sobre saber mais sobre mim, a minha família, a minha situação, quem eu sou, quem realmente sou", disse ele.
"Fomos muito abertos e muito sinceros, porque éramos desconhecidos e nunca mais nos voltaríamos a ver", recordou Rachel.
Ela lembra-se de ter ficado comovida quando Honoré explicou que não tinha um novo modelo da moto porque investia todo o seu dinheiro na educação do filho.
"Ele disse que preferia que o filho tivesse oportunidades do que ter uma moto melhor. E pensei: ‘Ena, esses são os valores dos meus pais’. Revi-me nesses valores", contou Rachel.
Numa das muitas conversas, Honoré mencionou que o irmão era alfaiate. No quarto dia, Honoré levou Rachel a um mercado para a ajudar a comprar um tecido para o irmão lhe fazer um vestido.
Rachel ficou impressionada com tanto tecido à escolha que pediu a Honoré que escolhesse os seus favoritos. Ele optou por dois tecidos coloridos e brilhantes. A terceira opção era um tecido branco, cinza, com renda, chamado lessi. Rachel adorou, e achou que o vestido poderia ser "apropriado para um batizado ou alguma ocasião especial”.
Numa das muitas conversas a caminho dos pontos de referência do Benim, Honoré mencionou a Rachel que normalmente viajava até Lomé, a capital do país vizinho do Togo, quando ele e os amigos queriam sair à noite.
Rachel ficou intrigada.
"Não posso garantir que voltarei aqui. Esta é uma viagem única na vida em que estou a ser paga enquanto trabalho num país estrangeiro. Quero aproveitar todas as oportunidades", recordou ela.
"Então eu disse: 'Bem, eu tenho de voltar ao trabalho esta semana. Mas no próximo fim de semana, se estiveres disposto, posso reservar dois quartos de hotel e podemos ir juntos ao Togo."
No fim de semana seguinte, Honoré levou Rachel a uma noite de poesia em Lomé e, depois, a um bar com música ao vivo. Ficaram fora a noite toda.
"Estávamos a dançar. Era pura alegria", disse Rachel.
Foi por esta altura que a Rachel começou a sentir as coisas a mudar. Sentia-se muito bem junto de Honoré de uma forma que nunca tinha sentido.
"Demo-nos muito bem. Ele ria-se das minhas piadas", recordou ela. "Perdi a cabeça algumas vezes - não me orgulho - mas ele não se assustou. É que normalmente as mulheres negras zangadas assustam as pessoas. Mas ele aceitou tudo ao seu ritmo.”
Rachel até conheceu o filho de Honoré.
Rachel descreveu a situação num e-mail a uma das suas amigas próximas em Otava.
"Acho que esta pessoa devia ser o meu marido. Mas estou maluca? Conheço este tipo há uma semana. Não é uma estupidez? Diz-me se estou louca", escreveu ela.
A amiga respondeu: "Rachel, tu não és uma pessoa estúpida. Tens bom senso. És uma boa avaliadora de carácter. Se é ele, não o deixes fugir."
Para Honoré, a viagem ao Togo também foi um ponto de viragem.
"Acho que foi naquela noite que o relâmpago me atingiu", disse ele. "Não era um relâmpago, mas era um sentimento de amor. Acho que foi aí que começou o sentimento de amor."
Rachel só tinha mais uma semana no Benim antes de regressar à América do Norte. Decidiu que não tinha tempo a perder.
"Disse-lhe que não era casada e ele ficou muito contente por ouvir isso. E ficámos juntos", contou ela.
"Fiquei um pouco surpreendido", disse Honoré. "Pensei que uma mulher assim provavelmente seria casada."
"No dia seguinte, vi-a de forma diferente", acrescentou ele. "Não como uma turista, mas como a minha alma gémea. Foi assim que a relação começou. Passo a passo."
Durante o resto do tempo de Rachel no Benim, Rachel e Honoré passaram o máximo de tempo juntos.
Compromisso de longa distância
Na noite da partida de Rachel, Honoré recorda-se de ter estado sentado com ela na praia. Estava a desfrutar do momento, mas também pensava no iminente regresso de Rachel ao Canadá e o que isso significava para o romance.
"Estávamos de frente para o mar. Na minha cabeça, estava a pensar isto: ‘Nas últimas duas semanas que passei contigo, não me arrependo de nada. Divertimo-nos imenso juntos. Fiquei muito feliz por conhecer-te’.”
Os dois falaram sobre o futuro e como poderiam fazer com que a relação à distância funcionasse. Perceberam que ambos estavam igualmente empenhados e por isso decidiram ficar noivos e que Honoré iria mudar-se para a América do Norte.
Foi uma grande decisão. Só se conheciam há duas semanas. E para Honoré, emigrar nunca tinha sido um objetivo. Seria uma grande mudança para o filho, mas Honoré disse que decidiu seguir o seu instinto e o seu coração.
Entretanto, Rachel desistiu da sua vida em DC e regressou ao Canadá. Disse que as amigas ficaram chocadas, mas que a apoiaram e ficaram felizes quando lhes contou tudo sobre o romance. Os pais dela ficaram mais céticos, disse ela. Mas apareceram quando conheceram o Honoré e viram como estava apaixonado pela filha.
Rachel regressou ao Benim seis meses depois, em janeiro de 2019, para o casamento com Honoré. Usou o vestido feito a partir do tecido de renda branca que Honoré tinha escolhido para ela no mercado no verão anterior. Parecia estar destinado.
Entretanto, o casal planeou uma celebração do casamento no Canadá no ano seguinte, mas tiveram de tratar da papelada para Honoré e para o filho, para poderem entrar no país.
"Aproveitei o tempo durante a separação para começar a preparar-me mental e psicologicamente para o grande passo", recordou Honoré. "Tive de pensar na enorme mudança de vida que teria pela frente e nas diferenças culturais. Conheço pessoas que foram para as Américas e não foi propriamente fácil."
Honoré também preparou o filho para a mudança.
"Expliquei-lhe assim: 'Meu filho, vamos para um país diferente e vamos recomeçar juntos. Com o tempo, terás novos amigos, terás novos primos. Terás tudo o que quiseres. Tudo o que tens aqui terás lá, com o tempo’.”
Reencontro no Canadá
Honoré e o filho chegaram ao Canadá em pleno inverno.
"Estava muito frio", recordou ele. "Eu não sabia o quão frio poderia estar na rua. Porque o frio de África é totalmente diferente do frio do Canadá."
Contudo, quando Honoré foi equipado com botas, casacos e luvas apropriados para o Canadá, começou a adaptar-se à vida no novo país.
Rachel e o Honoré disseram que ficaram radiantes por estarem juntos. Os meses separados à espera da aprovação do visto de Honoré tinham sido longos.
O filho de Honoré adaptou-se rapidamente, e Rachel adaptou-se bem como madrasta, um papel que diz adorar.
"Estou a abraçar o desafio e as alegrias da maternidade", disse ela.
"Não é fácil quando se está solteiro desde sempre e temos de nos adaptar a partilhar a vida. Mas ele é um bom miúdo."
Atualmente, Honoré e Rachel vivem em Otava. Rachel trabalha como especialista em diversidade e inclusão, enquanto Honoré estuda.
Rachel também contou as suas experiências de viagens por África em 2018, incluindo quando conheceu o Honoré, num audiolivro chamado "Year of Return: a Black Woman’s African Homecoming".