Só querem divertir-se a praticar desporto: o nome é inclusão

28 mai 2022, 09:11
Boys Just Wanna Have Fun (Fotos Facebook BJWHF)

Começou por se chamar Boys Just Wanna Have Fun e nasceu como um espaço seguro para rapazes que queriam jogar sem se sentirem discriminados pela orientação sexual. Em mais de uma década as coisas mudaram, mas não tanto assim

Rodrigo Gaspar ri-se a lembrar como teve de ultrapassar o seu próprio preconceito quando se juntou à equipa de futsal da Boys Just Wanna Have Fun. «Confesso que fui um bocadinho a medo, porque todos temos alguns preconceitos e eu na altura também os tinha. Pensava… Bom, maioritariamente gays a jogarem entre si, aqueles balneários devem ser uma loucura. Deve ser uma pouca vergonha. O meu primeiro treino foi assim um bocadinho com esse receio. Claro que percebi logo que não fazia sentido nenhum e percebi que é um balneário como tantos outros onde entrei.» Praticante de futebol há muito tempo, Rodrigo é hoje vice-presidente da associação vocacionada para juntar pessoas que só querem divertir-se a praticar desporto, num ambiente seguro que inclua todos, independentemente da orientação sexual, das origens, do credo, da condição sócio-económica.

Foi essa a ideia que levou à criação da Boys Just Wanna Have Fun, hoje com 150 membros. Mas se o nome do clube explica por si a ideia original, a verdade é que ao fim de 12 anos também já não era ele próprio inclusivo. Hoje, a associação cresceu e já não é só para rapazes, ainda que continue a ter como bandeiras a causa LGBT e a luta contra a homofobia. «Deixou de ser um grupo de rapazes que queria praticar desporto de uma forma mais inclusiva para passar a ser uma associação que integra todas as pessoas, independentemente do género», conta Álvaro Cardoso, o presidente da BJWHF, acrescentando que o novo nome já está registado: «Vamos passar a ser All Together 4 Sports.»

A associação nasceu com os Dark Horses, uma equipa de rapazes, na maioria homossexuais, que queriam jogar râguebi mas se sentiam excluídos, muitos deles com experiências de rejeição em equipas por onde passaram. «Os primeiros passos são sempre os mais difíceis. Foi o que aconteceu com os Dark Horses. Ainda para mais num desporto muito masculino, como é o râguebi. Houve pessoas que sentiram na pele, que estiveram noutras equipas ditas normativas e que acabaram por deixar essas equipas por alguma discriminação que sentiram e abandonaram o desporto», conta Álvaro Cardoso.

«Quiseram criar um sítio onde pudessem estar à vontade, onde não fossem atacados, onde se sentissem seguros», acrescenta Rodrigo Gaspar: «Durante os jogos eram gozados. Literalmente, os maricas e não sei quê.»

Isso mudou: «Agora não se ouve nada disso. Eles foram também ganhando respeito, porque dentro de campo tinham que superar, porque estavam constantemente a ser rebaixados. Com elegância e com determinação conseguiram mudar muito as mentalidades.»

Foto Facebook BJWF
Foto Facebook BJWF

À associação continuam a chegar pessoas que sentiram essa discriminação, como percebeu Rodrigo ao longo destes anos. «Eu nunca senti nenhum tipo de homofobia diretamente comigo. Eu próprio quando era mais novo achava piada a gozar com as pessoas mais efeminadas, tinha alguns comportamentos homofóbicos. Só depois de me juntar à equipa é que comecei a perceber a importância desta associação, deste tipo de associações. O que ajuda muito a ter sensibilidade para estes temas é ir conhecendo pessoas, histórias, sabendo como cresceram. A verdade é que fui um privilegiado, porque nunca passei por nenhuma situação desagradável por conta da minha orientação sexual.»

Hoje os Dark Horses têm uma parceria com a equipa do Belas Rugby Clube e são uma das duas equipas da associação federadas, a par dos Pool Sharks, a secção de natação. Além disso, a BJWHF tem uma secção de tango, outra de voleibol, os Lisbon Crows, e ainda a equipa de futsal, os Lisbon Foxes. E associação a outras organizações, como a Global Ocean, pela qual é responsável também Álvaro Cardoso e que vai promover em junho várias atividades em Cascais, incluindo uma travessia a nado entre Estoril e Cascais.

A nível internacional, as várias modalidades da associação participam em competições como os Eurogames ou os Gay Games. Que têm as mesmas regras de quaisquer outras competições desportivas, já agora. «Eu sou nadador e as provas nos Eurogames ou nos Gay Games são exatamente iguais às provas de um campeonato nacional. Há árbitros oficiais, as regras são as mesmas. E acho que assim é que faz sentido», diz Álvaro Cardoso: «O nosso objetivo é o desporto, independentemente da orientação sexual dentro das nossas equipas ou da nossa associação. Até porque temos vários hetero na associação. O nosso ativismo é sempre o desporto.»

Foto Facebook BJWHF

«O futebol é mais fechado que outros desportos»

Ao longo destes dez anos houve alguma mudança de mentalidades, notam os responsáveis da associação. «Está melhor, muito melhor. Mas ainda há um caminho a percorrer, claro», diz Álvaro Cardoso. «Há determinados desportos que são muito masculinizados. Ou o contrário. Por exemplo, natação sincronizada. É muito feminina, não é? Mas porque é que não pode haver homens a praticar natação sincronizada?»

«O futebol é mais fechado que outros desportos», acredita por sua vez Rodrigo Gaspar, que faz parte da equipa de futsal da associação, joga também futebol de 11 e tem ainda a experiência regular como adepto no Estádio da Luz. «O futebol é muito machista, muito homofóbico. Basta irmos a um estádio. Eu tenho Red Pass e vejo o que se grita, às vezes como ofensa. Este maricas, este paneleiro… Aquela homofobia estrutural que ainda existe. Nos estádios é um bocadinho também reflexo da sociedade, elevado a um extremo.»

«Basta ver o número de coming outs que existem no futebol em comparação com outros desportos», acrescenta. Em Inglaterra, o jogador do Blackpool Jake Daniels assumiu recentemente a sua homossexualidade. E Rodrigo Gaspar diz que esses exemplos ajudam muito a quebrar o preconceito: «É extremamente importante para jovens, ou não jovens, que de certa forma se sentem presos.»

«Há muitas pessoas que vivem no tal armário, acabam por ter medo, receio de serem chacota das pessoas, da opinião pública, até mesmo a nível de patrocinadores. Isso faz com que as pessoas não se libertem nesse sentido», nota por sua vez Álvaro Cardoso. «Todas as pessoas que deram esse primeiro passo acabam por ser as mais mediáticas e é importante, porque é despertar um bocadinho a consciência e dizer que todos nós existimos, todos somos pessoas, todos amamos. Queremos é ser felizes, não é? Acho que é o que toda a gente quer na vida, independentemente de estarmos com uma pessoa ou outra.»

Foto Facebook BJWHF

O medo da discriminação

Em Portugal, o judoca olímpico Célio Dias é uma rara exceção de um desportista a assumir a homossexualidade. «Não há muitas pessoas a darem a cara por esta bandeira. Por isso mesmo, porque têm muitas vezes medo de serem discriminados ou olhados de lado, ou de se sentirem inferiorizados. Muitas vezes nos treinos, independentemente da modalidade, o homossexual ou o gay era visto como uma pessoa mais frágil, menos capaz de fazer as coisas, como menos força para determinadas atividades. Portanto, acabam por se esconder, fazem quase uma vida dupla. Conheço casos de pessoas que ainda nem sequer passaram para a opinião pública, porque há alguma discriminação», afirma Álvaro Cardoso.

Rodrigo Gaspar não acredita que vá acontecer em breve no futebol português: «Podemos até alargar o espectro para outros agentes desportivos, sem ser os atletas. Os dirigentes, os treinadores, equipas técnicas. É um meio também muito fechado. Pelo menos em Portugal ainda não há espaço para isso. As pessoas vão ser ostracizadas pelas massas.»

Isso pode mudar mais facilmente junto das gerações mais jovens, considera Rodrigo Gaspar. «É muito mais fácil conseguir sensibilizar os mais novos para o futuro do que mudar o mindset daqueles que já têm muitos vícios, muitas vivências.» Há associações a fazer esse trabalho: «A nossa missão é a inclusão através do desporto. Mas existem associações, como por exemplo a Rede ex-aequo, que tem essa missão e o faz de uma forma brilhante.»

O exemplo de Jake Daniels numa escola portuguesa

A BJWHF, futura AT4S, tem feito algumas ações com a Secretaria de Estado para a cidadania e igualdade, além de ter apoio do IPDJ. E viveu recentemente uma experiência motivadora. Na sequência da revelação de Jake Daniels, os Lisbon Foxes foram convidados por uma escola de Ponte de Sôr para partilhar a sua experiência. «Teve um resultado bastante positivo», conta Rodrigo Gaspar: «Os jovens foram bastante participativos e no final estiveram imenso tempo à conversa com os nossos atletas.»

Os Lisbon Foxes também já não estão sozinhos. Recentemente colaboraram na criação de outra equipa de futsal inclusivo nascida no Porto, os Douro Bats. «A equipa já está bem grande, já tem treinos semanais com bastante gente», nota Rodrigo.

Depois de terem ficado em terceiro lugar nos Eurogames em 2019, em Roma, os Lisbon Foxes competem nesta altura no torneio de futsal da Câmara Municipal de Lisboa. «Terminou a fase de grupos, estamos qualificados e estamos agora a competir para a próxima fase», conta Rodrigo. Mas a competição não é o foco principal, insiste: «Queremos garantir a prática de desporto segura, sem discriminação. E a discriminação na verdade não é só pela orientação sexual. O nosso mote é a integração também de alguém que nunca jogou à bola e quer experimentar, ou pessoas que não têm condições financeiras para pagar a mensalidade, para os custos de um treinador, do campo. Garantimos que essa pessoa não deixa de jogar por razões financeiras, por razões de credo. A ideia é que não pode haver nenhum motivo para a exclusão.»

Por isso, não é um objetivo da equipa tornar-se federada ou entrar em competições mais formais. «Se queremos ser inclusivos, depois dizer que uns não participam… A logística tinha de ser muito diferente. Depois também se perde um bocadinho do espírito que se tem hoje na equipa. É um ambiente muito calmo, muito tranquilo. Para perceber o quão relaxados somos nesta matéria, na competitividade, na agressividade, nós estamos em primeiro lugar para ganhar a Taça Fair Play do torneio da CML. Temos zero cartões amarelos. Claro que queremos ganhar, mas não é a todo o custo. Não nos queremos aleijar, não queremos aleijar ninguém. É o desporto pelo desporto.»

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