Alta-comissária diz que só soube de caso de Setúbal "pela imprensa" mas admite alertas sobre organizações pró-Putin desde 2011

10 mai 2022, 21:33
Alta comissária para as migrações, Sónia Pereira, durante a sua audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias(JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA)

O caso dos refugiados ucranianos acolhidos por uma organização pró-Putin em Setúbal esteve em debate no Parlamento. O presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, afirmou que se reuniu com o Alto Comissariado no início de abril depois de ter recebido várias denúncias. A ministra Ana Catarina Mendes diz que se trata de um "caso isolado" que "tem de ser investigado", mas fugiu à questão sobre a visita de uma secretária de Estado socialista à associação que está no centro desta polémica

A Alta-Comissária para as Migrações, Sónia Pereira, afirmou esta terça-feira que só soube do caso de acolhimento de refugiados em Setúbal pela imprensa. No mesmo dia em que a Polícia Judiciária fez buscas nas instalações da Linha Municipal de Apoio a Refugiados (LIMAR) da Câmara de Setúbal por causa desta polémica, Sónia Pereira foi Ouvida na comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A responsável explicou as diligências efetuadas pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) após a divulgação da notícia pela CNN Portugal e pelo jornal Expresso.

"O que foi noticiado foi o que o ACM teve conhecimento nesse momento em que saiu na imprensa. Face a essa notícia, contactámos os centros locais de apoio à integração de migrantes em Setúbal para perceber que conhecimento tinham da situação, de que forma é que estavam a acompanhar, que atendimentos têm realizado. Contactámos o município de Setúbal para apoiar o município naquilo que entendesse para melhorar a sua atuação no âmbito do acolhimento de refugiados", sublinhou Sónia Pereira.

As declarações da alta-comissária foram feitas depois de na mesma comissão o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, ter dito que se reuniu com o Alto Comissariado no início de abril. A reunião aconteceu depois de a associação ter recebido várias denúncias de que organizações com ligações ao Kremlin estavam a acolher refugiados ucranianos em Portugal.

"Logo percebemos o perigo para estes ucranianos. Perigo para os familiares na Ucrânia e para eles próprios porque já sabíamos que existia uma lista negra para ativistas ucranianos anti-Putin, para ativistas no estrangeiro. Pedimos reunião com o Alto Comissariado, realizada no início de abril. O Alto Comissariado disse que uma organização foi retirada desta lista. Perguntámos pela outra e disseram que iam ver o que podiam fazer", frisou Pavlo Sadokha.

Antes, o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal deu conta dos vários alertas que tem feito ao ACM desde 2011 sobre a existência de organizações que o ACM reconhece como associações ucranianas mas que têm ligações ao regime de Vladimir Putin. “Foi-nos dito que estas organizações reuniam condições para serem representantes da comunidade ucraniana", afirmou Pavlo Sadokha aos deputados. O responsável explicou que o argumento utilizado foi o de que estas organizações tinham 50% de membros ucranianos e que, embora a sua associação tenha pedido provas disso mesmo e informações sobre os estatutos dessas organizações, esses dados nunca foram fornecidos.

Ora, a deputada do PSD Mónica Quintela confrontou a Alta-Comissária para as Migrações com as declarações de Pavlo Sadokha e questionou-a desta forma: "Mantém aqui que só teve conhecimento desta situação dos refugiados estarem a ser acolhidos por organizações pró-Putin no momento em que esta notícia deu à estampa na comunicação social ou teve antes, como já aqui disseram?".

Na resposta, Sónia Pereira reiterou que só teve conhecimento da situação quando saiu na imprensa, mas admitiu que o ACM tem sido alertado para a existência de associações pró-regime de Putin desde 2011.

"Eu referi-me em concreto à situação que foi reportada relativamente a Setúbal. Aos factos que foram transmitidos que terão sido alegadamente implementadas em Setúbal. Não relativamente às associações. Porque efetivamente o ACM, desde 2011, tem sido alertado para o facto de haver algumas associações identificadas pró-Putin ou pró-regime russo."

Mas sobre estas organizações pró-Putin, a responsável diz que o ACM não tem enquadramento legal para avaliar se são ou não representativas de comunidade ucraniana quando cumprem os requisitos para tal. Sónia Pereira explicou que, neste caso, para serem consideradas representativas da comunidade ucraniana têm de apresentar um mínimo de 50% de associados ou descendentes ucranianos. "Se essas pessoas ucranianas têm ligações a Putin é algo que não está no mandato do ACM avaliar, não temos enquadramento legal nem forma de averiguar esse tipo de situações", frisou.

Sónia Pereira acrescentou ainda que "a realidade da Ucrânia é uma realidade complexa e implica um envolvimento próximo entre ucranianos e russos". "Nem todos os russos são pró-Putin e nem todos os ucranianos são pró-governo atual", sublinhou.

Ministra diz que Setúbal é "caso isolado" mas que "tem de ser investigado"

A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, também foi ouvida nesta comissão, depois de ter prestado esclarecimentos sobre este caso durante a manhã. Nesta comissão, Ana Catarina Mendes afirmou que Setúbal é, "ao dia de hoje, o único caso de que temos conhecimento". "Neste momento só temos identificado como caso isolado", afirmou, defendendo novamente que o sucedido "tem de ser investigado". "Não há certeza de que esses dados possam ter sido enviados para algum organismos externo. Ainda assim, tem de haver investigação", acrescentou. 

A governante frisou ainda que, com a guerra na Ucrânia, foram dadas indicações ao ACM para que os procedimentos usados até então fossem mudados, nomeadamente para que fossem alteradas as listas de acolhimento de refugiados ucranianos. 

"A 25 de março, na sequência de uma conversa com a embaixadora e a tutela, foram dadas indicações ao ACM para que tivesse atenção especial porque este é um momento de um conflito que está aberto entre a Rússia e a Ucrânia. Foram dadas instruções para que os procedimentos fossem mudados, ou seja, que as listas que o ACM tinha no SOS Ucrânia para acolher as pessoas que aqui chegassem pudessem não existir e fizesse um link direto para a embaixada da Ucrânia", explica. 

Tanto o PAN, por Inês Sousa Real, como o PCP, por Alma Rivera, lembraram que a secretária de Estado socialista Catarina Marcelino visitou a EDINSTVO, Associação de Imigrantes dos Países de Leste, que está no centro da polémica em Setúbal. A este propósito, a deputada comunista questionou a ministra se o Governo "conhecia ou não as várias associações que entendia idóneas para trabalhar na frente dos refugiados". "Ou esteve lá mas não conhecia a sua atividade?", continuou. Mas a pergunta ficou sem resposta. Ana Catarina Mendes não fez qualquer comentário sobre isto. 

Na sua última intervenção, a ministra limitou-se a dizer que muitas autarquias não têm protocolo com o ACM, mas estão a cooperar com o ACM e que esse não é o caso de Setúbal. A ministra deu conta ainda de que na última semana houve uma tentativa de reunião com a autarquia sobre este assunto, sem sucesso. 

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