Do golo ao Sporting há um ano até à fábrica de embalagens em Serpa

17 nov 2021, 09:31

Iaquinta quer voltar a brilhar na Taça de Portugal e encontrou no Alentejo um clube «de gente séria» e com vontade de fazer um escândalo. «O Estoril-Praia que se cuide»

O momento não lhe sai da cabeça. 

53 minutos, o Sacavenense a atacar pela direita. Há um primeiro cruzamento, um desvio num defesa do Sporting e a bola a sair em balão, a sobrevoar Max e a baliza. 

Ao segundo poste, mais decidido do que Matheus Nunes, aparece Malam Fati, o Iaquinta. Bola para dentro da baliza leonina, emoção descontrolada, mãos nos olhos e a dedicatória ao querido pai, falecido três meses antes

23 de novembro de 2020, uma data que nos obriga a lembrar que o futebol pode ser belo.   

Belo e fugaz. Precisamente um ano depois, onde anda o herói desse Sacavenense?

«Jogo no FC Serpa, um clube do Campeonato de Portugal no Baixo Alentejo. No domingo, dia 21 de novembro, recebemos o Estoril-Praia e quero que Portugal volte a falar de mim.»

Quem assim fala é Iaquinta ao Maisfutebol.

VÍDEO: o golo de Iaquinta no Jamor

No final da época anterior, o internacional guineense arrisca e muda de vida. Deixa a família em Lisboa, pega nas malas e aceita o convite chegado de Serpa, belíssima cidade alentejana.  

«O Serpa chegou a mim através de um amigo. Perguntaram-me se estaria interessado em juntar-me ao projeto deles. O campeonato estava mesmo a acabar e a minha prioridade era falar primeiro com o Sacavenense», explica o atacante, antes de mais um treino. 

«O presidente convidou-me para almoçar em Serpa, mostrou-me as condições de trabalho, o estádio e gostei. Fui sem compromisso, mas o projeto já não me saiu da cabeça. Ainda tive um período de férias e depois decidi vir. Foi a melhor decisão foi para mim.»

Como é que um pequeno emblema do Baixo Alentejo convence um avançado que tem um golo ao Sporting a mudar de ares? 

«Não foi pelo dinheiro», jura Iaquinta. «Conheci pessoas muito férias e a proposta fez todo o sentido. Além do projeto desportivo, o clube ofereceu-me emprego numa fábrica da cidade. Faço o meu trabalho durante o dia e às 19h30 lá estou para o nosso treininho.»

Iaquinta é um dos funcionários da Porespack, uma das grandes empregadoras da região. A empresa produz embalagens de alumínio que são, posteriormente, vendidas para a restauração. 

«De uma forma simples, fazemos aquelas caixinhas em que os restaurantes vendem comida para fora. Com a pandemia a procura aumentou muito. Ainda por cima é um trabalho que se faz bem, não é duro. Eu tinha de ter um contrato de trabalho para fazer descontos e estar legal em Portugal. Foi uma excelente opção para mim.»

Ao salário da fábrica, Iaquinta junta «um pequeno vencimento» no Serpa e alguns prémios de jogo. «Contra o Barreirense o presidente prometeu e cumpriu logo no fim. Ganhámos por 1-0 [única vitória no campeonato] e no final do jogo recebemos esse chequezinho. Soube bem.»

Três horas e meia de camioneta para ver a família na capital

A beleza de Serpa faz esquecer a saudade. Iaquinta trabalha, joga, é bem tratado, tudo isso. Mas falta-lhe quem mais ama. A mulher, a filha pequena, a família. 

O isolamento no interior é real. Por não ter automóvel próprio, Iaquinta é obrigado a andar mais de três horas num autocarro da Rede Expresso até Lisboa.  

«É o que mais custa, mas tem de ser. Apanho a camioneta em Serpa e em três horas e meia, mais um bocadinho às vezes, estou com elas. Tenho de aproveitar a oportunidade e dar o máximo, porque as pessoas daqui adoram-me.»

As pessoas são os colegas da fábrica, os colegas do clube e as gentes serpenses. No café, no talho, na mercearia, não há quem não conheça Iaquinta. O golo ao Sporting ajuda a criar o carisma.

«Sim, confirmo (risos). Cheguei a Serpa e todos me falaram logo do golo ao Sporting. Por isso tenho de marcar golos aqui também. Só fiz um para a Taça de Portugal [Olivais e Moscavide], mas acredito que vou marcar ao Estoril.»

Iaquinta assume a «tarefa muito complicada» e revela estar com «uma dorzita no joelho». «Até domingo tem de passar. Vou ter a malta toda da fábrica na bancada e gostava de lhes dedicar uma coisa bonita.»

Um ano depois, exatamente um ano depois, Iaquinta marca encontro com as primeiras páginas. Agora numa «terra bonita» e cheia de «gente simpática». 

O Estoril que se cuide. Este Iaquinta sabe fazer golos aos maiores de Portugal.

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