Rastreio suplementar do cancro da mama não é adequado para todas as mulheres: o aviso de especialistas

CNN , Michelle Andrews
1 nov 2022, 16:00
Mamografia (Michael Hanschke/Getty Images)

O que é preciso saber

Quando Katie Couric partilhou a notícia do seu diagnóstico de cancro da mama, a antiga coapresentadora do programa "Today Show" da NBC disse que considerava este novo desafio para a saúde um momento pedagógico para encorajar as pessoas a fazerem os rastreios necessários do cancro.

"Por favor, faça a sua mamografia anual", escreveu no seu site em setembro. "Mas é igualmente importante, por favor, descobrir se precisa de rastreio adicional."

Couric, de 65 anos, explicou neste texto que, por ter tecido mamário denso, faz um teste de ecografia além de uma mamografia no rastreio do cancro da mama. Um ultrassom mamário, por vezes chamado "ecografia", usa ondas sonoras para captar imagens do tecido mamário. Às vezes pode identificar tumores malignos que são difíceis de detetar numa mamografia em mulheres cujos seios são densos — isto é, tendo uma elevada proporção de tecido fibroso e glândulas por oposição a tecido adiposo.

Couric, que se submeteu a uma colonoscopia em direto na televisão depois do seu primeiro marido morrer de cancro do cólon, e tendo perdido a irmã para o cancro do pâncreas, há muito que insiste no rastreio do cancro e em melhores opções de deteção.

Os especialistas em cancro da mama aplaudiram Couric por chamar a atenção para a densidade mamária como fator de risco para o cancro. Mas não apoiaram tanto a sua apologia do rastreio suplementar.

"Não temos provas de que o rastreio auxiliar reduza a mortalidade por cancro da mama ou melhore a qualidade de vida", disse Carol Mangione, professora de Medicina e Saúde Pública na UCLA, que preside ao Grupo de Trabalho dos Serviços Preventivos dos EUA, um grupo de médicos peritos que faz recomendações para serviços preventivos depois de avaliar os seus benefícios e danos.

O gabinete de Couric não respondeu aos pedidos de comentário.

Além de uma mamografia anual, algumas mulheres com seios densos fazem uma ecografia mamária ou ressonância magnética para ajudar a identificar as células cancerígenas não detetadas na mamografia. O tecido fibroso denso aparece a branco numa mamografia e dificulta a deteção de cancros, que também aparecem a branco. O tecido mamário gordo, que aparece escuro na mamografia, não obscurece as malignidades mamárias.

À medida que a tomossíntese digital da mama, ou mamografia 3D, se tornou mais amplamente disponível, um número crescente de mulheres estão a fazer esse teste de rastreio em vez da mamografia 2D padrão. Descobriu-se que a mamografia 3D reduz o número de resultados de falsos positivos e identifica mais cancros em algumas mulheres com seios densos, embora o impacto na mortalidade seja desconhecido.

O grupo de trabalho dá uma classificação "I" ao rastreio suplementar para mulheres com seios densos cujos resultados de mamografia não indicam um problema. Isto significa que os elementos de prova atuais são "insuficientes" para avaliar se os benefícios superam os danos do rastreio extra (o grupo de trabalho está a atualizar a sua recomendação para o rastreio do cancro da mama, incluindo o rastreio suplementar para mulheres com seios densos).

Um dos principais danos que preocupam os investigadores, além do possível custo extra, é a possibilidade de um resultado falso positivo. Exames suplementares em mulheres que não estão em risco elevado de cancro da mama podem identificar potenciais pontos problemáticos, o que pode conduzir a testes de seguimento, como biópsias mamárias que são invasivas e aumentam o receio do cancro em muitos doentes. Mas a investigação revelou que, muitas vezes, estes resultados acabam por ser falso alarme.

Se mil mulheres com seios densos fizerem uma ecografia após uma mamografia negativa, a ecografia identificará dois a três cancros, mostram estudos. Mas a imagem extra também identificará até 117 potenciais problemas que conduzem a repetição de consultas e testes mas que acabam por ser, em última análise, falsos positivos.

"Por um lado, queremos fazer tudo o que pudermos para melhorar a deteção", diz Sharon Mass, obstetra e ginecologista em Morristown, Nova Jersey, e antiga presidente da Ordem Americana de Obstetras e Ginecologistas. "Mas, por outro lado, há muitos custos e angústia emocional” associados a resultados falsos positivos.

O grupo profissional não recomenda rastreios suplementares para mulheres com seios densos que não tenham quaisquer fatores de risco adicionais quanto a cancro.

Muitos outros grupos profissionais assumem posição semelhante.

"Recomendamos que haja uma conversa com um prestador de cuidados de saúde para os doentes compreendam se os seus seios são densos", disse Mass. "Mas não recomendamos que todos façam esses exames."

Em particular para cerca de 8% das mulheres que têm seios extremamente densos, vale a pena ter uma conversa com um médico sobre rastreio adicional, refere Mass.

Da mesma forma, para mulheres com seios densos que tenham fatores de risco adicionais quanto ao cancro da mama - como história familiar da doença ou uma história pessoal de biópsias mamárias, verificar suspeitas de cancros num rastreio suplementar pode fazer sentido, acrescenta a especialista.

Seios densos são relativamente comuns. Nos Estados Unidos, estima-se que 43% das mulheres com 40 anos ou mais tenham seios considerados densos ou extremamente densos. Além de dificultar a interpretação de mamografias, as mulheres com seios  densos têm até duas vezes mais probabilidades de desenvolver cancro da mama do que as mulheres com mamas de densidade média, revelam investigações.

Estudos mostraram que as mamografias reduzem a mortalidade por cancro da mama. Mas mesmo que pareça intuitivo que mais testes melhorariam as probabilidades de alguém vencer o cancro, a investigação não revelou que as mulheres são menos propensas a morrer de cancro de mama se fizerem uma ecografia suplementar ou ressonância magnética após um resultado negativo da mamografia.

Alguns estudos revelaram que as mulheres com seios densos ou muito densos que fizeram uma ecografia ou uma ressonância magnética, além de uma mamografia, tinham menos cancros de intervalo entre mamografias regulares de rastreio. Mas não é claro se esses resultados têm algum efeito no risco de morrer de cancro da  mama.

 "Nem todas as pequenas anormalidades conduzem a algo que requer tratamento", disse Mangione.

Trinta e oito estados e o Distrito de Columbia têm leis que exigem que os doentes sejam notificados quanto à densidade mamária após uma mamografia, embora alguns exijam apenas um aviso geral em vez indicação para que as mulheres individualmente sejam informadas sobre o seu próprio estatuto. Alguns estados exigem que as seguradoras cubram exames suplementares mas outros não.

Em 2019, a FDA propôs que a informação sobre a densidade mamária fosse incorporada nas cartas que os doentes recebem após uma mamografia. Esta regra ainda não está finalizada, mas a agência disse aos legisladores que espera emitir a regra o mais tardar no início do próximo ano.

Em declarações à KHN, a porta-voz da FDA, Carly Kempler, afirmou: "A FDA está empenhada em melhorar os serviços de mamografia dos doentes e a trabalhar diligentemente para incluir a emenda às regras de mamografia existentes".

O custo dos testes adicionais é outro fator a ter em conta. Como o grupo de trabalho dos serviços preventivos recomenda que as mulheres façam mamografias regulares, é necessário que os planos de saúde cubram essas despesas sem custos adicionais para os doentes. Não é o caso do rastreio suplementar para mulheres com seios densos, que o grupo de trabalho não recomenda. Alguns estados exigem cobertura de seguro desses exames, mas essas leis não se aplicam aos muitos planos em que os empregadores "autofinanciam" os benefícios dos trabalhadores em vez de adquirirem cobertura de seguro regulamentada pelo Estado.

Nos Estados Unidos, os exames suplementares podem ser caros se o plano de saúde não cobrir. Uma ecografia de rastreio pode custar 250 dólares, enquanto uma ressonância magnética à mama pode custar 1084 dólares, de acordo com a Fundação Brem para o Combate ao Cancro da Mama.

A Representante Rosa DeLauro (Democrata-Connecticut) tweetou recentemente que está a trabalhar num projeto-lei com Couric que cobrirá os custos de ressonâncias magnéticas e ecografias para mulheres com seios densos.

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