Miguel Sousa Tavares defendeu esta quinta-feira, no Jornal Nacional da TVI, a proibição gradual das redes sociais na Europa - "estão a dar cabo da nossa vida". O debate está aberto
Para o historiador António José Telo, "a forma de comunicação não tem culpa do conteúdo da comunicação - mesmo que o conteúdo seja condenável". "A forma não tem culpa, portanto o que eventualmente haveria que tentar controlar seriam os conteúdos e não a forma da difusão", refere António José Telo, a propósito de uma eventual proibição das redes sociais.
Opinião semelhante tem Nuno Mateus-Coelho, especialista em cibersegurança. "Se formos proibir qualquer coisa que traga prejuízo à sociedade, então já deveríamos ter removido o fogo e banido as autoestradas. A maioria das pessoas circula a mais de 120 quilómetros por hora - não vamos banir as autoestradas porque as pessoas não cumprem."
A História tem alguns exemplos de proibições. Uma das mais citados como tendo corrido mal é a proibição da produção, importação, transporte e venda de bebidas alcoólicas nos EUA entre 1920 e 1933, a denominada “lei seca”. O álcool era visto como uma mancha na sociedade americana, causador de violência, e o seu consumo excessivo era responsável por graves problemas de saúde a nível nacional.
Embora casos de doenças como a cirrose tenham diminuído com a introdução da lei seca, a falta de pureza do álcool ilegalmente produzido e altamente impuro, o “moonshine”, causou enormes problemas de saúde pública. A proibição também levou ao aumento do crime organizado. Um estudo refere que em Chicago, cidade onde Al Capone fez a sua fortuna durante este período, o crime organizado triplicou. As máfias obtiveram mais uma fonte de rendimento proveniente de atividades ilícitas, que juntaram à prostituição e ao jogo.
O Estado norte-americano também se ressentiu. Não só o sistema judicial ficou entupido com centenas e centenas de processos por violação desta lei, como os impostos cobrados pela venda de bebidas alcoólicas, outrora uma importante fonte de rendimento para os cofres federais, deixaram de existir.
Caso as redes sociais sejam proibidas na sua totalidade, é difícil compreender qual a totalidade dos efeitos práticos imediatos. Mas há um caso recente: a proibição do X no Brasil, decretada pelo juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, levantou o véu sobre algumas das consequências. A proibição não impediu as pessoas de utilizarem esta rede social, uma vez que muitos recorreram a VPN (Virtual Private Network, ou rede privada virtual) para continuar a aceder ao site. Quem não recorreu a uma VPN inscreveu-se noutra rede social; nos dois primeiros dias da proibição, decretada a 30 de agosto de 2024, inscreveram-se na rede social Bluesky cerca de um milhão de utilizadores brasileiros. A restrição, que esteve em vigor durante pouco mais de um mês, acabou por mudar pouco – arranjaram-se alternativas. É esse o ponto que António José Telo defende caso seja decretada a total proibição das redes sociais.
“A proibição das redes sociais seria ineficaz. É fácil refazer as redes sociais por outros métodos indiretos, ainda por cima numa altura de inteligência artificial - seria possível contornar e dar a volta facilmente”, explica o historiador.
Se proibir não resulta, qual é a solução?
Nuno Mateus-Coelho argumenta que a solução já existe, dando o exemplo do Grok, um chatbot da xAI, de Elon Musk, baseado em LLM (Large Language Models, ou modelos de linguagem em grande escala).
“Quando nós vemos uma coisa que não gostamos ou com a qual não concordamos no X, respondemos “@Grok” e o Grok dá-nos o contexto e já sabe o conteúdo inteiro daquela conversa”, começa por explicar.
“A inteligência artificial está mais do que ciente do conteúdo das publicações. Se ela existe como uma ferramenta de brincadeira ou de fact-check, como diz ser, também existe para ‘policiamento’, para perceber se aquela publicação é uma cadeia de ódio, de crítica excessiva, de violência e de ameaças. Rapidamente, e sem intervenção de nenhum ser humano, consegue perceber que um insulto reiterado de 1000, 1200 e 1300 pessoas só vai inflamar ainda muito mais a situação”, defende Nuno Mateus-Coelho, dizendo que a inteligência artificial pode banir imediatamente publicações ou utilizadores que propagam conteúdos desse tipo.
Nuno Mateus-Coelho elenca também o caso do Tinder, aplicação de encontros amorosos que tem ferramentas para detetar se há menores a utilizar a plataforma ou insultos entre utilizadores. “Temos de legislar para garantir que no Twitter, no Facebook ou no Instagram, quando alguém acrescenta ódio, acrescenta violência e vai ameaçar física e moralmente alguém, que o bot que lá está perceba que não só aquele post é um post nocivo, como o feedback que está a gerar noutras publicações é nocivo - e que estes mecanismos simplesmente interrompam aquela cadeia.”
Passar à prática é difícil, defende, uma vez que estas empresas como a Meta, o X e a ByteDance precisam de fazer dinheiro. “Tecnologicamente, é mais do que simples resolver isto, mas não é útil. O X, o Twitter, o Facebook, estas entidades vivem de dinheiro e de publicidade e precisam das emoções das pessoas dentro destas redes sociais para que os seus motores de inteligência artificial aprendam o bom, o mau e o pior das pessoas. Portanto, eles não têm nenhum interesse em regulamentar a plataforma, quanto mais seja pelos milhões que vão lucrar pela publicidade, acidental, vista, clicada, aquela que aparece até ‘meter nojo’”, argumenta.
“As redes sociais lucram milhões e milhões de euros a nível mundial com estas publicações tóxicas e absurdas, com esta verborreia que as pessoas extremadas vão lá para dentro destilar. Claro que as pessoas aqui também são culpadas, no entanto”, acrescenta.
Apesar do inegável papel das redes sociais na propagação de desinformação e ódio, bem como na organização de manifestações antidemocráticas - como a do 6 de janeiro de 2021, nos EUA -, tanto Nuno Mateus-Coelho como António José Telo estão contra a proibição. E sublinham que nem tudo é mau nas redes.
“Temos muita gente no Médio Oriente, no Leste da Europa e mesmo nos países ocidentais que vive amordaçada por uma mão alheia que as domina e castiga e veem nestas redes sociais o escape. São os pobres em condições moderadas para quem as redes sociais são uma espécie de escape para uma vida mais livre”, diz Nuno Mateus-Coelho.
"Um perigo atual e iminente às nossas democracias": Miguel Sousa Tavares
Para Miguel Sousa Tavares, as redes sociais “vinham para informar mais gente, mas servem para desinformar mais gente através da manipulação”. “Vinham para democratizar o debate e a única coisa que fazem é promover o insulto. Vinham para ajudar as pessoas a cultivarem-se mas promovem a ignorância”, afirma, classificando-as como “um perigo atual e iminente às nossas democracias”.
O comentador cita a jornalista e historiadora Anne Applebaum, sublinhando que “a Europa tem de se defender agora ou acontece o mesmo que aconteceu nos Estados Unidos”. “Nós somos o continente do Da Vinci, do Picasso, da civilização grega, o farol da luz no mundo, e temos de manter isso.”
Miguel Sousa Tavares critica ainda a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, por ter “cedido em toda a linha” a Donald Trump no controlo das grandes empresas tecnológicas. “A Europa ia começar a controlá-las, a fiscalizá-las e a tributá-las. Tudo isso caiu por terra quando a desgraçada da von der Leyen capitulou.”
Apresentando dados sobre o uso de telemóvel em Portugal — “os portugueses passam em média dez horas por dia ao telemóvel” —, o comentador descreve a situação como “um nível de adição brutal”. “Estamos a criar uma geração de miúdos que não brinca, famílias disfuncionais e pequenos monstros”, diz, defendendo uma medida drástica: “Temos de começar, pouco a pouco, a proibir as redes sociais — dos mais novos até aos mais velhos. Enquanto não proibimos, temos de controlá-las. É a nossa civilização que está ameaçada.”