Londres calou-se para se despedir da rainha. "Poucos líderes recebem tanto amor como o que temos visto"

19 set 2022, 14:53

Foi o último adeus à mulher que ao longo de 70 anos governou o Reino Unido e que, mesmo na hora da sua morte, teve uma palavra a dizer

A organização do funeral da rainha Isabel II durou vários e longos anos (e até passou pela própria monarca) e, esta semana, a preparação foi feita noite fora para garantir que, esta segunda-feira, a última homenagem àquela que durante 70 anos governou o Reino Unido corria como se esperava: de forma solene, sem imprevistos e com o rigor britânico que se exige. Mas sobretudo, em silêncio. 

Afinal, o último funeral de Estado no Reino Unido tinha sido em 1965, ano em que morreu o primeiro-ministro Winston Churchill e era preciso garantir que, dos convidados às flores, das horas de arranque aos minutos de silêncio, nada falhava.

E nada falhou. Mesmo os singelos atrasos foram perdoados pelos protocolos que havia a cumprir. O primeiro aconteceu logo em Westminster Hall, que fechou dois minutos depois da hora marcada. Chrissy Heerey foi a última pessoa a despedir-se da rainha de Inglaterra, à hora em que a sala encerrou ao público e ao mesmo tempo que Sarah Clarke, membro do parlamento britânico, encerrou o velório, sendo a última pessoa a passar junto da urna.

Com o velório encerrado, era hora de ultimar os pormenores que faltavam antes de ter início a procissão que levaria a urna até à Abadia de Westminster. Pelos corredores onde antes milhares de pessoas aguardaram para prestar homenagem à rainha Isabel II, passavam agora centenas de militares, dos vários ramos das forças armadas, que se iam juntar à procissão, em marcha acelerada e com sentido de dever redobrado.

Nas margens do rio Tamisa e nos passeios do The Mall, centenas e centenas de pessoas tentavam arranjar o melhor lugar para ver o cortejo passar e prestarem a última homenagem à rainha. E a afluência foi tanta que às 9:12 não havia lugar para mais ninguém nos locais que a cidade de Londres tinha aberto para o efeito, com milhares de pessoas a terem de assistir às cerimónias através dos ecrãs gigantes colocados em Hyde Park.

Tudo pensado ao pormenor

Um dos pormenores que foi tratado - e o que mais se tornou visível - foi a troca da coroa de flores que seguiu pousada na urna coberta pela bandeira do Royal Standard. A coroa com flores colhidas em Balmoral deu lugar a uma coroa de flores que, a pedido do rei Carlos III, continha "folhas de alecrim, carvalho inglês e murta (cortada de uma planta cultivada de murta do buquê de casamento da Rainha) e flores, em tons de ouro, rosa e bordeaux, com toques de branco, cortadas dos jardins das Residências Reais". Já no cartão colocado na coroa podia ler-se: "Em amada e dedicada memória. Carlos R." A acompanhar a coroa de flores, a coroa imperial, e a orbe e o ceptro real.

Foi assim que se viu a urna quando, às 10:42, saiu de Westminster Hall e o cortejo fúnebre - com o rei Carlos III, acompanhado pelos irmãos, os filhos e o sobrinho Peter Phillips - percorreu os 200 metros até a Abadia de Westminster. Um momento em que as emoções estiveram à flor da pele - o príncipe Andrew pareceu emocionar-se à passagem no Cenotáfio - e os olhares fraternais marcaram o dia. 

Princesa Anne olha para o rei Carlos III durante o cortejo fúnebre (Hannah McKay- WPA Pool/Getty Images)

Enquanto a procissão decorria, chegavam à Catedral a rainha consorte, Camilla, a princesa de Gales acompanhada pelos filhos, os príncipes George e Charlotte, a condessa de Wessex e a duquesa de Sussex, que se juntariam à procissão da família atrás da urna até ao altar.

George e Charlotte, de 9 e 7 anos respetivamente, foram os membros da família real mais novos a participar nas cerimónias fúnebres, tendo feito parte da procissão de entrada e de saída da Abadia e acompanhado a rainha consorte e a princesa de Gales nas viagens de carro que acompanharam os cortejos fúnebres.

Uma cerimónia pensada ao minuto

No domingo à noite, a família real tornou pública a Ordem de Serviço da cerimónia religiosa. A tal ordem sobre a qual, segundo a CNN Internacional, que cita fonte do palácio de Buckingham, a Rainha foi consultada ao longo dos anos.

A Ordem de Serviço, que serviu como guia da cerimónia, foi preparada pelo deão de Westminster em conjunto com Lambeth Palace, oficial da residência de Londres do arcebispo da Cantuária. Por sua vez, a maestra do rei, Judith Weir, compôs uma nova peça para o coro para ser tocada no funeral de Estado chamada "Like as the Heart" e que será cantada pelos coros da Abadia de Westminster e na Capela Real do Palácio de St. James.

E até os hinos escolhidos para a cerimónia tiveram a aprovação da rainha, como o Salmo 23, "O senhor é meu pastor, nada me faltará", que foi cantado em 1947 durante o casamento de Isabel II e o duque de Edimburgo. O salmo e o hino são conhecidos pelas palavras "ainda que eu passe por vales tenebrosos, nada temo, porque tu estás comigo. O teu bastão e o teu cajado confortam o meu sofrimento."

Na cerimónia, em que marcaram presença membros da família real, políticos e outros convidados, estiveram presentes cerca de 2.200 pessoas que começaram a chegar ao local logo às 8:00. Também aqui houve atrasos que, no final, não foram notados, uma vez que quando a urna chegou, todos os convidados estavam nos seus lugares como manda o protocolo. Incluindo Joe Biden que ao contrário dos outros chefes de Estado, monarcas e dignatários, não viajou de autocarro, mas sim no seu carro oficial (a "Besta").

E à hora marcada, às 11:00, soava o coro da Abadia antes de tomar a palavra o deão de Westminster. Foi ao reverend David Hoyle que coube a responsabilidade de dar início ao serviço religioso mas foi o arcebispo da Cantuária quem fez o sermão que ecoou rapidamente pelas redes sociais, com o vídeo a ser rapidamente partilhado pelas contas da Família Real.

Num discurso emotivo, Justin Welby lembrou a promessa que a rainha Isabel II fez durante a missão do 21.º aniversário. “Declaro diante de todos vós que toda a minha vida, seja ela longa ou curta, será dedicada a servir-vos e a servir a nossa grande família imperial, à qual todos nós pertencemos”, prometeu, na altura, a rainha. 

“Sua falecida majestade afirmou na transmissão do seu 21.º aniversário que a sua vida seria dedicada a servir a nação e a Commonwealth. Raramente tal promessa foi tão bem cumprida”, afirmou o arcebispo, acrescentando que "poucos líderes recebem tanto amor como o que temos visto".

O arcebispo, que depois da cerimónia escreveu no Twitter que presidir à cerimónia na abadia, foi "a honra de uma vida e também um dos dias mais tristes", disse ainda que Isabel II não liderou pela posição ou ambição: "o exemplo de sua falecida majestade não foi dado pela sua posição ou ambição, mas por quem ela seguiu. Sei que sua majestade compartilha a mesma fé e esperança em Jesus Cristo que a sua mãe, o mesmo sentido de serviço e de dever".

E a partir do sermão, a cronologia estipulada não se alterou um milímetro que fosse. Nem nos dois minutos de silêncio. Depois de soar a "The Last Post" (que é usada em funerais militares das nações da Commonwealth), seguiram-se, sequencialmente, os dois minutos de silêncio, o toque de alvorada, o hino nacional e a nova procissão da urna com a família real atrás.

Atrás da urna, em procissão, seguiram o rei Carlos III com a rainha consorte Camilla, seguidos da princesa Anne e do marido desta, o vice-almirante Timothy Laurence, o príncipe Andrew, príncipe Edward e a condessa Sophie, os príncipes de Gales com os filhos, George e Charlote, os duques de Sussex, conde de Snowdon, Peter Philips, o duque de Gloucester, o duque de Kent e o príncipe Michael de Kent.

Mas, antes de saírem da Abadia, os príncipes George e Charlotte, assim como a mãe, a princesa de Gales, a rainha consorte Camilla, a duquesa de Sussex, a condessa de Wessex, e as princesas Eugenie e Beatrice, saíram da procissão que seguiu a pé pelas ruas de Londres. Atrás da urna, seguiram apenas os mesmos membros da família real que fizeram o percurso entre Westminster Hall e a Abadia de Westminster. Os restantes seguiram de carro, numa lenta procissão pelas ruas de Londres, onde imperava o silêncio, em que a urna foi levada numa carruagem puxada pelos militares da Marinha. 

Um dos momentos mais emotivos do cortejo aconteceu à passagem pelo Palácio de Buckingham, já no final da procissão. As centenas de militares, membros da Casa Real e da família real seguiam pelo de mal e tudo o que se ouvia - entre as badaladas do Big Ben e os tiros de canhão - era a marcha na rua do The Mall. E, à porta daquela que durante 70 anos foi a residência oficial da monarca, estavam alinhados dezenas de funcionários do Palácio, de secretários a chefes de cozinhas, para prestar uma última homenagem àquela que foi não só rainha, mas também patroa. Um momento que não deixou ninguém indiferente.

Funcionários do Palácio de Buckingham (Associated Press)

A urna seguiu, sem parar, até ao Arco de Wellington onde os membros da família real que seguiam nos carros se voltaram a juntar ao rei Carlos III e restantes familiares. Ali, os príncipes George e Charlotte, trocaram umas breves palavras como que a quebrar a solenidade que o momento exige. Uma quebra de protocolo que certamente a rainha perdoaria aos bisnetos, afinal, segundo consta, a monarca gostava quando as coisas não corriam como esperado.

A procissão seguiu depois para o Castelo de Windsor, o seu destino final. Na despedida do centro de Londres, o silêncio deu lugar a aplausos para a monarca que marcou o Reino Unido por 70 longos anos. E, ao longo do caminho, o carro fúnebre do Estado, pensado em específico para este funeral, foi sendo coberto de flores por quem assistia à sua passagem.

Em Windsor, onde deverá chegar depoias das 15:10, o carro fúnebre seguirá por Long Walk até à Capela de São Jorge, onde decorrerá o último serviço religioso. Às 19:00, terá lugar o enterro, em exclusivo para a família, na capela memorial. Aí, Isabel II ficará sepultada, junto do marido e dos soberanos que a procederam. A capela memorial é o local onde o pai e a mãe da Rainha foram sepultados. Uma urna contendo as cinzas da irmã da Rainha, a princesa Margaret, também se encontra lá.

Europa

Mais Europa

Mais Lidas

Patrocinados