As medidas de contenção da pandemia que vão acabar e as que devem permanecer (para sempre)

8 fev 2022, 10:56

Em entrevista à CNN Portugal, Raquel Duarte, pneumologista e investigadora de doenças infecciosas, diz que temos de estar preparados para o regresso à normalidade, ainda que haja comportamentos que devem ficar muito para lá da covid-19

"Não devemos datar a pandemia. A pandemia não acaba nem por decreto, nem por estarmos cansados, nem porque queremos. A pandemia tem, de certa maneira, vontade própria e aquilo que podemos fazer é estar preparados." As palavras são de Raquel Duarte, pneumologista, investigadora de doenças infecciosas e uma das especialistas ouvidas pelo Governo no âmbito das medidas de combate à covid-19, numa altura em que são cada vez mais os entendidos que defendem o regresso à normalidade. 

Em entrevista à CNN Portugal, nesta terça-feira, Raquel Duarte aponta as medidas que vão ficar pelo caminho e as que devemos manter para sempre, porque já não é aceitável socializar estando doente ou infetar colegas de trabalho.

Ponto prévio

Raquel Duarte não tem dúvidas de que temos hoje uma confiança para avançar em relação ao alívio das medidas que não tínhamos há dois anos, quando a pandemia tomou conta das nossas vidas, nem há um ano quando pensávamos que não estaríamos a falar disto em 2022. "Temos a vacinação, temos novos fármacos, sabemos tratar os doentes com covid-19 e sabemos que medidas são mais eficazes na contenção da transmissão. Nesta altura temos uma população que está mais protegida, temos ferramentas para lidar com esta infeção e estamos neste momento a atingir o pico desta curva. Vamos ter brevemente a redução [dos casos] e está na altura de nos prepararmos para um aliviar das medidas."

Prudência

Mas não é por estarmos vacinados, com a dose de reforço bem encaminhada e as crianças incluídas no processo, que devemos aligeirar as medidas a eito. É preciso, defende a especialista, avançar com cuidado e olhar para os números que importam. "Temos de nos preparar com prudência, olhando para aquilo que vai acontecendo na nossa população, como é que a infeção se transmite, quem são as populações que continuam a ser mais vulneráveis e, provavelmente, planos para a ocorrência de novas ondas, novos surtos. Isto será de certa maneira uma maratona e temos de estar preparados para ela." Raquel Duarte sublinha, por isso, que é importante "não perder o foco". "Temos de saber exatamente o que está acontecer, de forma a chegar a uma vida o mais normal possível e estarmos preparados para um novo surto."

Testagem

A testagem como a conhecemos vai ser das primeiras medidas a sofrer alterações. Testar em massa pode já não fazer sentido nesta altura, sobretudo desde o surgimento da variante Ómicron, mas é preciso continuar a testar, alerta. "O alívio de medidas deve ser feito de forma gradual e monitorizado. É natural que a testagem massiva caia, mas temos de manter ainda alguma testagem porque não podemos ser surpreendidos com uma grande onda. Tem de manter-se a testagem para as populações mais vulneráveis, para as situações de maior risco de transmissão."

Máscara, sim e sim

Quanto ao uso de máscara, ainda é cedo para a tirarmos das nossas vidas. Raquel Duarte defende que o uso de máscara deve manter-se por mais algum tempo, pelo menos durante o processo de alívio das medidas. "A máscara em locais de maior risco é natural que se mantenha durante os próximos tempos, enquanto vamos vendo o efeito da redução das medidas restritivas. É preciso também começar já a pensar no próximo inverno, nas próximas ondas", avisa. O alívio deve ainda seguir uma ordem, começando pelo que é de menor risco e deixando para o fim tudo o que representa um perigo maior. "O exterior, apesar de tudo, é onde o risco é menor. O risco é maior nos locais fechados, pouco ventilados, com grande concentração de pessoas. A redução deve ser gradual, começando pelas situações de menor risco e deixando as de maior risco ainda preservadas para vermos o que acontece em termos de população. Tal como as populações mais vulneráveis devem estar protegidas, porque são as que correm mais risco de formas graves e de morrer, devem ser protegidas ao máximo."

Grande ameaça

A Ómicron não é o fim da covid-19, lembra também Raquel Duarte, apesar de a vacinação poder ser o fim da linha para a doença ou para as suas muitas formas. No entanto, o facto de não chegar a todos vai continuar a ameaçar todos. "A grande ameaça a nível mundial é que grande parte da população mundial não está vacinada e enquanto não estiver vacinada vamos ter novas variantes e podemos ser sempre surpreendidos com uma nova variante que se vai transmitir mais facilmente, que vai dar origem a formas mais graves da doença. Simultaneamente vamos ter vacinas e a partir do momento em que temos a tecnologia disponível podemos ir ajustando as vacinas às variantes que estão em circulação. Temos ferramentas que são muito mais eficazes do que tínhamos há dois anos."

Vacinação

Se tomou a dose de reforço e pensa que vai ficar por aqui é melhor mentalizar-se que a vacina contra a covid-19 veio para ficar. A investigadora defende que é preciso manter a população alerta para esta adesão, necessária para erradicar a doença. "Vamos ter de ser vacinados mais vezes. Se é uma dose de reforço ou se é uma vacina ajustada, a periodicidade vai ter de ser analisada com cuidado, porque vai depender da sazonalidade e duração da imunidade da vacina. Mas há uma coisa importante que temos aprendido que é a própria adesão da população às medidas, que depende muito da sua perceção de risco. Devemos ir ajustando as medidas a esse mesmo risco, sob pena de depois não termos a adesão da população."

Inverno

Ainda estamos no inverno mas é preciso começar já a pensar no próximo e num problema que no entender de Raquel Duarte não pode ser visto como algo menor, ou seja, a qualidade do ar que respiramos. "A vacinação é o grande pilar, mas há uma medida que tem de ser seriamente pensada que é a ventilação dos espaços interiores. Tem de ser possível trabalharmos e termos aulas em espaços adequadamente ventilados, em espaços seguros. Temos de pensar seriamente na qualidade do ar interior, garantir a segurança dos espaços interiores e depois estarmos preparados para novos surtos. A vacinação em termos de proteção e os nossos comportamentos têm de ser ajustados de uma forma sazonal. Há uma série de comportamentos que surgiram com a covid-19 que vão ter de ser mantidos."

Comportamentos inaceitáveis

E é por causa do ar que respiramos, quer estejamos a jantar com amigos ou a trabalhar, que temos de mudar mentalidades e aproveitar as boas práticas de higiene que a covid-19 nos trouxe, aponta. Isto porque já não é aceitável que, estando doentes, com uma constipação, gripe ou uma ponta de febre, continuemos na nossa vida como se nada fosse. "Em termos de ventilação tem de haver, obviamente, alteração das estruturas. Em termos de comportamento, aquilo que acontecia no passado, ou seja, pessoas com sintomas respiratórios que iam trabalhar, estar com a família, com os amigos e no fundo havia transmissão fácil das infecões respiratórias. Há uma série de comportamentos que nesta altura são inaceitáveis entre nós. Se estamos com sintomas respiratórios vamos colocar uma máscara, não vamos socializar com os amigos e infetar os nossos colegas de trabalho. Há uma série de comportamentos que vamos ter de manter para lá da covid-19."

Imprescindível

No fundo, é imprescindível reter a informação de que estamos no bom caminho, mas que temos de agir com prudência e consideração pelos mais vulneráveis. "A vacinação, a utilização de máscara em situação de maior risco ou em alturas de maior risco de transmissão, a ventilação, a proteção dos mais vulneráveis e a existência de planos de contingência, como sempre houve, ajustados às necessidades atuais para preparar os serviços para novos picos, novas ondas", conclui Raquel Duarte.

 

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