NOTA DO EDITOR | Ian Kerner é um terapeuta de casamento e família, escritor e colaborador na secção de Relações para a CNN. O seu livro mais recente é um guia para casais, “So Tell Me About the Last Time You Had Sex” (“Então, diz-me quando foi a última vez que fizeste sexo”, em tradução livre)
Aposto que já sentiu química sexual com alguém. Mas já experienciou a chamada harmonia sexual? Talvez já se tenha apaixonado? Mas foi algo como "amor emergente", um conceito que requer certos elementos para o amor emergir? E quando a sua relação começou, que tipo de casal eram?
Seja qual for a aparência da sua relação, a minha colega Sara Nasserzadeh já viu algo assim. A trabalhar em Los Angeles, Nasserzadeh tem um doutoramento em Psicologia Social e foca-se em sexualidade e relações na sua prática clínica privada como terapeuta. Nasserzadeh tem estudado e trabalhado com casais em mais de 40 países ao longo de mais de duas décadas e parece estar num estado de curiosidade perpétua sobre o que os faz funcionar.
Nasserzadeh também é autora de três livros, incluindo o recentemente editado nos Estados Unidos “Love by Design : 6 Ingredients to Build a Lifetime of Love” (Amor Sob Medida: 6 ingredientes para construir um amor para a vida toda, numa tradução livre). Sentei-me com ela para aprender sobre tais ingredientes, os tipos mais comuns de casais e muito mais. Esta conversa foi editada e condensada para apresentar uma maior clareza.
CNN: Escreve que muitos de nós fomos criados para acreditar que o amor verdadeiro significa encontrar a nossa outra metade. Mas argumenta que essa visão é falha. Vamos falar um pouco mais sobre isso.
Sara Nasserzadeh: Vou dar um exemplo: Uma das minhas clientes era muito bem-sucedida, muito atraente, tinha tudo a seu favor. Ela também usava um pendente de um pequeno buraco de fechadura à volta do pescoço. E quando lhe perguntei sobre isso, ela disse que o seu objetivo era encontrar a chave para esse buraco de fechadura. Devia ter visto minha cara, porque eu pensei, se aquela mulher acha que só tem uma pessoa neste mundo inteiro com a chave do seu coração, então não está a dar a si mesma muitas opções. Mas a maioria das pessoas, inclusive eu, cresceu a pensar dessa forma, porque as narrativas em torno do amor basicamente dizem-nos que precisamos de outra metade para nos “completar”.
Fala muito sobre “amor emergente”. Pode explicar-me mais sobre esse conceito?
O que estou a oferecer é um novo modelo, baseado em mais de 10 anos de pesquisa, que requer certos ingredientes para o amor emergir. Se pensar no amor emergente como um tronco e uma faísca, quando esses dois se juntam, temos um lindo fogo. Enquanto tivermos todos os elementos disponíveis, o fogo queimará lindamente e dar-nos-á o calor que queremos. Mas se tirar um dos elementos, ou ingredientes, o fogo morrerá.
Quais são esses ingredientes?
Há seis ingredientes: atração mútua, confiança, respeito, compaixão, visão partilhada e comportamento amoroso. Com atração, pense nos atributos que gosta em si mesmo e nas pessoas com quem quer estar próximo. A atração pode ser social, física, financeira — o que quiser. É construída para si e somente para si. O respeito inclui a maneira como gostaria de ser tratado e como gostaria de tratar outras pessoas. Quando as pessoas dizem: "Não sou respeitado pelo meu parceiro", eu pergunto: "E, você, é respeitável? Onde estão os seus limites?" O respeito significa literalmente ver e ver de novo, priorizar o que importa para a outra pessoa e priorizar o que importa para nós ao longo do tempo.
Para a confiança, há dois elementos muito importantes. Um é a consistência e o outro é a confiabilidade. A confiança inclui confiança financeira, confiança social, lealdade. Se eu te contar o meu segredo quando estivermos num momento íntimo, vai partilhá-lo com os seus pais e todos os nossos círculos sociais mais tarde? Esses são os elementos da confiança, assim como a compaixão, que é quando uma pessoa está lá para a outra pessoa sem fazer disso algo sobre si própria.
Um outro ingrediente necessário para o amor emergente é a visão partilhada. Visão partilhada é compromisso, especialmente quando alguém não tem vontade. É fácil uma pessoa se comprometer com algo, mas quando se está zangado com a outra pessoa, está comprometido? E por último, mas não menos importante, está o comportamento amoroso. Eu descrevo-o como ternura através do toque, através das palavras, e exclusividade desse toque e dessas palavras. Dar à pessoa o benefício da dúvida e fazer a outra pessoa sentir-se especial. Todos são elementos do comportamento amoroso que não se partilha necessariamente com os outros, a menos que o seu relacionamento romântico envolva mais de duas pessoas.
Uma das partes do seu livro que mais me intrigou foi a ideia de tipologia, e que todo casal cai num certo tipo de tipologia. Por exemplo, fala sobre o casal “contemporâneo”, que é a maioria dos casais.
Quando escolhemos tipologias diferentes, escolhemos como as nossas prioridades se aproximam, certo? Recursos, como eu os defino, são tempo, energia, atenção e dinheiro. No casal contemporâneo, os elementos preservam partes de si mesmos e têm um espaço partilhado entre os dois, mas não muito no sentido do casal como uma entidade separada. Estas relações tendem a envolver muita negociação quando os limites se tornam confusos à volta da dinâmica de poder, alocação de recursos e divisão de trabalho, principalmente se houver crianças envolvidas. Este tipo de casal acredita na lógica de 50/50 em tudo. Estão focados em permanecer em equilíbrio e ser justos na forma como trazem os seus recursos para a relação. A maioria das discussões que ouço quando trabalho com casais contemporâneos é sobre justiça.
E o casal “dos restos”?
Os casais dos restos também são bem comuns. O que acontece é que estão a tentar administrar estes recursos por conta própria, e o que sobrar vai para o espaço da relação. Esses casais estão a priorizar a sua individualidade em detrimento da relação, às vezes por escolha, às vezes por necessidade. Veem a sua relação como uma entidade separada deles mesmos, mas relegam isso a apenas mais um item na lista de tarefas.
O que é o casal “submerso”?
Nesse tipo de casal, os parceiros têm níveis muito baixos de autonomia e identificam-se como a metade do casal. Tendem a ter uma ideia de si menos desenvolvida, têm dificuldade em estabelecer e manter limites e correm o risco de desenvolver dinâmicas codependentes ao longo do tempo. Infelizmente, os casais submersos são os idealizados pela maioria do mundo. Então, quando nos dizem: "Não consigo viver sem ele, termino as frases dela" - a pessoa acha que está tão apaixonada que não consegue nem respirar sem a outra pessoa. Isso pode ser lindo de se vivenciar. No entanto, se ficar neste lugar, estará condenado, porque está tão envolto na sua bolha de casal que realmente perde a sua individualidade. Pode ser sufocante.
Como é a tipologia ideal, é o casal emergente?
Neste tipo de casal, os parceiros são entidades independentes numa parceria interdependente com limites saudáveis e claros. Os dois estão conectados, mas também veem a sua relação como uma entidade distinta na qual cada parceiro participa. A relação é baseada na equidade: cada um dá à relação e recebe da outra parte também. Os seis ingredientes do amor emergente estão presentes, e o amor emerge como resultado.
Quando é que uma pessoa sabe que está num estado amoroso emergente?
Se acorda de manhã e não está preocupado com a sua relação. Tem paz de espírito. Tem paz de coração. Então sabe que está num contexto de amor emergente. E há certas coisas que os casais precisam fazer diariamente, semanalmente, mensalmente e anualmente para garantir que permanecem no amor emergente.
Até esse ponto, tem muitas ferramentas no seu livro para casais entrarem e manterem uma tipologia de amor emergente. Quais são alguns desses exercícios?
Um deles são os check-ins diários. Eu chamo-os “oy e joy”, a tristeza e a alegria. Diariamente, o casal faz check-in um com o outro e começa com o “oy”. Apenas partilham algo que está a pesar no coração naquele dia. E então vem o “joy”, a alegria, algo que trouxe um sorriso ao rosto. Pode ser qualquer coisa, um vídeo que assistiu, o que for.
A razão número um pela qual as pessoas se separam é porque ninguém dormiu com outra pessoa. É porque se afastaram. É por isso que esta prática diária é extremamente importante.
Para terminar, menciona a química sexual, que eu acho que é um conceito com o qual todos estamos familiarizados, mas também fala sobre harmonia sexual. Qual é a diferença entre os dois?
A química sexual está lá ou não está. Se a pessoa simplesmente deixar assim, essa química pode acabar, como acaba por acontecer com muitos casais. Mas a pessoa pode transformá-la em harmonia sexual, o que significa que pega naquela faísca inicial ardente e transforma-a em sintonia (uma consciência mútua um do outro), aprende um sobre o outro, repassa as coisas um com o outro repetidamente. Um toca uma música; o outro toco uma música. No final, temos uma linda harmonia, e com isso, a pessoa nunca ficará entediada, nunca, porque há canções ilimitadas para serem produzidas e harmonias para desfrutar ao longo de nossas vidas.