Roubado e abandonado pelo empresário: a história do goleador que reconstruiu a vida em Rebordelo

17 out, 10:45
Lucas Prado (DR)

Lucas Prado trabalha durante toda a noite num lar de idosos, para ao fim da tarde se entregar ao sonho de ser jogador profissional. Na pequena aldeia transmontana, de onde vêm as melhores alheiras, este brasileiro espera ansiosamente pelo jogo que pode mudar o rumo dele, da esposa e da bebé que aí vem (sim, nasce já na próxima semana). Sábado, a partir das 11 horas, frente ao Nacional, uma nova vida pode começar.

São dez da manhã quando o Maisfutebol, tal como combinado, liga a Lucas Prado. O brasileiro tinha acabado de regressar a casa.

«Trabalho toda a noite», revela. «Trabalho num lar de idosos e o meu horário é da meia-noite às oito da manhã. Geralmente fico sempre um pouco mais. Agora vou dormir até às cinco ou seis da tarde, depois vou treinar às sete, regresso a casa, janto e volto para o lar de idosos. Todos os dias são assim. É duro, mas faço tudo pelo sonho.»

E qual é o sonho?, pergunta-se.

«O sonho é chegar lá. Jogar na I Liga. Sei que é difícil, mas todos temos os nossos sonhos, não é? Sei que tenho de trabalhar, trabalhar muito, mas nunca tive medo do trabalho.»

Lucas Prado é um avançado de 24 anos, natural do Paraná, no Brasil. Está em Portugal há seis anos. Agora vive com a esposa e joga em Rebordelo: uma aldeia de 600 habitantes, encravada entre os montes do nordeste transmontano, a meia distância entre Mirandela e Vinhais, e a trinta quilómetros da autoestrada que liga Trás-os-Montes ao mundo.

«Eu e a minha esposa vamos ser pais de uma menina. Nasce daqui a dez dias. É a Lívia», atira, com o orgulho na voz.

«É engraçada a história. Como vamos ser pais, no verão a minha mulher pediu-me para não sairmos do distrito de Bragança. Queria continuar a ser acompanhada e que o bebé nascesse aqui. Então eu pensei que bom mesmo seria vir para o Rebordelo. Já tinha estado aqui um mês, conhecia o clube, gostava das pessoas e sabia que ia jogar a Taça de Portugal. Mas não falei com ninguém, só pensei isso para mim. Passado uma semana, o treinador ligou-me a fazer o convite. Só pedi um trabalho e uma casa. Deram um jeito e conseguiram tudo. Estou cá há dois meses e estou bem. O pessoal de Rebordelo é aconchegante e vive muito o clube.»

«Temos de passar por estas coisas para ficarmos mais fortes»

Lucas Prado trabalha hoje no lar de idosos e vive com a esposa numa casa só deles, que o clube conseguiu arranjar, mas que ele paga do próprio bolso.

«O clube não tem capacidade para pagar salário. Só me dá um valor simbólico, mas que não chega para pagar a casa», atira, referindo que o aluguer da habitação são 250 euros por mês.

Pode parecer pouco, mas o jogador garante que não.

«O Rebordelo é dos clubes que tem uma mentalidade mais profissional aqui na Distrital. Treinamos quatro vezes por semana, a maior parte dos clubes treina só duas ou três vezes. Além disso há pelo menos mais cinco estrangeiros como eu, que vivem numa casa só para eles, que pagam do próprio bolso, claro, mas que o clube ajuda a encontrar.»

Nestes clubes mais pequenos, é normal por vezes uma casa ter sete, nove ou dez jogadores a habitarem juntos, sem poderem ter a família com eles. Por isso ter uma casa própria, é um luxo que quem conhece bem a realidade dos distritais sabe valorizar.

«Não é o que quero para a minha, claro. Quero dar o salto, jogar noutros patamares. Mas entendo que temos de passar por estas coisas para ficarmos mais fortes.»

«Paguei mil euros, quando cheguei a Portugal fui abandonado pelo empresário»

E Lucas Prado já passou por tanto...

Ainda não tinha sequer idade de sénior quando foi roubado e abandonado por um daqueles empresários, que na verdade não o são: um ladrão de sonhos, que o trouxe do Brasil, lhe ficou com mil euros e o deixou sem nada, num país que não conhecia.

«Eu era juvenil ainda, sub-17 como dizem aqui. Fui contactado por um empresário que prometia trazer-me para jogar em Portugal. Dizia que ia ficar a viver num hotel e que ia treinar no Famalicão e no Gil Vicente, mas tinha de lhe pagar mil euros. Eu não tinha esse dinheiro e um tio meu ajudou-me, deu-me os mil euros. Achei que era um investimento, não é? Eu tinha 17 anos», contou.

«Vim para Portugal com mais quatro meninos nas mesmas condições. Quando chegámos, o empresário disse que tinha havido um problema com o hotel e que íamos ficar por umas noites numa casa alugada em Mine, perto de Famalicão. Depois disso, desapareceu. Nunca mais soubemos nada dele. Não havia hotel, não havia treinos, não havia nada.»

Abandonados, sem dinheiro e sem conhecer ninguém no país, Lucas e os outros quatro brasileiros acabaram por ser ajudados pelo casal que era dono da casa onde estavam. E que também não conhecia o empresário, mas que já tinha ouvido muitas histórias destas.

«Esse casal de portugueses, que não tinha nada a ver com a situação, abriu-nos a porta da casa deles e conseguiu arranjar-nos um clube pequeno da zona, o São Cláudio, onde fomos tentar a nossa sorte. Acabámos por ficar. Esse casal depois tratou de toda a nossa documentação, de tudo, ajudou-nos muito. Ainda hoje mantenho contacto com o filho deles. Eu não ganhava nada e não tinha dinheiro, dependia do meu tio para sobreviver no dia a dia, mas depois disso as coisas foram acontecendo e hoje ainda estou aqui», refere.

«Mas há muitos jogadores que passaram por isso. Aqui no Rebordelo, há mais três ou quatro. Há até um, o Arthur Silva, central, que foi um dos meninos que veio comigo e foi enganado pelo empresário. A partir daí ficámos amigos e agora consegui convencer as pessoas do Rebordelo a contratá-lo.»

«O Nacional é o jogo da minha vida, o jogo que pode mudar tudo»

Numa viagem ao Brasil, de férias, conheceu a futura esposa, hoje os dois esperam ser três em breve e partilham muitos sonhos em Rebordelo: a tal aldeia de 600 habitantes, no nordeste transmontano, de onde vem o vinho Escostas do Trogão e as melhores alheiras de Mirandela. Alheiras que, inclusivamente, são vendidas nas lojas da própria cidade de Mirandela.

«Quando fecho os olhos, só me imagino a fazer o golo e a classificarmo-nos para a próxima ronda. Penso isso a todo o instante, a semana toda.»

É que o Rebordelo vai defrontar o Nacional, da Liga, num jogo da Taça de Portugal agendado para sábado às 11 horas, no Estádio Municipal de Vinhais.

«É o jogo da minha vida», atira.

«Pode mudar a minha carreira, não é? Se fizer um bom jogo, posso dar o salto e a partir daí conseguir tudo o que sempre sonhei. Vamos esperar que aconteça.»

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