Da mente de um «bando de hippies» saiu o clube que tolera cannabis

28 jan 2016, 10:14
CSC Christiania

CSC Christiania foi fundado em 1982 numa região específica de Copenhaga onde as drogas leves eram legais. «You’ll never smoke alone» é o lema

É conhecido como «a cidade livre», mas é, no fundo, um bairro de Copenhaga, capital da Dinamarca, que vive praticamente como uma região autónoma. Foi ali que, em 1982 nasceu o Christiania Sports Club, um emblema que pretendia ser, em campo, o que a região era no seu todo. A filosofia local, independente e até contestatária do regime, transportada para o retângulo verde.
 
A região foi criada em 1971, mais de dez anos ante do clube, numa antiga área militar. Milhares de hippies
fizeram daquela região a sua casa, de modo a conseguir fugir da confusão de Copenhaga. A área foi atraindo cada vez mais pessoas e isso frustrou as várias tentativas judiciais do governo de despovoar a zona. Não havia jeito.
 
Com o tempo, os habitantes de Copenhaga aprenderam a conviver e respeitar a região que tem, hoje, cerca de 850 habitantes e é um dos bairros mais turísticos da capital. É lá que está instalado, então o CSC, que compete no quinto escalão do futebol local mas tem objetivos bem mais amplos do que os meramente desportivos.
 
«O clube começou em 1982, quando um bando de hippies decidiu que queria começar a jogar futebol. Primeiramente por brincadeira, mas mais tarde, com o gosto que ganharam pelo desporto e pela equipa, quiseram inscrever-se na Federação local»
, conta Rafael McEwan, atual presidente e um dos fundadores, em conversa com o
Maisfutebol.


O início do CSC na década de 80 (Foto: Facebook Christiania)
 
A chamada de Portugal não surpreende McEwan porque as particularidades da sua equipa despertam curiosidade um pouco por todo o mundo.
«Ligam-me vários jornalistas para saber se é mesmo verdade as coisas que vão lendo», atira entre risos.
 
Refere-se, sobretudo, ao uso de drogas, como a cannabis, por parte dos jogadores. Confirma que o clube não tem qualquer problema com isso:
«Não podemos proibir. É impossível. Estamos rodeados por ela em todo o lado.»
 
Uma das particularidades do bairro é mesmo a circulação de drogas leves, algo que só a partir de 2004 começou a ser combatido a sério pelo governo dinamarquês, mas sem efeitos. Essa é uma das «atrações» da região, conhecida por «Bairro Verde», numa associação ao Bairro Vermelho de Amesterdão.
 
Rafael McEwan salienta, no entanto, que a situação não é a mesma dos primeiros anos:
«Hoje, nem metade da primeira equipa fuma, julgo eu. São pouco. Antigamente eram todos (risos). Na segunda equipa já se vê mais e nos veteranos, então, são todos. São os mesmos de antigamente, no fundo», atira com nova gargalhada.  
 
Percebe-se. Está a falar dele próprio e demais fundadores. Um processo difícil. Não a fundação propriamente dita mas a filiação na Federação local.
«As pessoas viam os nossos jogadores quase todos com cabelo comprido e a fumar cannabis sentados junto ao campo e não nos viam como um clube de futebol. Éramos olhados de lado», explica.
 
A primeira tentativa para tornar o clube oficial foi rejeitada.
«Depois começaram a faltar argumentos», salienta o presidente.
«Conseguimos passar a usar o campo que existe à entrada da Christiania para os nossos jogos. É a casa de 17 equipas. Tínhamos campo, tínhamos jogadores, condições. Por que não nos deixariam jogar?
», indaga. A verdade é que resultou.
 
«Quem chega só precisa mostrar que sabe jogar»
 
Rafael McEwan gosta de salientar a evolução que o clube sofreu. Salienta que não é profissional e «nunca será». Não tem esse objetivo. Explica, então, a ideia:
«As nossas preocupações são mais sociais e visam fazer algo por esta região. Temos, também, recebido nos últimos anos vários jogadores que não tiveram sucesso em clubes maiores e juntam-se a nós. Temos uma boa rede de contactos e criamos um projeto bom para o clube.»
 
Há o sonho de criar o próprio estádio, embora os 34 hectares de Christiania não deixem espaço para horizontes largos. A nível desportivo, a ideia passa por permitir que se jogue.
 
«A equipa principal tem três treinadores. Temos a filosofia de que o clube deve ser para todos, franco, aberto. Quem cá chega só precisa de uma coisa: mostrar que sabe jogar futebol, claro. Depois dos jogos, aí sim, entram as questões sociais. Temos sempre muitas festas, jantares e isso faz as pessoas apaixonarem-se por este clube. Aliás, as pessoas do clube não são pagas. O dinheiro que arrecadamos vai para outros esforços que queremos fazer na zona e para os eventos sociais», esclarece.


Festa no balneário do CSC (Foto: Facebook Christiania)
 
O CSC atual é, necessariamente, diferente do que foi fundado.
«Até temos um patrocínio da Hummel, que é uma grande marca e ajuda-nos muito. É uma coisa mais a sério, agora», brinca.
 
«O clube é para os jovens. Nós somos os velhos que começamos isto mas para quem o futebol não era tão a sério. Era uma brincadeira enquanto se fumava e conversava
», resume.
 
O
«último príncipio» do clube está relacionado com o dinheiro que cobra aos jovens que lá desejam jogar. O mínimo indispensável, garantem:
«Sabemos que há despesas e não pode ser totalmente gratuito, mas os nossos valores são quatro ou cinco vezes mais baixos do que os clubes da nossa dimensão. Tentamos que seja o mais barato possível para que todos tenham oportunidade de jogar.»
 
Snoop Dog, U2 ou Daniel Agger já vestiram a camisola
 
O CSC é um clube bem disposto. Usa como lema uma adaptação do famoso
«You’ll never walk alone» do Liverpool:
«You’ll never smoke alone» (
«Nunca fumarás sozinho»).
 
A camisola vermelha e amarela, com listas verticais, já passeou por troncos famosos. Do futebol e de outras áreas. Jogadores como Daniel Agger, Ebbe Sand ou Soren Lerby já divulgaram fotografias envergando a camisola ou outros adereços do clube.


Daniel Agger e Snoop Dog com a camisola do CSC (Foto: Facebook Christiania)
 
O presidente explica:
«A nossa região é turística e muito procurada. A nossa marca é tão grande por esta altura que quando há algum concerto, por exemplo, acabamos por ter várias vezes visitas.»
 

E dá exemplos: «Aconteceu com o Snoop Dog, com os U2. Tivemos cá um ator, não me lembro agora do nome [Woody Harrelson], que passou dois dias connosco a jogar xadrez. Sim, porque isto não é só futebol. Eles ficam surpreendidos com o clube, nós oferecemos camisolas e eles usam e ajudam a divulgar.»


O ator Woody Harrelson em visita ao CSC (Foto: Facebook Christiania)

 
 

Patrocinados