Meses de negociações, sete países envolvidos, 24 libertados. Como se processou a maior e mais complexa troca de prisioneiros desde a Guerra Fria

CNN Portugal , MJC
1 ago 2024, 22:10

O repórter do Wall Street Journal Evan Gershkovich e o ex-fuzileiro norte-americano Paul Whelan estão entre os 16 ocidentais que se encontravam sob custódia da Rússia. O presidente Joe Biden esteve pessoalmente envolvido na operação. A Turquia serviu como mediador. Tudo para que prisioneiros "injustamente detidos" pudessem voltar às suas casas. Em Moscovo, Putin recebeu os oito russos com passadeira vermelha

São 24 os prisioneiros libertados. 16 de vários países ocidentais, que estavam sob custódia da Rússia, e 8 russos que estavam detidos no Ocidente. Esta foi a maior troca de prisioneiros desde a Guerra Fria, alcançada após complicadas e delicadas negociações de bastidores entre sete países: Estados Unidos, Rússia, Bielorrúsia, Alemanha, Polónia, Noruega e Eslovénia. "Desde a Guerra Fria que não havia um número semelhante de indivíduos trocados desta forma e nunca houve, até onde sabemos, uma troca envolvendo tantos países, tantos parceiros e aliados próximos dos EUA a trabalhar juntos", confirmou o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan. Entre os libertados encontram-se o repórter do Wall Street Journal Evan Gershkovich e o ex-fuzileiro norte-americano Paul Whelan.

"Hoje, três cidadãos americanos e um portador de green card americano que tinham sido injustamente presos na Rússia estão finalmente a voltar para casa: Paul Whelan, Evan Gershkovich, Alsu Kurmasheva e Vladimir Kara-Murza", escreveu o presidente dos EUA, Joe Biden, num comunicado em que se congratulou com a troca de prisioneiros. "O acordo que garantiu a sua liberdade foi um feito de diplomacia. Ao todo, negociámos a libertação de 16 pessoas da Rússia, incluindo cinco alemães e sete cidadãos russos que eram prisioneiros políticos no seu próprio país. Algumas dessas mulheres e homens foram detidos injustamente durante anos. Todos suportaram sofrimento e incerteza inimagináveis. Hoje, a sua agonia acabou".

Um pouco mais tarde, publicou na rede social X (antigo Twitter) uma fotografia que mostrava os ex-prisioneiros já no avião a caminho de casa. Foi a primeira vez que os vimos após a libertação: “Depois de suportarem um sofrimento e uma incerteza inimagináveis, os americanos detidos na Rússia estão seguros, livres e iniciaram a sua viagem de regresso aos braços das suas famílias”.

Os esforços do presidente Joe Biden para finalizar a troca de prisioneiros continuaram mesmo quando o democrata se preparava para desistir da corrida à Casa Branca. Cerca de uma hora antes de divulgar publicamente que não se iria recandidatar, Biden estava ao telefone com o seu homólogo esloveno para instá-lo a ajudar a levar o acordo até ao fim, relata a CNN. 

Esta quinta-feira, o presidente Joe Biden reuniu as famílias de Paul Whelan, Evan Gershkovich, Alsu Kurmasheva e Vladimir Kara-Murza na Casa Branca para transmitir a notícia de que seus familiares estavam a voltar para casa. As famílias reuniram-se na Sala Roosevelt e foram depois recebidas por Biden. Houve lágrimas e abraços nesse momento.

Uma fotografia divulgada por Biden mostrava-o com as famílias a falarem ao telefone com os recém-libertados americanos.“Fiquei ao lado das famílias de Paul, Evan, Alsu e Vladimir na Sala Oval enquanto eles falavam com os seus familiares pela primeira vez desde que recuperaram a liberdade”, escreveu Biden. “Essas famílias nunca perderam a esperança. E hoje, cada uma delas vai reunir-se com o pedaço perdido da sua alma.”

"Dizer que todos na sala ficaram exultantes, mesmo sem palavras, é um eufemismo", comentou Jake Sullivan, que se juntou à celebração na Sala Oval. O conselheiro de Segurança Nacional do presidente Joe Biden emocionou-se enquanto contava aos jonalistas o longo caminho que levou à libertação de três americanos e um portador de green card americano. “Passei muito tempo com as famílias de Evan, Paul e Alsu, e na maioria das vezes, como podem imaginar, essas são conversas difíceis. Mas não hoje”, disse Sullivan. "Hoje foi um dia muito bom.”

Foram necessários anos de negociações e a mediação da Turquia

Jake Sullivan agradeceu aos funcionários dos serviços de segurança nacional: “São profissionais dedicados e talentosos que não aparecem nas manchetes, que não estão aqui no palanque, mas que, sob a direção do presidente, realizaram o acordo mais complexo deste tipo desde que há memória”, disse Sullivan aos jornalistas na Casa Branca.

Segundo a CNN, a CIA trabalhou durante anos através de um "canal especial" com os serviços de informação russos, desempenhando um papel crítico na troca de prisioneiros, com o diretor Bill Burns e outros funcionários da agência diretamente envolvidos nas negociações. A última proposta para a troca foi apresentada no final de junho num encontro ocorrido num terceiro país. Burns não estava presente, mas outros funcionários da CIA participaram na reunião. No início de julho, o lado russo indicou num telefonema com Burns que concordava, em princípio, com a proposta. Em meados de julho, ela foi formalmente aceite.

A Turquia confirmou que desempenhou o papel de mediadora na troca de prisioneiros. "As partes reuniram-se na Turquia em julho de 2024", revelou a agência. “Todas as medidas de segurança, planeamento logístico e necessidades da atividade foram asseguradas pela Agência Nacional de Informação (MIT), a comunicação e a coordenação entre as partes também foram da responsabilidade da MIT”, acrescentou. 

"A Agência Nacional de Informação conduziu a mais extensa operação de troca de prisioneiros dos últimos tempos em Ancara", disse o governo em comunicado. A MIT  estabeleceu “canais de diálogo” entre os vários países, liderando a negociação “desde o início do processo de negociação até ao último momento.” A troca realizou-se esta tarde, em Ancara, na Turquia.

Por outro lado, o Serviço Federal de Segurança Russo (FSB) agradeceu às "agências governamentais competentes" e aos "parceiros estrangeiros" pela troca de prisioneiros que permitiu o regresso a casa de oito russos: "Cidadãos russos foram trocados por um grupo de indivíduos que agiram no interesse de estados estrangeiros em detrimento da segurança da Federação Russa", dizia a declaração, de acordo com a TASS.

À CNN um funcionário do governo sublinhou, no entanto, que a troca de prisioneiros não sinaliza nenhum tipo de "avanço" ou "distensão" nas relações EUA-Rússia, já que o presidente russo Vladimir Putin continua com a ofensiva da Rússia na Ucrânia. "Não haverá uma mudança de política do presidente Biden ou da administração quando se trata de enfrentar a agressão de Putin", garantiu.

 "A 'troca de Navalny' finalmente ocorreu. Mas sem Navalny. Isso é muito doloroso"

Os ex-prisioneiros russos foram recebidos esta noite no aeroporto de Moscovo pelo presidente Vladimir Putin, o chefe dos serviços secretos do país, Sergei Naryshkin, e o ministro da defesa, Andrei Belousov, com guarda cerimonial e passadeira vermelha à saída do avião. Putin felicitou-os pelo regresso "à pátria mãe", elogiou-os por serem leais ao seu dever e prometeu-lhes benefícios estatais. “Voltaremos a encontrar-nos e falaremos sobre o vosso futuro”, disse Putin.

Entre os libertados ocidentais, encontra-se Evan Gershkovich, de 32 anos, repórter do Wall Street Journal que foi condenado a 16 anos de prisão por espionagem em julho - o primeiro jornalista americano a ser detido por espionagem na Rússia desde a Guerra Fria.

E também Paul Whelan, de 54 anos, antigo fuzileiro dos EUA que passou quase seis anos em prisões russas após a sua detenção em Moscovo, em dezembro de 2018. Foi condenado em 2020 a 16 anos de prisão por acusações de espionagem que ele e o governo dos EUA negam veementemente. Disse que estava no país para o casamento de um amigo.

Um alto funcionário do governo revelou que os negociadores ainda tentaram a libertação de Marc Fogel - um cidadão americano que foi condenado a 14 anos num campo de trabalho na Rússia depois de trabalhar como professor de história em Moscovo - mas não teve sucesso. "Queríamos muito que Marc fosse incluído, mas inão foi possível", relatou.

No seu comunicado, Joe Biden deixou a promessa: “Deixem-me ser claro: não vou parar de trabalhar até que todos os americanos detidos injustamente ou mantidos como reféns ao redor do mundo sejam reunidos com suas famílias”.

Também ficou de fora desta negociação o líder da oposição russa Alexey Navalny, que morreu em fevereiro. "Esta é a troca em que, como esperávamos, Alexey Navalny seria libertado", escreveu Leonid Volkov, aliado de Navalny, nas redes sociais. "Mas Putin decidiu 'virar o jogo', decidiu que nunca deixaria Navalny ir. E ele matou-o literalmente alguns dias antes que a troca pudesse acontecer", disse Volkov. "A 'troca de Navalny' finalmente ocorreu. Mas sem Navalny. Isso é muito doloroso", disse Volkov.

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