Até mil anos de eletricidade verde: ativistas apelam à reciclagem de resíduos nucleares para combater alterações climáticas

4 abr 2023, 07:01
Funcionários em central nuclear no Reino Unido (AP)

Mais de 90% da energia produzida a partir do nuclear continua por utilizar, diz relatório

"Se os resíduos nucleares fossem reciclados e reprocessados como combustível para reatores nucleares avançados, poderiam gerar até um milénio de eletricidade na Europa livre de emissões de carbono". É isso que diz um novo relatório publicado esta terça-feira pelos ativistas internacionais da associação RePlanet, uma organização não-governamental que pretende reintroduzir a aposta na energia nuclear para ajudar a Europa a minimizar a sua dependência em relação aos combustíveis fósseis.

"O combustível nuclear usado (a parte mais radioativa dos chamados resíduos nucleares) poderia, segundo o relatório, ser utilizado em centrais nucleares avançadas conhecidas como 'reatores rápidos' para criar entre 600 a mil anos de electricidade sem carbono para toda a União Europeia", pode ler-se no resumo da organização, que ganhou um protagonismo reforçado após a Rússia invadir a Ucrânia e deixar a Europa à beira de uma crise energética, ao mesmo tempo que luta por uma maior igualdade no acesso à energia em todo o mundo.

Os ativistas defendem, através da  campanha “What a Waste” (“Que Desperdício”), que o combustível nuclear usado não deve ser enterrado em depósitos geológicos profundos, mas sim ser mantido de forma acessível e utilizado para alimentar um futuro de energia limpa.

O jornalista Mark Lynas, especialista nas áreas do Clima e do Ambiente, e que é um dos autores do relatório, refere que chamar "resíduos" ao combustível nuclear não está certo, uma vez que mais de 90% da energia produzida a partir do processo de fissão nuclear fica por utilizar após o processo. Além disso, defende o britânico, o potencial de reciclagem do combustível nuclear irradiado para reatores nucleares avançados garante que os resíduos nucleares são um "problema resolvido", pelo que daí não surgirá qualquer tipo de problema de segurança.

Recorde-se que um dos riscos frequentemente atribuídos à produção de energia nuclear está relacionado com os resíduos radioativos, que demoram vários anos a perder radiação. Casos como os desastres das centrais de Chernobyl ou de Fukushima fizeram soar os alarmes, dividindo a opinião pública e política quanto ao tema, incluindo na Europa: França nunca deixou de apostar no nuclear e é um dos países do mundo onde ele é mais prevalente, enquanto a Alemanha teve um claro desinvestimento no setor.

"As narrativas políticas atuais tratam o combustível nuclear usado como se fosse desperdício que precisa de ser enterrado no subsolo, deixando um legado tóxico para as gerações futuras. Os ativistas anti-nucleares nunca se cansam de repetir este mantra na sua campanha para encerrar as centrais nucleares, independentemente da nossa emergência climática. No entanto, mostramos neste relatório da RePlanet que os resíduos nucleares precisam simplesmente de ser reciclados eficientemente para gerar séculos de energia limpa para o Reino Unido e para a Europa. Este material não é lixo, é combustível para o futuro", afirma o co-fundador da RePlanet.

Sem qualquer tipo de financiamento político, parte da mensagem da RePlanet vai precisamente para esse setor. A organização apela aos Partidos Verdes da Europa que "acabem com a sua oposição 'perigosa e não científica' à energia nuclear", acusando essa posição de manter a "dependência dos combustíveis fósseis russos" e agravar a emergência climática.

"Os resíduos nucleares 'são uma oportunidade e não um problema'", acrescenta o relatório.

Uma análise feita a Espanha mostra bem o impacto que a medida poderia ter: a reciclagem do combustível gasto no país vizinho serviria para alimentar a rede energética espanhola por mais de 200 anos, para níveis de consumo atuais.

Veja o vídeo da campanha aqui.

 

"Combustível para o futuro"! O autor do relatório Mark Lynas e o colega do RePlanet Joel Scott-Halkes abraçam um contentor de combustível nuclear usado. Crédito: RePlanet

A RePlanet é, segundo a própria, uma organização não-governamental financiada por mecenas, tendo ativistas na Europa, em África ou na Oceânia. No seu website, e segundo a política de transparência, RePlanet publica uma lista com todos os financiadores que contribuem com mais de cinco mil euros, sendo que, sempre segundo a organização, 90% dos fundos vêm Quadrature Climate Foundation, uma fundação criada por Eric Schmidt, um dos rostos por detrás da Google, e que se destina a aliar a Inteligência Artificial ao combate às alterações climáticas.

O grupo diz-se movido pela "filosofia emergente do eco-humanismo", garantindo ser a única organização do setor que promove a utilização de tecnologias como a energia nuclear avançada, mas também a agricultura celular e a edição genética.

O objetivo dos ativistas,passa por ver "50 a 75% da Europa devolvida à natureza", ao mesmo tempo que quer uma diminuição da agricultura animal, o arrefecimento do clima e a abundância de energia alcançada nos países menos desenvolvidos.

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