‘Lucho’ Díaz: o dragão ‘guajiro’ que dedica golos à avó Rosaura

15 jul 2019, 11:44
Luis Díaz

Bairro Lleras, Barrancas, Colômbia: o Maisfutebol seguiu as coordenadas até chegar à fala com a família de Luis Díaz para uma reportagem que conta as origens do novo reforço do FC Porto e a história da sua transferência em contrarrelógio

De Barranquilla para o Porto; de tiburón a dragão. A velocidade a que evoluiu a carreira de Luis Díaz só é comparável àquela com que, em campo, ele ataca pelo flanco esquerdo.

Há quatro anos, o seu talento foi descoberto por Carlos Valderrama, que o convocou para a seleção indígena da Colômbia, uma conjunto de futebolistas descendentes de ameríndios que disputou o primeiro campeonato sul-americano deste género, no Chile – em que o Paraguai venceu na final os colombianos.

«El Pibe Valderrama impressionou-se com o seu drible, com o controlo de bola… Disse que o futuro dele seria na seleção principal e que era um desperdício um jogador como ele estar a jogar na segunda divisão», começa por contar ao Maisfutebol Luis Manuel Díaz Jiménez, pai do reforço do FC Porto.

Bairro Lleras, município de Barrancas, departamento de La Guajira: estas são as coordenadas para viajarmos até às origens do novo craque colombiano do FC Porto.

Barrancas, em La Guajíra, fica por estrada a seis horas de Barranquilla

Esta localidade de pouco mais de 20 mil habitantes, perto da fronteira com a Venezuela, faz parte da região do grupo étnico Wayuu.

«Somos descendentes deles», explica Luis Manuel, antes de detalhar aspetos sobre o povo também conhecido por guajiro: «Os wayuu vivem fora da cidade, em chozas, uma espécie de cabana cujo telhado são folhas de palmeira. Na tribo, os homens vestem uma espécie de tanga, enquanto as mulheres vestem uma manta e um sombrero. São conhecidos por trabalharem com o chinchorro (rede) e têm um idioma distinto... Nós percebemos algumas coisas, mas já não o falamos.»

São estas as origens de Luis Fernando Díaz Marulanda, novo camisola 7 do FC Porto.  Ou melhor, de ‘Lucho’ ou ‘Luchito’ Díaz.

A alcunha até facilita para efeitos de reportagem, por ele ser homónimo do seu pai, com quem conversámos.

As origens: «Ahí va mi muchacho!»

Luis pai está à vontade quando o assunto é bola. Começou a jogar aos 12 anos e hoje é responsável pelo Club Baller, uma escola de futebol em Barrancas.

Para conhecer o percurso de ‘Lucho’ de uma ponta à outra não há, naturalmente, melhor interlocutor.

O filho do ‘Profe Mane’ acompanhava a equipa para todo o lado a ponto de, em pequeno, se ter tornado numa espécie de mascote do Baller.

Os primeiros chutos, numa idade em que mal se segurava em pé, deram lugar às fintas a tentar imitar o ídolo de infância: Ronaldinho Gaúcho.

«“Pai, manda a bola”, dizia-me ele após cada treino e ficava ali a tentar fazer as fintas do Ronaldinho. Uma e outra vez. Até que, de tanto insistir, lá conseguia. Em miúdo já era extremo e mostrava ter muita habilidade», recorda Luis Manuel, que acreditou ainda mais no futuro do seu filho como futebolista quando o levou aos 12 anos a participar num torneio infantil em Barranquilla, que por estrada fica a seis horas de caminho, e ele saiu de lá com o prémio de melhor jogador debaixo do braço.

«Ele era um rapaz estudioso e disciplinado. Interessado pela escola. Dizia-me: “Se não der no futebol, algo terei de fazer na vida.” Gostaria de ser engenheiro, arquiteto…», recorda Luis Manuel.

'Luchito' Díaz (na frente, de camisola verde e branca) era a «mascote» do clube do seu pai (de camisola vermelha)

A verdade é que, aos 17, ‘Luchito’ voltaria a Barranquilla em representação de um clube do município vizinho de Albania. Dessa vez, ficou debaixo de olho do Barranquilla FC e acabaria por assinar pelo clube da segunda divisão colombiana.

À participação na seleção indígena, seguiu-se a seleção colombiana de sub-20. Até que, em 2017, assinou contrato com o Junior Barranquilla, da primeira divisão, e com os seus dribles e remates certeiros não tardaria em tornar-se no menino prodígio de um dos grandes emblemas do futebol colombiano.

A ascensão foi rápida e em setembro de 2018 chegou a oportunidade na seleção principal. Estreou-se frente à Argentina, entrando em campo pouco depois de Cristian Pavón, extremo albiceleste que, curiosamente, neste mercado de transferências era tido pelo FC Porto como uma alternativa à sua contratação.

Nesse dia da estreia, foi até montado um ecrã gigante no centro de Barrancas. Desde então, em menos de um ano, Luis Díaz foi internacional por oito vezes e acaba de participar na Copa América, no Brasil, onde, aliás, foi o único jogador de campo convocado pelo português Carlos Queiroz que ainda jogava no campeonato do seu país.

A estreia do neto pela Colômbia foi uma das últimas alegrias de Rosaura Jiménez, mãe de Luis Manuel e avó de ‘Lucho’, que viria a falecer no mês seguinte. O jogador tem uma forte ligação aos avós paternos – Jacob e Rosaura –, que têm a sala de casa forrada com fotos dele, e também uma relação próxima com a avó materna Naida Molina.

«Ele e os irmãos praticamente viviam em casa dos avós. Iam lá tomar banho, comer, conversavam muito com eles… Infelizmente, a minha mãe faleceu há nove meses», conta Luis Manuel, recordando o presente que ‘Luchito’ deu aos avós, quando começou a despontar no Junior:

«Ofereceu-lhes um televisor grande, porque a minha mãe tinha problemas com a vista e dificuldades em ver o neto em campo no ecrã pequeno que tinha lá em casa. A partir daí, ela passou a reconhecê-lo na TV e era uma animação. “Esse é o Luis! Vai meu rapaz!”, dizia ela. “Ahí va mi muchacho! Ahí va mi hijo!” [risos] Quando o travavam com faltas duras, quando lhe davam algum pontapé em campo… Ui… O que ela não dizia virada para a televisão! [risos]»

Jacob e Rosaura, os avós de Luis Díaz, na sala onde estão afixadas as fotos do neto / FOTO: EL HERALDO

No passado sábado, quando Luis Díaz voltou a Barrancas, já depois de assinar contrato com o FC Porto, o ambiente era de festa.

«Sinto alguma tristeza, porque vai ser muito mais difícil ver a minha família. Mas eles sabem que vou cumprir os meus sonhos e continuar a crescer», afirmou o agora jogador portista à reportagem do El Heraldo.

«Ele é um rapaz humilde e calado, tímido até, mas estava visivelmente feliz por voltar a casa e estar prestes a cumprir o sonho de jogar na Europa. Havia até uma fila para tirar fotos com ele», detalha Sandra Guerrero, jornalista correspondente em La Guajira do jornal, que acompanhou o regresso a casa do filho pródigo, antes de ele viajar para Portugal.

O pai completa a descrição: «Ele esteve três dias por cá e foi impressionante. Algo nunca visto. Apareceu gente de toda a região La Guajira só para o cumprimentar, para o abraçar… Uns pediam-lhe fotos, outros autógrafos na camisola. Falando nisso, temos de arranjar umas camisolas do FC Porto. Já há muita gente a perguntar por isso. Toda La Guajira está a torcer pelo ‘Lucho’. Agora, somos todos adeptos do FC Porto.»

Sandra Guerrero salienta, por sua vez, o impacto que teve a notícia da transferência de Luis Díaz na Colômbia: «O nome dele foi durante esses dias trend (tendência) no Twitter, tal como as palavras ‘Luchito’, ‘Lucho’ e Porto. Há por cá um grande interesse mediático à volta desta contratação.»

Um negócio em contrarrelógio

Este é, no entanto, apenas o fim da história desta contratação do FC Porto, que culminou com a viagem do novo reforço para Portugal na passada terça-feira e com a apresentação no Dragão no dia seguinte.

Para encontrar o início das negociações pelo último craque a sair do alforge de talentos colombianos é preciso recuar alguns meses.

Desde logo, a dezembro de 2018, quando River Plate e Cardiff apresentaram propostas avultadas. O Junior rejeitou ambas.

O clube de Barranquilla, onde militam os ex-sportinguistas Teo Gutiérrez e Matías Fernández, estava apostado em fazer uma boa campanha na Taça Libertadores – acabou por vencer apenas um jogo em seis e ser eliminado na fase de grupos –, pelo que fez de tudo para segurar a sua jovem estrela. Para o convencer a ficar até junho, o presidente Antonio Char ofereceu-lhe uma casa, um carro e… o privilégio de vestir a camisola 10 do Junior.

Contudo, o interesse de diversos clubes não esfriou com o passar dos meses. Houve alguns, como o Benfica, que o tinham referenciado. Outros, trataram de formalizar propostas, revela o seu pai:

«As mais recentes foram do Zenit, Club Brugge, Borussia Dortmund, antes disso River Plate, Cardiff… Ele colocava as propostas à minha frente e perguntava: “Papá, o que te parece este clube?” Eu estudei-as e conclui que a melhor opção era o FC Porto. É um clube muito conhecido por cá, candidato a ganhar o campeonato em Portugal e que está sempre ao mais alto nível na Liga dos Campeões. Além disso, o idioma e a cultura são mais fáceis em termos de adaptação. O FC Porto joga ao mais alto nível e tem um belo historial com os colombianos: Falcao, James, Guarín, Jackson deram-se muito bem por aí.»

'Profe Mane' Díaz à conversa com o seu filho 'Lucho' / FOTO: EL HERALDO

Se o pai foi o grande conselheiro de ‘Lucho’, dois ilustres ex-portistas com quem ele esteve na Copa América «também ajudaram muito» na escolha. Bem como, aliás, o atual selecionador dos cafeteros: «Sim, é verdade o que dizem. Falcao e James aconselharam-no. Falaram-lhe sobre como a cidade é bonita, disseram-lhe que o clube era muito bom, essas coisas… E Carlos Queiroz também lhe recomendou o FC Porto. Disse-lhe que o seu futebol ia adaptar-se bem ao da equipa.»

O desfecho, porém, podia ter sido bastante diferente.

Quinta-feira, dia 27 de junho, os russos do Zenit tinham a contratação do extremo praticamente acertada, ao colocarem em cima da mesa uma proposta superior àquela com que o FC Porto inicialmente foi a jogo. Porém, dois dias depois, a Colômbia era eliminada da Copa América pelo Chile e o cenário começava a mudar.

Díaz chegou domingo (dia 30) a Barranquilla e falou aos jornalistas: «Até agora, não está nada definido. Tenho essas duas propostas e estou tranquilo. O mais certo é não continuar no Junior.»

Entretanto, com nova oferta já em cima da mesa, para fazer face à concorrência, emissários do FC Porto seguiram viagem para a Colômbia com o objetivo de chegar a acordo com o Junior o mais rapidamente possível.

A missão resultou em pleno e os termos do negócio entre os dois clubes foram firmados na segunda-feira (1 de julho) ao final da tarde: 7 milhões de euros por 80 por cento do passe. Faltava apenas a assinatura do jogador. O que viria a concretizar-se no dia seguinte: contrato de cinco épocas e salário de um milhão de euros anuais, melhorado a cada temporada.

Luis Díaz apresentado no Estádio do Dragão, na passada quarta-feira

Nessa terça-feira, chegaria ainda ao Junior uma proposta de 10 milhões de euros. Tarde demais. O acordo já estava consumado e já não havia como travar a ida de Díaz para o FC Porto.

A contratação em contrarrelógio esteve em risco em diferentes momentos, sobretudo devido aos entraves colocados por Carlos Van-straehlen, empresário do jogador, que preferia o Zenit.

O confronto entre empresário e clube foi de tal forma aceso que na quarta-feira (dia 3), Van-straehlen já nem sequer pôde entrar na sede do Junior quando o seu atleta foi tratar de formalizar a desvinculação.

Entretanto, em Portugal, durante os dias que se seguiram à assinatura do contrato, havia quem garantisse que o jogador iria ser desviado. A esse facto não será alheio o envolvimento de um emissário português que tentou evitar à última hora o negócio com o FC Porto.

Os papéis, porém, já estavam assinados e o destino de ‘Lucho’ traçado.

Próxima paragem: Porto.

Irmão mais velho na senda de Iguarán

Díaz vem para já sozinho. Depois do estágio do FC Porto, no Algarve, quando já estiver instalado, a sua namorada virá viver com ele.

Os pais e os irmãos prometem também visitá-lo dentro de pouco tempo.

«Pesquisei ainda pouco sobre o Porto, mas espero ir aí em breve ao estádio ver o meu irmão jogar», afirma ao Maisfutebol o irmão do meio, Roger Díaz, de 18 anos, que joga nos sub-20 do Junior. Não é o único. Jesús, de 15, é o mais novo e também joga nos escalões jovens dos tiburones de Barranquilla.

A única irmã, Anny Karena, de 23 anos, também gosta de jogar futebol, embora não o tenha levado a sério a ponto de considerar uma carreira. A mãe, Silenis Marulanda, já há muito que se rendeu à paixão dos filhos: «A vida de Luis sempre foi o futebol. Só pensava na bola. E os irmãos são assim também. Até dentro de casa jogavam.»

Se ‘Lucho’ admira Ronaldinho, Roger, que é lateral direito, tem como ídolo outro brasileiro: Daniel Alves. E quer seguir o exemplo de casa, naturalmente: «O meu irmão é uma inspiração. Somos três rapazes a jogar futebol. Tanto eu como o mais novo sonhamos em tentar alcançar o que ele já conseguiu.»

Pai e treinador de futebol há 20 anos, ‘Profe Mane’ diz-se «orgulhoso de todos» e um pouco surpreendido sobre como «a carreira de ‘Lucho’ se desenvolveu tão rapidamente, em três, quatro anos»: «Primeiro, a seleção principal da Colômbia e agora um grande clube europeu. Tantos anos depois de Arnoldo Iguarán, aparece agora outro guajiro a colocar o futebol da nossa região lá no alto.»

Silenis Marulanda e Luis Manuel Díaz, os pais do novo reforço do FC Porto / FOTO: EL HERALDO

Goleador que passou também pelo Junior e brilhou sobretudo no Millonarios de Bogotá, Iguarán fez 68 jogos e 25 golos pela Colômbia entre 1979 e 1993. A sua carreira pela seleção principal terminou em vésperas da geração de ouro de Valderrama, Asprilla e Rincón deslumbrar a América do Sul na qualificação para o Mundial dos Estados Unidos.

El Guajiro Iguarán foi nome grande do futebol na região, ou não tivesse sido o maior goleador da seleção colombiana, até ser ultrapassado por Radamel Falcao, em 2015.

Ele é uma referência para a geração de Luis Manuel.

No entanto, de cada vez que o filho ‘Luchito’ entra em campo, não pensa em superar o exemplo de um antigo futebolista importante, que nunca sequer viu jogar.

A ascensão do agora jogador portista é feita sobretudo em jeito de homenagem à sua família. Em particular, à sua recém-falecida avó Rosaura, confessa o pai.

«Tudo o que ele faz é dedicado à memória avó, sabe?  Quando foi à seleção e fez um golo [contra a Coreia do Sul] dedicou-lho. Tal como o fez na Copa América, naquele golo que lhe anularam [frente ao Paraguai]. Aponta para o céu, dedica-o à avó e pede bendiciones a deus.»

Quando entra em campo, ‘Lucho’ joga por ela também, mesmo que a avó já não o possa ver naquele grande ecrã na sala forrada com fotos dele.

No Bairro Lleras ou no Dragão, Luis Díaz será o mesmo: filho de La Guajira, neto de dona Rosaura.

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[FOTO DE CAPA: EL HERALDO: receção em Barrancas a Luis Díaz, antes da partida para o Porto]

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