"Em Portugal, esta questão está dentro do armário". Padres portugueses juntam-se a movimento de apoio a católicos LGBT+

5 abr 2022, 11:59
Cruz

O Sopro integra padres, psicólogos, professores. Diferentes entre si, mas com um objetivo comum: derrubar as barreiras que impedem a aceitação de homossexuais na comunidade católica portuguesa e apoiar aqueles que têm sofrido em silêncio e sozinhos

"Criar pontes entre a Comunidade LGBT+ e a Igreja Católica Portuguesa, por um caminho de união e de amor". É esta a frase que resume o mais recente movimento de católicos homossexuais, apoiado publicamente por padres. Chama-se SOPRO, nasceu a 1 de abril, e é uma iniciativa levada a cabo por leigos e leigas, cuja equipa coordenadora é composta por quatro mulheres: Ana Carvalho, Bárbara Gardete, Maria Pires e Teresa Vieira da Cruz. Apesar de não ser inédito, traz novidades para a comunidade católica portuguesa.

O movimento Sopro quer derrubar barreiras para esta comunidade dentro da Igreja. Inicialmente, este projeto começou a ser pensado para o que é que se poderia fazer para que a comunidade LGBT+ fosse bem recebida nas Jornada Mundial da Juventude (JMJ) - que vão decorrer em Lisboa no próximo ano. Mas Ana, Bárbara, Maria e Teresa perceberam que o passo a dar tinha de ser maior. 

"Pode parecer um passo largo, mas foi o passo que nos pareceu mais acertado, já que em Portugal esta questão está dentro do armário. Achámos que não era possível acolher quem chega se não se acolhe quem cá está, pelo menos neste sentido de fomentar a diversidade em comunidade alargada"

O Sopro reúne cerca de 20 elementos e alguns são padres: é o caso de António Pedro Monteiro. Há muito tempo que tinha "vontade de acompanhar pessoas", porque percebeu que "os documentos que iam sendo escritos faziam mossa a muita gente". Mas porquê agora? A "gota de água" foi o facto de a JMJ terem "cerca de 10% de pessoas com uma condição afetiva diferente". 

"Houve uma vontade enorme de fazer acontecer um espaço de acolhimento e integração, num registo muito colaborativo, sem ser combativo. O movimento surge da vontade de dizer 'estamos aqui, não sofram sozinhos'. Eu inscrevo-me aqui porque reconheço que não temos feito um caminho institucional. Tem sido uma questão que tem ficado para trás e estes ajustes do evangelho ao tempo presente são um mandato de todos. Somos todos responsáveis por este sofrimento", explicou, numa entrevista à CNN Portugal. 

Já existem outras associações, como a Rumos Novos, que tentam criar um lugar de partilha e reflexão entre a comunidade católica e as pessoas LGBT+. A novidade deste movimento é talvez o mediatismo: "Não é a primeira, mas até agora não havia um statement que dissesse 'é possível viver assim, é possível fazer um caminho'". Para além disso, existe toda uma rede de contactos com padres e psicólogos dispostos a ajudar. 

O padre António Pedro Monteiro defende que, dentro da Igreja Católica, tem sido feito um caminho de aceitação da comunidade homossexual, mas mesmo assim a resposta continua inacabada. "Vimos de uma tradição de documentos que criticam duramente, que condenam e que são pouco flexíveis à aceitação". 

No catecismo da Igreja Católica existe o parágrafo: "Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objectivamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza" e para o padre esta tem de ser a base de trabalho. "Partindo da formulação que está criada, vamos construir uma ponte a partir do respeito e delicadeza de parte a parte".

Um movimento que vai existir até "deixar de ser preciso" 

Em entrevista à CNN Portugal, o padre António resumiu o propósito deste movimento e porque é que em 2022 ainda faz falta: "Este grupo faz sentido enquanto houver um hospital de campanha para sangramentos".

"Nós cumprimos a nossa finalidade quando deixarmos de existir. Quando deixar de ser preciso. Quando as pessoas deixarem de ser expulsas e maltratadas nesta comunidade. Quando deixarem de ser distinguidas pela identidade de género e sexualidade. Este grupo só faz sentido enquanto houver ignorância e se pensar que a homossexualidade é uma doença ou um lobby". 

O Sopro anseia "por um futuro onde a Igreja seja uma verdadeira comunidade, lugar de aceitação, acolhimento e participação de todas as pessoas, independentemente da sua identidade e da sua afetividade, permanecendo fiel à sua vocação de ser sinal da manifestação do Espírito que, na diversidade de dons, anima a humanidade". 

A era do Papa Francisco

Em outubro de 2020, o Papa Francisco apelou aos países que criassem uma legislação que permitisse a união civil entre homossexuais. No entanto, em março de 2021, disse: "a benção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita", porque, na sua visão, não é comparável com o matrimónio entre um homem e uma mulher, uma vez que se trata de "uma união não ordenada ao desígnio do Criador". Ou seja, Francisco apelou à defesa e proteção destas uniões, mas não pretende que os casamentos sejam permitidos pela Igreja Católica.

O Papa Francisco não será um grande encorajador deste tipo de movimentos, mas é durante o seu pontificado que se têm dado pequenos passos no sentido de uma mudança. O líder da Igreja Católica vai derrubando algumas barreiras, permitindo que se moldem os documentos outrora escritos e que já não encaixam no tempo presente. 

Para o Sopro, não existe o tempo certo ou errado: "O tempo propício é aquele em que nos empenhamos e construímos, em comunhão. O nosso é este". 

Foto: EPA/Vatican Media Handout)

 

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