Onde andam os miúdos que cresceram com Paulinho no Santa Maria?

19 fev 2021, 23:00
Paulinho e o Santa Maria

Avançado já é internacional português e chegou ao Sporting. Nenhum dos colegas da época 2011/12 atingiu o sonho de chegar à primeira divisão. Há um advogado, um chef em Nova Iorque, um que trabalha com material escolar e outro na indústria alimentar. Mundos que não se tocam. Reportagem-Maisfutebol

José Tiago Fernandes, Tico, tem 31 anos e trabalha na Ambar, empresa que comercializa material escolar.

Nuno Sousa, 40 anos, é cozinheiro num restaurante do bairro nova-iorquino de West Village.

Tiago Costa, de 34 anos, abandonou o futebol e exerce advocacia.

Fábio Gonçalves, Venú, 31 anos, é funcionário numa empresa de indústria alimentar.

David Freitas, 32 anos, é proprietário de uma agência imobiliária.

Hugo Veiga, 35 anos, é diretor comercial na Zome Imobiliária. 

O que têm em comum estes seis homens? Todos trabalharam ao lado de Paulinho, avançado recém-contratado pelo Sporting e internacional português, na última temporada do atleta fora das ligas profissionais. Aconteceu na época 2011/12, com a camisola do Santa Maria Futebol Clube.

Em nove anos, Paulinho passou da III Divisão Nacional ao topo do futebol português. Soma já três internacionalizações/dois golos pela Seleção Nacional e chega a Alvalade após três temporadas e meia de grande nível no Sp. Braga: 153 jogos e 63 golos.

Mas, o que é feito dos antigos irmãos de armas? Por onde andam e o que fazem os homens que ajudaram Paulinho a transferir-se, em 2012, para o Gil Vicente na II Liga?

O futebol tem sido ingrato para quase todos. Alguns já deixaram de jogar, a esmagadora maioria ainda compete nos escalões distritais da AF Braga e poucos foram capazes de chegar pelo menos à II Liga.

Histórias de vidas que raramente chegam aos jornais.

Deste Santa Maria 2011/12, só Paulinho chegou à I Liga

«O Paulinho só tinha cinco euros para a gasolina, o empregado percebeu 25»

Quando atende o Maisfutebol, José Tiago, conhecido por todos como Tico no futebol, está ao volante. Prepara-se para fazer mais uma entrega de material escolar, mas arranja alguns minutos para recordar os dias em que, ao lado de Paulinho, sonhava com o futebol profissional.

Nesse Santa Maria, treinado por Nuno Sousa - um homem que agora se propõe cozinhar e servir sardinha assada e alheira de Mirandela às gentes da Big Apple norte-americana, Tico era o lateral esquerdo titular.

«O Paulinho? Só tinha 19 anos e a qualidade já não enganava. Teve a sorte de apanhar uma grande equipa no Santa Maria, uma equipa que permitia sobressair o valor dos jogadores. O Nuno Sousa [técnico] queria colocar em campo um futebol-espetáculo e só não subimos de divisão porque empatámos na última jornada.»

Vanú, no final de mais um dia na fábrica ligada à indústria alimentar, fala do amigo que agora veste a camisola verde e branca do líder do campeonato.

«Sempre foi uma pessoa fantástica, cinco estrelas. Tinha 19 anos e já tinha a cabeça de um trintão. A equipa era boa, deu que falar, e não subiu por pouco. Não era fácil encontrar um pé esquerdo com aquela qualidade», garante o médio que um dia foi treinar à experiência ao Atlético de Madrid e ao Getafe.

Tico e Vanú estão já numa fase descendente da carreira, mas ainda vivem e vibram com o futebol. São colegas de equipa no Forjães, equipa da divisão Pro-Nacional da AF Braga. Um e outro pensaram, algum dia, que podiam estar no lugar de Paulinho. O futebol assim não o quis.

«No verão de 2012, muitos jogadores do Santa Maria deram o ‘salto’ para a II Liga. O Paulinho foi para o Trofense, eu e mais quatro fomos para o Freamunde. Nós jogávamos em 4x4x2 losango e normalmente ele era um dos dois avançados. Fazia dupla com o Joel Silva, que está no Lourosa. Também fez alguns jogos a ‘dez’, mas sobretudo a avançado», conta Tico, que fala com evidente saudade sobre esses tempos.

«Desse plantel, e apesar de não termos o estatuto de profissionais, ninguém trabalhava. À tarde, antes dos treinos, juntávamo-nos sempre para jogar às cartas ou snooker no café. Eu e ele éramos dos que chegávamos mais cedo ao campo do Santa Maria para os famosos meiinhos também.»

Venú era outro dos que acompanhava sempre Paulinho ao café. Mesmo quando o dinheiro não abundava e o depósito de combustível só levava mesmo o essencial.

«Nós ganhávamos pouco, o Santa Maria pagava o que podia. Certo dia, fomos lanchar e o Paulinho levou-nos no Renault Clio dele. A meio do caminho parámos para meter gasolina e o Paulinho pediu ao funcionário para abastecer com cinco euros, o que tinha. O homem lá terá percebido mal e meteu 25 euros. Aquilo foi uma confusão (risos). Nós protestámos, fizemos barulho e a verdade é que só pagámos cinco euros. Não dava para mais. O funcionário assumiu a diferença.»

«Pedi-lhe uma camisola porque sou sportinguista: ‘vê se me dás o título, pá’»

Momentos incertos, vidas separadas. O treinador Nuno Sousa desgastou-se com os trabalhos não reconhecidos no futebol português e partiu para os EUA, onde abraçou em Nova Iorque outra paixão: a gastronomia, como contou em 2016 ao nosso jornal.

Tiago Costa, que na formação jogou no FC Porto e até esteve no Mundial de sub17 em 2003, saturou-se das lesões e das promessas constantemente adiadas.

«Tive uma rotura dos ligamentos cruzados, no joelho, e não renovei com o F.C. Porto. Fui para a Naval, mas tive um problema com a inscrição. Acabei no Valenciano. Passei pelo Esmoriz, Santa Maria, mas decidi que já chegava.» Tiago seguiu o exemplo da mãe e licenciou-se em Direito na Universidade Portucalense. Deixou o futebol em 2017.

 

O ex-treinador levou a camisola de Paulinho a Time Square

David Freitas ainda joga no Martim, mas está sobretudo concentrado na agência imobiliária que possui. O universo de Paulinho não podia estar mais distante. Só a amizade subsiste.

«Não gosto de o chatear, porque sei que ele recebe muitos pedidos, muitas mensagens», explica Tico, um leão minhoto. «A única coisa que fiz foi dar-lhe os parabéns, quando se mudou para o Sporting, e pedi-lhe uma camisola porque sou sportinguista. ‘Vê lá se me dás o gosto do título, pá’.»

«Ainda não falei com o Paulinho depois de ele ir para o Sporting. Conheci-o com 18 anos e vê-lo onde está, num dos grandes de Portugal, é maravilhoso. Parte do sucesso dele começou naquele Santa Maria. Ainda bem que chegou onde sempre quis. Sinto-me feliz por ver o rapaz em Alvalade», junta-se Venú.

«O Paulinho ainda era júnior e já jogava connosco nos seniores»

Sério no trabalho, brincalhão nos tempos livres, alérgico à derrota. De forma resumida, é assim que os antigos colegas descrevem o atacante do Sporting, uma pessoa em quem se pode «confiar totalmente».

«O Hilário – que jogou no Perugia, em Itália, e agora é dirigente do Tirsense – também o ajudou bastante no Santa Maria. Lembro-me disso. O Paulinho ouvia, aceitava e tentava aplicar nos treinos e nos jogos esses conselhos. Não tenho dúvidas que essa época foi decisiva na carreira dele.»

Venú aplaude a personalidade do júnior que começou a treinar com os seniores e que, rapidamente, impôs-se na frente de ataque.

«Estive duas épocas com ele. Na primeira era júnior e começou a treinar frequentemente connosco. Vimos que era especial e ainda fez vários jogos [dez jogos/um golo]. No segundo ano passou a ser titular indiscutível.»

O que separa o sucesso do anonimato? O que faz com que dois colegas de equipa em 2012 estejam agora a três escalões de distância? O acaso, as lesões, uma transferência falhada. Venú suspira na hora da despedida.

«No segundo ano de júnior fui convidado a ir treinar ao Atlético de Madrid. Gostaram de mim e fui lá à experiência. O Gil Vicente acabou por não permitir a transferência. Aceitei, porque gostava e gosto do clube, mas se calhar hoje estaria melhor na vida. Acho que cometi um erro ao não querer forçar a saída. Uns anos depois, o Getafe também me convidou a ir lá treinar. Mas queriam que eu ficasse no Getafe B e as condições não eram boas.»

Venú, Fábio Gonçalves, é o médio e o ‘motor’ do Forjães Sport Club. Pede para entregarmos um abraço a Paulinho, avançado do Sporting Clube de Portugal. Será entregue.

PLANTEL DO SANTA MARIA 2011/12 – III DIVISÃO NACIONAL:

Guarda-redes:

. Rafa (28 anos): joga no MARCA, Div. Honra AF Braga
. Fábio Pereira (29 anos): SC Cabreiros, Pro-Nacional AF Braga
. Paulo Costa (34 anos): Vilaverdense, Campeonato de Portugal

Defesas:

. Diogo Apolinário (28 anos): Forjães, Pro-Nacional AF Braga
. Mário André (36 anos): Roriz, Div. Honra AF Braga
. Tiago Costa (34 anos): deixou de jogar em 2017
. Zé Pedro (34 anos): Santa Maria, Pro-Nacional AF Braga
. Tico (31 anos): Forjães, Pro-Nacional AF Braga
. Celso Martins (31 anos): Martim, Pro-Nacional AF Braga
. Tiago Fernandes (31 anos): Águias Alvelos, Div. Honra AF Braga
. David Freitas (32 anos): Martim, Pro-Nacional AF Braga

Médios:

. Telmo Macedo (28 anos): Os Ceramistas, Div. Honra AF Braga
. Hugo Veiga (35 anos): Martim, Pro-Nacional AF Braga
. Diogo Lamosa (32 anos): Martim, Pro-Nacional AF Braga
. Venú (31 anos): Forjães, Pro-Nacional AF Braga
. Telmo Fernandes (36 anos): Maria da Fonte, Campeonato de Portugal
. Joel Araújo (40 anos): deixou de jogar em 2019
. Marinho (28 anos): MARCA, Div. Honra AF Braga
. Rui Filipe (39 anos): deixou de jogar em 2019
. Tiago Torres (30 anos): Santa Maria, Pro-Nacional AF Braga

Avançados:

. Christophe Silva (33 anos): deixou de jogar em 2019
. Joel Silva (30 anos): Lourosa, Campeonato de Portugal
. Carlos Moreira (29 anos): Neves FC, 1ª Div. AF Viana Castelo
. PAULINHO (28 anos): SPORTING, I LIGA

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