Após comparar Montenegro a Trump, a recuperação de um fantasma comum no imaginário socialista: os cortes de Passos Coelho. Pedro Nuno Santos levou mais de 24 horas para colar a AD e o Chega em matéria de imigração. No Dia da Mãe, voltou a falar de saúde. Mas as mães, pelo menos pelo Minho, também querem melhor educação. Foi dia de atravessar pontes para chegar ao eleitorado. E de comprovar que, no que à política diz respeito, nem sempre dá para passar entre os pingos da chuva
A vida segue para lá de bolhas políticas ao domingo de manhã. No rio Lima, os canoístas trabalham a sua força. Numa das margens, mulheres vestidas à minhota vendem limões, couves e batatas. Na outra, a comitiva socialista prepara-se para receber o seu líder.
A poucos metros, Manuel Martins já reparou no rebuliço, mas não se aventura nas aproximações. É que ele tem a porta da marcenaria aberta, acabou de atender dois turistas. Sim, esta marcenaria atende turistas - ou, melhor, peregrinos.
O caminho de Santiago passa por aqui. “Abri esta marcenaria há quatro anos, com a covid-19. Acabou por se transformar numa ferramenta para dar apoio aos peregrinos. Dizem eles que já sou conhecido em todo o mundo”.
Manuel socorre-se de uma telha, “um computador à moda antiga”, para marcar quantos peregrinos lhe passam pela oficina Restauro à Sexta. Desde agosto de 2021, foram 25.657. Só que, no outro lado da porta, tem outra telha com um número que não passa dos 500, com aqueles que fazem o caminho de regresso.
Os peregrinos movem-se da esquerda para a direita. E os eleitores políticos? Nesta que ainda é a “melhor rede social”, o cara a cara, não se fala de política. Manuel prefere aprender - e apontar num caderno - como se diz bom dia e obrigado nas línguas de quem involuntariamente se visita. “E se não tiverem dinheiro para comprar uma lembrança, garanto-te que levas uma peça à mesma, o único negócio onde quero ganhar dinheiro é na marcenaria”.
Sajin Ahmed aproxima-se da oficina com uma brochura do Partido Socialista. Ao ouvir Manuel Martins contar que uma das últimas peregrinas a passar por ali vinha da Índia, o jovem confessa que vem de lá perto, do Bangladesh. E ensina o minhoto a dizer bom dia na sua língua natal.
Sajin vive em Lisboa há quatro anos, está na Juventude Socialista há mais de dois. Tirou uns dias para acompanhar a caravana. Fala português, mas ainda se atrapalha se a conversa for mais longa. “Acredito que podemos criar mais com amor do que com ódio”. Reconhece que fica triste que haja outros imigrantes da mesma origem que vivem em condições degradantes. “Mais integração e mais respeito”, aponta, são as chaves para começar a resolver o problema.
Vidas (imigrantes) reais, reações (ao adversário) demoradas
Afinal, é de vidas como a de Sajin que falam os políticos quando falam da imigração. O tema está a marcar o primeiro fim de semana na estrada, depois de o Governo ter anunciado que mais de 4.500 imigrantes terão de abandonar o país porque os seus processos não foram validados.
Nesta matéria, a resposta de Pedro Nuno Santos chega mais de 24 horas depois de ter sido confrontado pelos jornalistas. A CNN Portugal questionou-o mesmo este sábado se esta decisão não era uma tentativa da AD de chamar o eleitorado do Chega.
“Temos um primeiro-ministro que diz que há pessoas que têm de ser expulsas do território nacional, diz isso a sorrir e ainda pede ao Chega para elogiar a sua política”, comenta à chegada a Ponte de Lima.
Na véspera, já tinha acenado com o fantasma de Donald Trump, quando avisou que uma aliança entre a AD e a IL iria levar a um cenário, na saúde, parecido aos Estados Unidos da América, país que tem “resultados piores” do que Portugal. Agora vai mais longe na comparação: fala numa “trumpização” de Luís Montenegro.
Palavra às mães (e às filhas que também são mães)
Maria Nunes ainda está meio atordoada quando liga a uma das filhas para contar o inesperado encontro que teve, literalmente, no meio da ponte. Por isso, pede à outra filha que está presente, Sandra Matos, para explicar o que seria importante mudar no país. Em Dia da Mãe, protagonismo às filhas que também são mães.
“É melhorar a educação, inclusive as carreiras para os nossos filhos irem para a escola”, conta. O companheiro, Amadeu Rocha, fala por cima: “é preciso é mais dinheiro”. Fazem questão de vincar que não têm o mesmo apelido. “Não casámos, é a crise dos salários”, riem-se.
A caravana atravessa a ponte, rumo ao eleitorado que há para conquistar do outro lado. A confusão até é boa para o negócio, confessa Goreti Rodrigues, vestida à minhota, coração de filigrana ao peito. “Levam muito tremoço, muitos ovos”. E, grão a grão, lá se vão alimentando os filhos. “Se tivesse de ir ao terceiro, com esta crise nas urgências, punha muitas dúvidas”.
Ao lado, Madalena Veiga vai acenando com a cabeça. Não tem filhos, já casou tarde, aos 48 anos, é uma mágoa que guarda. Pede para os filhos dos outros. “Mais educação e mais força na saúde. E o resto vai-se vivendo”. Trabalhou mais de 20 anos nas pedreiras, “a partir cascalho para as linhas de comboios” - o meio de transporte onde Pedro Nuno Santos faz sempre questão de lembrar o legado.
Há povo, mas nada por aí além. Na fase final da arruada, com a cabeça de lista por Viana do Castelo Marina Gonçalves, antiga ministra da Habitação, o secretário-geral do PS mostra-se meio perdido para encontrar quem lhe devolva o cumprimento. Arrisca-se pelas barraquinhas da feira. É confrontado pelos jornalistas sobre a possibilidade de comprar um queijo Limiano, a fazer lembrar acordos do passado, onde Ponte de Lima foi protagonista. Pedro Nuno diz não ter, com uma agenda tão cheia, tempo para isso.
Spinumviva e uma mulher ao ataque: "opacidade" e "cobardia"
Siga para Viana do Castelo, para um almoço com militantes. É Marina Gonçalves quem serve a polémica da Spinumviva como entrada. Repete as palavras “opacidade” e “cobardia” para falar de Luís Montenegro. “Falhou esta semana, quando quis ocultar, num ato de cobardia, mais informação que atempadamente o PS pediu para evitar estar na situação em que estamos”, diz.
Chega a vez de Pedro Nuno Santos alimentar o povo socialista com palavra. No Dia da Mãe, deixa uma promessa às grávidas: “Cuidaremos do SNS para que nenhuma mulher grávida se sinta insegura, angustiada, perante serviços de urgência encerrados”.
E é, depois, a lembrar as falhas da governação de Montenegro que recupera um outro fantasma: o de Pedro Passos Coelho. “Sabemos o que eles fizeram quando estavam liderados por Passos Coelho e tiveram uma crise orçamental na altura, cortam nos salários, cortam nas pensões, cortam nas despesas sociais”.
Daí o aviso, em jeito de sobremesa mais ácida do que doce: “Eles falharam, mas quem vai pagar a fatura deste falhanço é o povo português”.
Um berço de chuva
Vamos saltar a parte do almoço em que, no meio de uma desgarrada minhota, um dos artistas convidados fala numa maioria absoluta. Já estamos em Guimarães, onde Pedro Nuno aprende que nem sempre dá para passar entre os pingos da chuva. “Vai ali, vai ali”, grita Rosa Maria, antes de dar meia-volta e ir à sua vida.
Abrem-se os guarda-chuvas. “Faça sol ou faça chuva, o PS está na rua”, grita-se. Pena é não haver praticamente ninguém na rua para vê-los passar. O plano, improvisado no berço da nação, bastião socialista, é encher o Teatro Jordão.
“Só este partido é que consegue, numa arruada a chover, encher tão rápido um anfiteatro. Os que ainda têm dúvidas que ponham os olhos aqui dentro”. Pedro Nuno repete o discurso, versão resumida. Vincar a responsabilidade do PS, criticar os maus resultados do atual governo e a seriedade de Montenegro, o passado de cortes do PSD, o apelo ao voto útil.
“E para ganharmos as eleições, que ninguém disperse o voto. Só o voto no PS pode garantir a derrota da AD e uma mudança segura em Portugal”, conclui.
O primeiro fim de semana na rua está embrulhado. Ala para Lisboa, com o “coração cheio” de Minho.