Estão a espalhar-se pelos EUA caixas onde é possível abandonar recém-nascidos de forma anónima. São mais frequentes nos Estados em que o aborto é proibido ou restrito e surgiram como forma de combate ao abandono perigoso
Caixas, conhecidas como “baby boxes” [caixas para bebés], e que mais parecem gavetas de rua, estão a espalhar-se pelos Estados Unidos devido às restrições ao aborto, depois de, em 2022, o Supremo Tribunal ter devolvido aos Estados o poder de decidirem a sua permissão. A caixa, com temperatura controlada e um berço no interior, tem um alarme silencioso que informa a empresa responsável no momento em que um bebé é deixado, de forma anónima e segura.
Cada caixa tem um custo superior a 16 mil dólares e já existem 344 nos Estados Unidos, de acordo com a reportagem da Time. Desde a proibição do aborto por parte de alguns Estados, várias comunidades e organizações sem fins lucrativos têm promovido a instalação destas caixas para bebés com o objetivo de reduzir o abandono perigoso de recém-nascidos e de oferecer uma alternativa a mulheres em situação de crise.
Alguns Estados, como Indiana e Missouri, financiam publicamente a instalação e promoção desta alternativa ao aborto.
No entanto, o rápido crescimento do fenómeno está a gerar debate. Especialistas em saúde, ética e adoção alertam para as consequências destas caixas e sublinham que não existe qualquer tipo de regulamentação ou inspeção, o que pode colocar os bebés em risco. Argumentam ainda que o anonimato priva as mães de acompanhamento médico e psicológico após o parto e impede as crianças de conhecerem a sua origem biológica ou historial médico.
Alguns críticos ouvidos pela Time consideram que as caixas simplificam uma questão complexa: em vez de apoiarem as mulheres para que possam criar os seus filhos, canalizam recursos para uma medida que não resolve o problema. Além disso, não há provas que confirmem que as caixas reduzam as taxas de abandono, já que as leis norte-americanas de “refúgio seguro” já permitem a entrega anónima de bebés em hospitais e quartéis de bombeiros.
Nos Estados onde o aborto é ilegal, exceto em determinadas circunstâncias, como no Alabama, as caixas para bebés são vistas como uma extensão das políticas pró-vida e, para os seus defensores, representam uma alternativa “compassiva” e uma oportunidade de salvar vidas, escreve a Time.
Embora o conceito seja cada vez mais popular, as caixas são utilizadas com pouca frequência. Desde a fundação da Safe Haven Baby Boxes, cerca de 62 bebés foram deixados nas caixas, em contraste com mais de 230 entregas presenciais facilitadas pela linha de apoio da mesma organização.
Muitos grupos que promovem a entrega segura de bebés manifestam-se contra as caixas, defendendo que estas não enfrentam as causas profundas do abandono infantil. A National Safe Haven Alliance, por exemplo, oferece apoio durante e após a gravidez, e considera que as caixas são uma solução medieval para um problema social moderno.
Organizações como a A Safe Haven for Newborns, na Florida, enfatizam a importância do contacto humano. O fundador, Nick Silverio, recorda à Time casos em que uma simples conversa ajudou mães em crise a reconsiderar a entrega dos seus filhos. Em duas décadas, a instituição ajudou várias mulheres a recuperar os bebés depois de encontrarem apoio familiar ou material.
Nos Estados Unidos, o modelo das “baby boxes” contrasta com o de outros países, como a Alemanha, onde os programas equivalentes incluem contacto humano e acompanhamento. Nesses casos, as mães são encorajadas a regressar mais tarde, e cerca de metade acaba por fazê-lo.
Parto confidencial
Uma das alternativas às caixas para bebés é o parto confidencial, um sistema que permite à mulher manter o anonimato enquanto recebe cuidados médicos adequados durante a gravidez e o parto. Neste modelo, a mãe pode dar à luz num hospital de forma segura, com acompanhamento psicológico e social, e depois decidir se quer entregar ou não o bebé, de forma a que tenha tempo e apoio para ponderar a decisão.
Nos EUA, a implementação de um modelo deste tipo enfrenta obstáculos logísticos e legais, uma vez que os custos hospitalares têm de ser atribuídos a uma pessoa ou entidade, o que pode comprometer o anonimato.
A Alemanha foi um dos primeiros países a adotar esta abordagem, em 2014, depois de considerar que as entregas anónimas privavam as crianças do direito de conhecer a sua origem. A lei alemã prevê que a mãe possa contactar uma linha direta e ser acompanhada por um conselheiro, a quem fornece o seu nome verdadeiro - informação que é mantida confidencial, mas que pode ser acedida pelo filho ao atingir a maioridade. O sistema também prevê a possibilidade de a mulher recuperar a custódia da criança, caso assim o deseje.
Nos EUA quase todas as caixas para bebés são produzidas e instaladas por uma única organização sem fins lucrativos com sede em Indiana: a Safe Haven Baby Boxes. O dispositivo consiste numa gaveta com temperatura controlada embutida na parede de um edifício, com instruções e contactos visíveis no exterior, incluindo o número de uma linha de emergência gerida pela própria organização.
O sistema é simples: quando alguém abre a gaveta e coloca o bebé no interior da caixa são acionados três alarmes independentes para alertar os serviços de emergência. No interior existe também um saco com informações sobre direitos parentais e cuidados pós-parto.
A empresa foi fundada em 2015 por Monica Kelsey, antiga médica e mulher adotada, que teve a ideia depois de ver um sistema semelhante na África do Sul. Kelsey, que descobriu ter sido concebida na sequência de uma violação e abandonada à nascença, afirma querer garantir a outras crianças a mesma oportunidade que teve.
Em 2020 existiam apenas 29 caixas em todo o país e atualmente o número é mais de dez vezes superior. Esta rápida expansão deve-se, em grande parte, ao ativismo pessoal de Kelsey nas redes sociais e à colaboração de representantes locais.
Em 2024 foram entregues 156 bebés de forma legal ao abrigo das normas de refúgio seguro nos Estados Unidos, enquanto 39 foram abandonados de forma ilegal ou insegura - uma redução significativa em relação a 2004.