Alaa Hamoudi e mais 21 refugiados passaram 17 horas no mar, sem comida e sem água
Um refugiado sírio vai processar a Frontex, a agência para o controlo das fronteiras externas da União Europeia, dois anos após as autoridades gregas o terem abandonado no Mar Mediterrâneo.
Alaa Hamoudi, de 22 anos, fugiu de Damasco há cerca de 10 anos. Chegou à ilha grega de Samos no dia 28 de abril de 2020, juntamente com outros refugiados, e procurou pedir asilo ao país. “Estava apenas muito feliz por poder deixar tudo para trás”, disse, citado pelo The Guardian, revelando que o seu desejo era chegar à Alemanha, onde o seu pai vive.
No entanto, não conseguiu apresentar o pedido de asilo. As autoridades gregas levaram os 22 migrantes de volta para a costa, colocaram-nos num bote insuflável, sem qualquer motor, que depois foi rebocado para o mar. “Deixaram-nos neste bote no meio do mar. O meu cérebro parou de funcionar. Não sabíamos o que fazer. Estávamos no meio do oceano, com água a rodear-nos. E as pessoas do grupo começaram a chorar.” Entre os ocupantes, estava uma menina de 12 anos e dois idosos.
Os 22 refugiados passaram 17 horas no mar, sem comida e sem água. Com a corrente a empurrá-los de volta para a costa grega, as autoridades de Atenas enviaram motas de água para perto do bote, que procederam a fazer ziguezagues de modo a provocar ondulação para afastar o insuflável, que ficou inundado.
O grupo acabou por ser resgatado pelas autoridades turcas. Mais de dois anos depois, ainda na Turquia, Hamoudi vai processar a Frontex pelo seu envolvimento na ocorrência. De acordo com o portal de investigação Bellingcat, o avião de vigilância sobrevoou o bote por duas ocasiões. Esta versão bate certo com a de Hamoudi, que se recorda de ter visto uma luz vermelha no céu, assim como de ter ouvido o barulho de um avião ao longe.
Hamoudi será representado pro bono por Omer Shatz, diretor da Front-Lex, uma ONG de defesa dos direitos de refugiados e migrantes. Shatz irá pedir 500 mil euros de indemnização para o seu cliente devido às alegadas violações, como a negação dos direitos à vida e ao pedido de asilo. O advogado pensa que a melhor forma de combater o fenómeno dos “pushbacks”, ou devoluções ilegais de migrantes, é processar a Frontex. “O denominador comum é a Frontex: as políticas vêm de Bruxelas, não de Roma e de Atenas, etc”, acusa.
A Frontex tem estado debaixo de fogo nos últimos meses devido a esta política. De acordo com um relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), obtido pelo Der Spiegel, a agência encobriu e mentiu acerca das devoluções ilegais de migrantes pagas com dinheiro dos contribuintes europeus.
“Em vez de impedir os ‘pushbacks’, Fabrice Leggeri [ex-diretor da Frontex] e os seus homens deram cobertura à Grécia, mentiram descaradamente ao Parlamento da UE, e esconderam o facto de a agência estar a financiar ‘pushbacks’ com dinheiro dos contribuintes europeus”, escreveu no Twitter Giorgos Christides, um dos jornalistas que assinou a notícia para a revista alemã.
2/ Instead of preventing the pushbacks, Leggeri and his people covered for Greece, blatantly lied to the EU Parliament, and concealed the fact that the agency is financing pushbacks with European tax payer money.
— Giorgos Christides (@g_christides) July 28, 2022
A Der Spiegel cita um dos exemplos dados no relatório, datado de 5 de agosto de 2020, quando um bote com 30 migrantes foi visto a ser rebocado por uma aeronave da Frontex de águas territoriais gregas em direção à Turquia.
A resposta da organização a este incidente foi retirar a sua aeronave de vigilância do local “para evitar que a Frontex fosse testemunha”, de acordo com uma nota de novembro de 2020 apreendida pelo OLAF nos escritórios da agência em Varsóvia.
"Com base nas fotografias e informação que tínhamos e nas imagens que vimos, era crença comum dentro da Agência que estávamos a ser confrontados com ‘pushbacks’, mas a direção queria encobrir e não permitir que uma investigação", afirma um oficial da Frontex citado no relatório.