Redes sociais promovem produtos para branqueamento da pele. Mas pouco está a ser feito para regular este mercado

CNN , Jacqui Palumbo
26 jun 2022, 09:00
Artigo CNN

Os produtos de branqueamento da pele tornaram-se moda nas principais plataformas de redes sociais, onde existem poucas regras sobre como são promovidos ou vendidos. Alguns destes produtos contêm ingredientes potencialmente tóxicos e os consumidores podem estar em risco

Outrora vendidos principalmente em mercados e lojas de beleza, os produtos de branqueamento da pele ficaram altamente disponíveis online e, hoje em dia, estão presentes em todas as principais plataformas de redes sociais.

No Facebook e Instagram, vendem-se cremes e séruns que prometem uma pele mais clara, mas que oferecem pouca informação sobre os próprios produtos. Já no YouTube e no TikTok pode encontrar milhares de tutoriais, de pessoas sem qualificações para apoiar as suas afirmações, que promovem produtos potentes ou remédios caseiros. Só no TikTok, o hashtag #skinwhitening tem mais de 254 milhões de visualizações, enquanto #skinlightening tem mais 62 milhões.

“As redes sociais tornaram-se neste momento a ferramenta mais poderosa para a venda de produtos de branqueamento da pele”, afirma Anita Benson, dermatologista nigeriana e fundadora da Iniciativa Embrace Melanin para combater o colorismo e as práticas nocivas de branqueamento da pele em África.

Ao longo dos anos, Benson tem tratado muitas pessoas com problemas de pele após a utilização e má utilização de produtos de branqueamento da pele, incluindo muitas mulheres que os adquiriram nas redes sociais. Ela está preocupada com o facto destas plataformas estarem a ajudar as pessoas a perpetuar os ideais coloristas - a crença de que a pele mais clara está associada à beleza, ao sucesso e muitas vezes também à riqueza - e que estas plataformas estão agora também a permitir que haja um mercado para estes produtos que agem de acordo com estes ideais.

Pesquisas anteriores noutros formatos de média mostram uma forte influência no colorismo, explicou Amanda Raffoul, uma investigadora pós-doutorada na incubadora de saúde pública STRIPED de Harvard, que está a estudar a forma como estes produtos são promovidos no TikTok. “Mas pouco se sabe sobre a forma como os produtos (de branqueamento da pele) são promovidos através das plataformas de redes sociais”, explicou ela à CNN.

Embora o impacto mais amplo ainda esteja por ser desvendado, alguns peritos como Benson estão alarmados com o que estão atualmente a testemunhar em primeira mão. Ela destaca o #glowupchallenge do ano passado - um hashtag com mais de 4 mil milhões de visualizações no TikTok - como um exemplo em que os utilizadores compararam o antes e o depois de imagens de si próprios. Muitas publicações que Benson viu mostravam pessoas a ficarem com a pele mais clara e ela acredita que desafios virais como este, baseados na aparência, tornaram os produtos branqueadores (para aclarar a pele) “mais populares e mais aceitáveis.”

O poder dos influenciadores

Quem também torna esta prática e estes produtos mais aceitáveis são os influenciadores das redes sociais, muitos dos quais são pagos para publicitar cosméticos, comprimidos e injeções de branqueamento da pele - embora alguns possam ser pressionados a fazê-lo, como noticiou BuzzFeed News em 2020.

Por exemplo, Li Jiaqi, um dos principais influenciadores de transmissão direta na rede social chinesa Douyin, promoveu o branqueamento da pele aos seus 44,8 milhões de seguidores, enquanto outra influenciadora popular, Luo Wangyu, transmitiu os seus 19,4 milhões de seguidores que “para conseguir uma pele mais branca, é preciso branquear a pele e livrar-se do amarelo.”

A influenciadora nigeriana Okuneye Idris Olanrewaju, conhecida como Bobrisky, promove um estilo de vida aspiracional, usando marcas de branqueamento de pele de Lagos, aos seus 4,5 milhões de seguidores no Instagram e 1 milhão de seguidores no Snapchat. 

Em 2018, a estrela americana de “reality-tv”, Blac Chyna, que tem mais de 16 milhões de seguidores no Instagram, enfrentou uma reação negativa quando anunciou que estava a fazer uma parceria com a marca Whitenicious num creme branqueador. Embora a mesma publicação tenha posteriormente sido eliminada, a celebridade manteve uma parceria com a empresa e a coleção Whitenicious x Blac Chyna continua a vender uma gama de produtos “branqueadores”, enquanto a empresa continua a promover de diferentes formas o branqueamento da pele na sua conta de Instagram.

Uma publicação de Instagram a publicitar um processo de branqueamento da pele. A CNN cobriu parte desta imagem para proteger a privacidade de terceiros não relacionados. Crédito: Do Instagram

A fundadora da Whitenicious, a cantora Dencia, já defendeu os seus produtos, afirmando que não contêm ingredientes branqueadores nocivos como mercúrio, hidroquinona ou esteroides, que se encontram em muitos outros produtos branqueadores.

Nenhum dos influenciadores ou marcas referidas deu resposta aos pedidos de comentários por parte da CNN.

Um mercado global que é fácil de criar e difícil de controlar

Os especialistas advertem que é provável que, principalmente os vendedores menos conhecidos, tenham menos medidas em vigor para garantir que os produtos que estão a vender nas redes sociais sejam seguros. É simples criar uma loja no Facebook ou Instagram, publicar uma listagem no Marketplace ou simplesmente pedir aos utilizadores interessados que enviem uma mensagem para efetuar as transações.  

Muitos produtos anunciados como branqueadores e clareadores de pele contêm mercúrio, hidroquinona ou corticosteroides, que são potencialmente tóxicos e podem ter impacto na saúde das pessoas. Ao fazer uma pesquisa rápida no Facebook, Instagram, TikTok e YouTube surgem uma série de publicações, e por vezes páginas comerciais inteiras, vendendo ou promovendo a utilização de produtos que foram assinalados pelos investigadores do Departamento de Saúde do Minnesota nos EUA ou pelo Grupo de Trabalho Mercúrio Zero como contendo altos níveis de mercúrio.

O mercúrio pode ter múltiplas consequências negativas para a saúde, incluindo danos neurológicos e cardiovasculares.

A CNN partilhou uma amostra destas publicações com cada plataforma das redes sociais.

O YouTube e o TikTok disseram que não violavam as suas diretrizes comunitárias, embora o TikTok as tenha removido quando a CNN deu seguimento a mais perguntas sobre os regulamentos da US Food and Drug Administration (FDA) em vigor em torno do mercúrio nos cosméticos. Um porta-voz do TikTok afirmou então que a empresa continua a trabalhar para detetar, com mais eficácia, conteúdos deste tipo, incluindo parcerias com peritos externos da indústria para identificar produtos perigosos, mas existem ainda outros vídeos de produtos com mercúrio que permanecem na plataforma.

Meta, a empresa que controla o Facebook e Instagram, não fez comentários sobre as publicações partilhadas pela CNN, mas afirmou que dedicam “recursos substanciais” para assegurar que artigos não seguros ou ilegais não sejam vendidos nas suas plataformas.

Pouca responsabilidade

Benson, a dermatologista nigeriana, está particularmente preocupada com o número de produtos caseiros que vê a serem vendidos nestas plataformas.

“Os vendedores de produtos de cuidados de pele não precisam de uma loja física”, disse ela. Também “não precisam da aprovação da FDA ou do registo NAFDAC”, referindo-se à Agência Nacional para a Administração e Controlo de Alimentos e Medicamentos da Nigéria. “Eles nem sequer precisam de escrever o conteúdo dos cremes nas embalagens. Dizem apenas aos seus seguidores que é uma receita secreta.”  

Benson explica que tem tido pacientes que lhe dizem que têm usado cremes branqueadores “totalmente naturais”, mas que observa, nesses mesmos pacientes, os “sinais de alerta” de estrias associadas ao uso de esteroides.

“Alguém anda a ser desonesto”, afirmou Benson, e a sua preocupação é a de que são os vendedores que os comercializam - e eles parecem não prestar contas a ninguém. Quando os seus pacientes se queixam, os vendedores bloqueiam-nos, disse ela. Os esteroides podem causar uma série de efeitos secundários, incluindo erupções cutâneas e estrias, quando utilizados por períodos prolongados e sem supervisão médica. 

Outra dermatologista, Adeline Kikam, do Texas, expressou as mesmas preocupações que Benson.

“Vejo-o a toda a hora no meu feed: as pessoas criam realmente as suas próprias misturas”, contou ela à CNN, reconhecendo que se torna um desafio para monitorizar e regular. “Quando se tem tantas pequenas empresas a fazê-lo a nível global, e a colocá-lo diretamente nas suas redes sociais, penso que é ainda mais difícil de controlar”, disse ela. “As plataformas precisam mesmo de estar mais atentas à publicação de afirmações falaciosas sobre o que alguns destes produtos [podem fazer] fazem à pele”.

 

Milhões de Interações: A CNN identificou e analisou milhares de mensagens nas redes sociais contendo hashtags relacionadas com o branqueamento da pele, tais como #skinwhitening, #skinlightening, #skinwhiteningtreatment, e #whiteningcream.

Os dados de CrowdTangle, uma plataforma de monitorização pertencente e operada pela Meta, mostram que quase 80.000 mensagens foram geradas em páginas do Facebook e grupos públicos entre 31 de maio de 2021 e 31 de maio de 2022, recebendo mais de 2 milhões de interações sociais (comentários, partilhas e reações). Durante o mesmo período de tempo, no Instagram, pelo menos 20.900 publicações incluiam a utilização de produtos branqueadores de pele, recebendo quase 6,5 milhões de interações.

Dado o alcance da Meta, e o facto de CrowdTangle apenas monitorizar conteúdos públicos -- os resultados não mostram publicações de grupos privados ou perfis pessoais -- é provável que estes números reflitam apenas uma parte de uma audiência muito maior.

 

Christine Wanjiku Mwangi do Quénia, que vende produtos branqueadores sob as contas Shix Beauty no YouTube e Shixglow Skincare no Instagram, originalmente comprou produtos de beleza para o seu acne através do Facebook, e esses produtos tiveram também um efeito de branqueamento do seu tom de pele.

Feliz com os resultados, ela começou a sua própria marca de cuidados de pele, e as plataformas de redes sociais foram cruciais para o seu próprio negócio. “Noventa por cento dos meus clientes encontram-me através do YouTube ou do Instagram, mas sobretudo do Instagram”, referiu, acrescentando que também planeia dar este seguimento na rede social TikTok.

Ela disse à CNN que acredita que os seus produtos são seguros e eficazes e diz que se opõe aos vendedores on-line que “não são legítimos”, e que se aproveitam dos seus clientes. “Aqueles que enganam as pessoas, colocando fotos falsas do antes e depois, que escrevem críticas falsas, etc., e pegam no dinheiro das pessoas e vendem-lhes produtos que não funcionam”, explicou.

Mwangi afirmou que utiliza ingredientes tais como arbutina alfa, glutationa, ácido kójico e niacinamida nos seus produtos de branqueamento para a cara, lábios e corpo, e fornece listas de ingredientes e instruções de utilização no seu website, bem como uma página de perguntas frequentes e informações de contacto para quaisquer questões. Não respondeu à CNN quando lhe perguntaram se os seus produtos são certificados pelo Kenya Bureau of Standards, nem forneceu informações detalhadas sobre a forma como os seus ingredientes são testados, mas disse que utiliza agências de garantia de qualidade de terceiros.

A CNN contactou vários vendedores através de plataformas de redes sociais para obter informações sobre os seus mercados, mas apenas Mwangi forneceu comentários.

‘Falhas constantes de fiscalização’

Katie Paul, diretora do Projeto de Transparência Tecnológica, que tem acompanhado a forma como os conteúdos nocivos têm circulado para os jovens nas plataformas das redes sociais, acredita que muitas das principais empresas de tecnologia não estão a fazer cumprir adequadamente as políticas que têm em vigor.

Por exemplo, quando se trata de publicidade paga, a Meta e o TikTok têm regras adicionais. Um porta-voz do TikTok explicou que os anúncios de produtos branqueadores de pele não são permitidos no TikTok nos EUA ou no Reino Unido, embora sejam permitidos tratamentos para a atenuação de manchas escuras.

As políticas de anúncios do Facebook proíbem explicitamente o conteúdo que “sugira ou tente gerar uma autoperceção negativa a fim de promover dieta, perda de peso, ou outros produtos relacionados com a saúde”. E, embora as suas políticas não mencionem produtos de branqueamento, limitam os anúncios tanto para suplementos ou para procedimentos cosméticos a pessoas com mais de 18 anos.

Como teste, o Projeto de Transparência Tecnológica publicou um anúncio no Facebook que visava violar intencionalmente as políticas da Meta, agendando-o para um tempo futuro, para que o pudessem cancelar antes de ser apresentado a qualquer utilizador. O anúncio para o fictício “Max White Lightening Gel” - dirigido a raparigas entre os 13 e os 17 anos de idade - mostrava uma mulher de pele mais escura a aplicar um creme com o slogan “Desbloqueie a sua potencial beleza!” O anúncio de Paul foi aprovado em menos de uma hora.  

Um anúncio de teste do Projeto Tech Transparency (Transparência Tecnológica) que tinha por objetivo violar intencionalmente as políticas da Meta foi aprovado pelo Facebook. Crédito: Tech Transparency Project

“Estamos a assistir a falhas constantes de fiscalização, e principalmente em áreas que são lucrativas, como a aprovação de anúncios prejudiciais, ou a continuar a permitir a venda de conteúdos questionáveis ou prejudiciais nas lojas do Facebook”, referiu. 

A Meta não respondeu quando a CNN solicitou comentários sobre se o anúncio infringiu as suas regras.

Os especialistas deixaram claro que as políticas de fiscalização são extremamente necessárias, bem como proteções mais eficazes para os jovens utilizadores, supervisão cuidadosa sobre a listagem de produtos e mais transparência sobre a moderação do conteúdo gerado pelo utilizador e conteúdo pago. Também acreditam que é necessário haver mais responsabilidade quando os produtos vendidos nestas plataformas resultam em danos para o consumidor.

As empresas de tecnologia têm mantido a sua posição de que não são responsáveis pelos bens vendidos através das suas plataformas, mas os legisladores na Europa e nos EUA estão a procurar proporcionar mais proteção e recurso legal aos consumidores.

No início deste ano, a União Europeia acordou em regulamentos ao abrigo da Lei dos Serviços Digitais e da Lei dos Mercados Digitais, que introduzem um quadro para a regulamentação das empresas de tecnologia que operam na Europa. As novas regras entrarão em vigor em 2024.

Em março, o Tribunal de Recurso da Califórnia decidiu que a Amazon deve avisar os consumidores da Califórnia sobre produtos no seu site que contenham toxinas nocivas, tais como o mercúrio - a primeira regra deste tipo.  Tanto os legisladores democratas como os republicanos nos EUA procuraram alterar a Secção 230 da Lei da Decência das Comunicações, que protege amplamente as plataformas tecnológicas de processos judiciais sobre o conteúdo do utilizador. Isto teria implicações significativas se fosse atualizado.

A Google também anunciou que irá restringir os anúncios de produtos de branqueamento da pele “que implicam a superioridade de um tom de pele sobre outro” a partir do mês de junho. A investigadora de Harvard Raffoul declarou que a sua equipa na STRIPED iniciará um estudo durante o verão para explorar se a Google implementa eficazmente esta política.

Foram feitos esforços no passado, no que diz respeito às empresas de redes sociais, para regular conteúdos considerados prejudiciais para os utilizadores, incluindo discursos de ódio, nudez e distúrbios alimentares. Raffoul espera agora que sejam responsabilizadas pela vasta quantidade de conteúdo não regulamentado sobre branqueamento de pele, para além dos anúncios pagos.

“Só porque o conteúdo é gerado pelo utilizador, isso não significa que a responsabilidade de regular o seu conteúdo deva caber aos próprios utilizadores.”

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