Pedro Grosso começou a jogar futebol aos sete anos, no Desp. Aves. Por lá ficou até aos 29, altura em que decidiu abandonar o futebol e dedicar-se ao curso de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Agora, cinco anos depois, está de regresso à equipa do seu coração para ajudá-la a reerguer-se dos distritais, depois da história trágica entre a SAD liderada por Wei Zhao e o clube
Dizem que não há amor como o primeiro, não é verdade?
Pois bem, essa é uma máxima que pode perfeitamente aplicar-se a Pedro Grosso. Jovem de 34 anos, começou a jogar futebol aos sete anos, no Desportivo das Aves. Por lá ficou até aos 29 – com dois de interrupção distribuídos por Académica e Leça –, altura em que, de forma surpreendente, trocou definitivamente os relvados pelo curso de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o qual já tinha frequentado nos tempos em que jogava em Leça da Palmeira e que tinha ficado em stand by por causa da profissão.
Agora, cinco anos depois, o médio aceitou o repto do «novo» Desp. Aves, o Clube Desportivo das Aves 1930, para representar o seu clube do coração na série 1 da segunda divisão da Associação de Futebol do Porto. Enquanto estuda para a prova nacional de acesso à especialidade (e já com uma Pós Graduação em medicina desportiva), Pedro vai voltar a calçar as chuteiras e ser mais uma peça na reconstrução avense. Porquê? O próprio explica, em conversa com o Maisfutebol.
«Não podia dizer que não ao Aves»
«O que me fez regressar foi o amor ao clube, vivi mais de metade da minha vida no Aves. Comecei aos sete anos, mas depois quis dedicar-me à minha outra vida [medicina]. Dada a situação do clube, pediram a minha ajuda e decidi aceitar. Senti que não podia dizer que não ao Aves e aceitei o convite para ajudar no que puder», começou por dizer, ao nosso jornal.
Um regresso desejado em primeira instância pelos avenses, mas que já tinha também passado pela cabeça de Pedro: «Obviamente quando saíram as notícias passou-me pela cabeça que seria possível voltar e pensei logo em disponibilizar-me.»
A saída repentina em 2015 e o olhar de angústia de quem viu de fora a (quase) queda de um histórico
Mas antes, recuemos no tempo. Corria a época 2014/15 quando o médico decidiu pendurar as botas. A famosa SAD do Aves entrou no clube, Pedro foi abordado para continuar no plantel, mas optou por dedicar-se à medicina, isto na melhor temporada da carreira: 41 jogos e um golo na II Liga, além de três partidas na Taça de Portugal (um golo) e três na Taça da Liga.
«Decidi sair do futebol no ano em que a SAD entrou no clube. Remodelaram muito o plantel, até me abordaram para continuar, mas achei que a forma como o fizeram não foi a melhor, além das condições. Achei que a posição no Aves não seria a ideal e achei melhor sair. A partir do momento que saí, achei que era a melhor altura para deixar o futebol. Foi tudo um bocado repentino», explicou, revelando alguma mágoa pela forma como tudo aconteceu.
«Não, nunca me arrependi. Mas a forma como deixei o Aves não foi o que sonhava, isso deixou-me triste. Não fiquei magoado, cada um tinha as suas ideias, mas achei que não era a melhor forma de tratar da situação. Não estou arrependido porque estou numa coisa que sempre quis: deixar o futebol por outro amor equilibrou as coisas, não me fez sentir a falta do futebol e arrepender-me.»
Para Pedro, um fervoroso adepto do emblema da Vila das Aves, naturalmente que foi difícil assistir à história trágica entre a SAD liderada por Wei Zhao e o Desportivo.
«Os primeiros anos foram muito bons, com a subida à Liga e a conquista da Taça, e fico muito agradecido às pessoas que conseguiram dar ao Aves coisas que nunca tinham acontecido, festejei efusivamente como adepto. Foram as pessoas que entraram que permitiram isso», defendeu.
«Depois o resto... por um lado é um bocadinho surpreendente, a expectativa era de que o Aves se consolidasse porque as coisas estavam a correr bem. Acaba por ser uma desilusão muito grande, mas é como já comentei, mas não é assim tão surpreendente se virmos os históricos das SAD’s em Portugal. Infelizmente, temos tido exemplos destes. Para quem está de fora e ama o Aves é uma angústia e uma tristeza muito grandes. Conseguimos uma coisa que o Aves já merecia há muitos anos e depois ruiu tudo em seis meses», prosseguiu depois.
De resto, o jogador de 34 anos admite mesmo que a Vila das Aves abdicaria da subida à Liga e da conquista da Taça para continuar tranquilamente no segundo escalão máximo do futebol português, onde competiu durante vários anos.
«Este clube é muito especial. Acho que as pessoas começaram a olhar mais para o Aves com a subida e com a Taça, mas para um clube tão pequeno ter aquela curva cheia de adeptos na final da Taça, ver a forma como as pessoas vivem o clube... Há muita gente do Aves que só vê o Aves», afirmou.
«Mas o que me dá mesmo orgulho em ser avense é as pessoas preferirem que o Aves nunca tivesse ganho nada para não ter de passar por isto, ou seja, ter continuado sempre na II Liga. As pessoas gostam mesmo do Aves pelos valores que o clube transmite.»
O regresso emocionado a casa, mesmo só para tirar «umas fotografias»
Agora, António Freitas e companhia tentam juntar os estilhaços provocados pela administração de Wei Zhao e que ameaçaram a sobrevivência de um clube com quase 90 anos de existência. A mística avense, essa, continua de tal forma presente que Pedro Grosso se emocionou no regresso a «casa».
«Fui muito bem, recebido, tenho alguma história no clube e acho que sempre dignifiquei esta camisola. Até me emocionei um bocado no regresso. Gravei um vídeo promocional com a nova camisola no estádio e emocionalmente foi um grande momento, mesmo que tenha sido só para tirar algumas fotos e gravar umas coisas. Estou super feliz», confessou Pedro, que não se sente incomodado com as diferenças entre o Desp. Aves que deixou, em 2015, e o que encontrou agora.
«Quando me convidaram nunca me passou pela cabeça: ‘Acabei na II Liga e agora vou voltar às distritais?’ É o Aves, é o clube da minha terra e é sempre uma honra. Notam-se algumas diferenças, sobretudo no plantel, mas em termos de infraestruturas não, pelo menos para já. Estamos no estádio, com as mesmas condições físicas com que estávamos na altura. A diferença nota-se mesmo é nos hábitos: a hora de treino que é diferente, pessoas que trabalham e depois treinam. Isso nunca me passava pela cabeça porque sempre fui profissional, mas agora passa ao lado porque estamos a encarar isto com o máximo profissionalismo possível», garantiu.
E agora? O que pode este «novo» Desportivo das Aves ambicionar a curto prazo? «Acho que as pessoas sabem que as coisas vão ser difíceis. Foi uma mudança muito radical. Os timings foram muito encurtados e teve de ser tudo feito rapidamente. No entanto, acho que as coisas foram bem-feitas, a equipa que se construiu foi bem estruturada, não foi à pressa, e acho que as coisas têm tudo para correr bem e para subirmos rapidamente.»
«É claro que daqui a três ou quatro anos as coisas começam a ser mais difíceis. Apesar de acreditarmos, temos de ter consciência que as dificuldades vão aumentando. Sendo realistas, acho que temos muito boas hipóteses nestes primeiros anos, se as pessoas trabalharam a sério e não se fiarem apenas no emblema do Aves, nada se ganha sem esforço. E depois depende da gestão que se for fazendo», acrescentou.
«Não voltaria a jogar futebol em mais clube nenhum. Volto ao futebol pelo Aves e por amor ao Aves»
Cinco anos depois do abandono precoce, Pedro Grosso está de volta ao futebol e está de volta ao «seu» Desportivo das Aves na altura em que o clube mais precisa. De outra forma, este regresso aos relvados não aconteceria: «Não voltaria a jogar futebol em mais clube nenhum. Volto ao futebol pelo Aves e por amor ao Aves.»
Uma coisa é certa: não é por falta de amor que «a maior vila do futebol português» não voltará à elite nos próximos anos, e Pedro está aí para prová-lo. Afinal, não há paixão como a primeira – mesmo que agora a partilhe com a medicina.