Viagem à incrível fábrica de talentos de Salzburgo

26 out 2021, 08:43

Haaland, Sadio Mané, Naby Keita, Upamecano, Szoboszlai ou Patson Daka têm todos em comum a passagem pelo RB Salzburgo. Fomos tentar perceber o que tem de especial este clube austríaco, para transferir por valores milionários mais de vinte jovens jogadores em poucos anos.

Patson Daka não era propriamente um desconhecido para os adeptos do futebol internacional, mas tornou-se em definitivo um nome mediático na semana passada, quando fez os quatro golos com que o Leicester deu a volta ao Spartak Moscovo, em jogo da Liga Europa.

Nessa altura, o avançado zambiano de 23 anos saltou para os títulos dos jornais, ele que no último verão foi contratado pelo Leicester por 30 milhões de euros.

Patson Daka é, no fundo, mais um produto da incrível escola de talentos do RB Salzburgo. Foi descoberto no Kafue Celtic, da cidade natal, quando tinha 19 anos e ainda antes de dar nas vistas numa Taça das Nações Africanas de sub-20. Inicialmente jogou no satélite Liefering, da segunda liga austríaca, depois impôs-se definitivamente na equipa principal do RB Salzburgo.

A lista de casos de sucesso do clube austríaco, nos últimos sete anos, é enorme.

Antes de Daka, o RB Salzburgo já tinha sido notícia ao contratar, por exemplo, Sadio Mané aos 20 anos, por quatro milhões de euros, para o vender duas épocas depois ao Southampton por 23 milhões. Ou Haaland, contratado aos 19 anos por oito milhões e vendido uma temporada depois ao Dortmund por 20 milhões. Ou Naby Keita, contratado aos 19 anos por um milhão e vendido após duas épocas ao Leipzig por 30 milhões. Ou ainda Upamecano, descoberto com 17 anos nos juniores do Valenciennes e transferido duas temporadas depois para o Leipzig por 18 milhões.

A lista de casos de sucesso do RB Salzburgo ultrapassa as duas dezenas e pode ser consultada na galeria associada a este artigo.

Importante, para já, é referir que nem sempre foi assim.

A história do RB Salzburgo começa em 2005, quando a Red Bull comprou o Áustria Salzburgo e o virou do avesso. Tal como fez com o RB Leipzig, os New York Red Bull ou com as Red Bull Racing e Alpha Tauri, na Fórmula 1. Virou o Áustria Salzburgo completamente do avesso.

Mudou-lhe o nome, as cores, o escudo e anunciou que era um novo clube, sem história por detrás.

A partir daí a vida do novo RB Salzburgo nunca mais foi a mesma. O clube que tinha conquistado três títulos de campeão em mais de setenta anos de história, venceu desde então doze títulos em quinze possíveis, mais oito Taças das Áustria, uma Youth League, enfim.

Mas como é de uma marca capitalista que estamos a falar, esta história não se fez sem criar algums vítimas pelo caminho. Na circunstância, os adeptos do Áustria Salzburgo.

Insatisfeitos com a mercantilização do clube que amavam, opuseram-se ao rebranding da Red Bull, fizeram manifestações, mantiveram negociações durante meio ano. No fim de tudo, a Red Bull foi mais forte e os adeptos criaram um novo Áustria Salzburgo que compete nas divisões inferiores.

O alemão Ralf Rangnick foi o responsável pela criação da filosofia do RB Salzburgo

No entanto, e como já se disse, o RB Salzburgo nem sempre foi o caso de sucesso que é hoje.

A equipa rapidamente conquistou a hegemonia do futebol austríaco, mas não mais do que isso. Até que em 2012 a Red Bull contratou Ralf Rangnick. Antigo treinador conhecido por gostar de um estilo ofensivo e por ser um formado, o alemão tornou-se diretor desportivo do Salzburgo e do Leipzig, mudando por completo a filosofia dos dois clubes e criando o sucesso austríaco.

«Quando eu cheguei em 2012, tinha muito claro o que precisávamos de fazer. Precisávamos não só de focar a nossa atenção em ganhar títulos, mas também em desenvolver jogadores. Em procurar e desenvolver jogadores jovens, para vendê-los com um grande lucro. Queria começar a vender jogadores por dois dígitos em dois anos. A resposta foi de descrença. ‘Estás a falar a sério?’, perguntaram-me os meus colegas», confessou Ralf Rangnick num depoimento.

«O Salzburgo estava a ganhar a Bundesliga austríaca de forma bastante consistente, mas não era uma equipa particularmente empolgante. E o único jogador que eles tinham vendido por um valor relevante foi Marc Janko para o Twente por 7 milhões de euros.»

O Salzburgo tinha uma média de idades no plantel de 30 anos. A prioridade foi baixar essa média e reformular rapidamente o plantel. Por isso chegaram Sadio Mané, Naby Keita ou Kevin Kampl.

«Mas não nos concentrámos apenas nos jogadores. O que fizemos foi mais ao nível da construção do clube do que da construção da equipa», acrescentou Ralf Rangnick.

A partir daí criou a filosia dos três C’s: conceito, competência e capital.

«Devíamos implementar um ADN específico no clube, particularmente no estilo de futebol que queremos que a equipa jogue e que seja facilmente reconhecível por todos. Depois procurámos encontrar as melhores pessoas possíveis para cada trabalho, garantindo competência em todo o clube. É fundamental ter uma equipa competente e perfeitamente orientada em todas as funções, e desafiá-la todos os dias a fazer o melhor por si mesmos e pelo clube. Por fim o dinheiro foi fundamental. Não há dúvida de que o apoio financeiro da Red Bull nos permitiu implementar a filosofia com a qual queríamos começar.»

Ralf Rangnick tinha uma longa carreira de treinador na Alemanha, em clubes como o Schalke, o Hannover, o Estugarda ou o Hoffenheim, o que foi uma vantagem. Tinha uma perfeita noção das pessoas que queria contratar e sabia que o estilo de jogo tinha de ser forte, enérgico e ofensivo.

A partir daí o RB Salzburgo criou uma filosofia transversal a todo o clube, com metodologias de treino aplicadas em todas as equipas. Grande parte do sucesso, aliás, está no centro de pesquisa, um departamento de análise de dados, que estuda as estatísticas dos jogadores, dos atletas referenciados e do futebol em geral, fornecendo insights aos responsáveis.

Uma das conclusões a que chegou, por exemplo, é que o período em que se fazem mais golos é nos dez segundos a seguir a uma equipa recuperar a bola. O que fez o clube trabalhar esse aspeto até à exaustão, com cronómetros digitais nos treinos a contar o tempo incluídos.

De resto, o sucesso assenta em dois pilares: encontrar talento e desenvolvê-lo.

Se para o desenvolver o clube conta com aquilo que considera os melhores treinadores de formação, apoiados por um departamento científico que lhe fornece todas as informações, para encontrar talento a fórmula foi criar uma rede de olheiros pequena, mas muito dedicada.

«Vender jogadores só é mau quando não podemos substituí-los adequadamente», disse Cristopher Vivell, antigo diretor de scouting o RB Salzburg e atualmente diretor técnico do Leipzig.

«Queremos descobrir e recrutar jovens talentosos o mais cedo possível e o mais rápido possível.»

Adeyemi deve ser o próximo craque a deixar o RB Salzburgo

Para isso o clube criou uma estrutura pequena, que trabalha com diretrizes bem delineadas e específicas. Os parâmetros e requisitos de busca estão predefinidos e cerca de 400 mil jogadores são monitorados pelo departamento de dados, através de estatísticas e vídeos.

Depois disso, e quando se justifica, os olheiros são enviados para observar os jovens jogadores ao vivo, concentrando-se sobretudo no que não se consegue ver na televisão: como é que o jogador aquece, como reage quando lhe é assinalado um fora de jogo, como interage com os colegas.

Quando o diretor desportivo decide que é necessário contratar um jogador com um determinado perfil, o trabalho de scouting está todo feito. Para que o clube possa agir rapidamente.

Foi assim que o RB Salzburgo chegou a craques como Haaland, Sadio Mané, Naby Keita, Upamecano, Patson Daka, Szoboszlai, Minamino, Amadou Haidara ou Duje Caleta-Car.

Muitos deles com passagem pelo Liefering, o club da II Liga austríaca que funciona como satélite e que serve para ambientar muitos destes jovens à filosofia do RB Salzburgo.

De resto, o clube tem prontos para serem vendidos jovens craques como Karim Adeyemi, alemão de 19 anos descoberto aos 14 no modesto Unterhaching e que já foi chamado à seleção alemã, ou Benjamin Sesko, esloveno de 18 anos, descoberto há três épocas no Domzale do país natal.

Os dois jovens avançados, tal como o médio Nicolas Seiwald, passaram pelo Liefering, no processo de desenvolvimento que os coloca agora na órbita de grandes clubes europeus. Em breve serão vendidos, porque é isso que a Red Bull faz: gera dinheiro e dá notoriedade à marca.

A fábrica de talentos de Salzburgo não pode parar de produzir.

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