Rafael Nadal, o atleta que fala como Aristóteles e age como Confúcio. Quatro lições que todos podemos aprender com ele

CNN , John Blake
5 jun 2022, 16:45
Roland Garros: Djokovic-Nadal (AP)

Exemplos e ensinamentos de um tenista de classe mundial que é um gladiador no campo –um filósofo de coração

Nota do editor: este artigo foi originalmente publicado antes da vitória de Rafael Nadal, este domingo, em Roland Garros

O desporto, diz-se, revela carácter. Revela também algo mais: filosofia.

Não há melhor exemplo disto do que Rafael Nadal, o tenista profissional de 35 anos que está a competir esta semana no Open de França. Nadal não é apenas um gladiador no campo - é um filósofo de coração.

Talvez conheça as credenciais de Nadal no ténis. O espanhol ganhou um recorde de 21 títulos do Grand Slam e 13 torneios do Open de França. Revolucionou o desporto com o seu topspin, a sua força quase bizarra e a sua vontade incansável. É sem dúvida o maior tenista masculino de sempre.

Mas é a mente de Nadal que o pode separar dos seus maiores rivais. A sua capacidade de jogar com dor física, de recuperar de lesões devastadoras, de resolver problemas durante uma partida - tudo faz parte da sua grandeza. Tal como a sua atitude - o seu prazer visceral em competir, quer ganhe ou perca.

Tem também uma rara abordagem filosófica ao ténis e à vida, que um escritor desportivo descreveu como um "modelo de humildade, empatia e perpectiva".

Acontece que Nadal, que pode estar a jogar no seu último Open de França, encarna muitas das virtudes ensinadas por filósofos e sábios como Aristóteles, Confúcio e os Estóicos. Mesmo para quem não jogue ténis, há pelo menos quatro lições que este grande campeão pode ensinar.

Lição 1: abrace o seu sofrimento

O momento: Em Maio, Nadal voltou à competição no Open de Madrid depois de sofrer no início do ano uma fratura por pressão acumulada numa das suas costelas (jogou uma partida inteira com essa fratura num torneio anterior, em vez de cancelar a partida).

Embora o adversário, David Goffin, tivesse quatro pontos-de-partida (match points) contra ele, Nadal recuperou e venceu uma partida esgotante, que durou três horas e 10 minutos. Depois disso, Nadal disse:

"Sempre o disse muitas, muitas vezes, é preciso aprender a viver com este tipo de momentos, e também a desfrutar deste sofrimento. É para isso que trabalhamos, para momentos emocionantes".

O que isso significa: Nadal nasceu numa família próspera. É natural de Maiorca, Espanha, um lugar idílico de férias ao largo da costa de Espanha. Nunca lutou para entrar no ténis profissional através da rota tradicional, de jogar pequenos torneios em lugares longínquos e hospedar-se em hotéis baratos. Era um prodígio adolescente que nunca sofreu no sentido convencional.

E, no entanto, não há nenhum atleta contemporâneo como Nadal que pareça gostar de uma atitude quase monástica de abnegação e sofrimento. Ele tem jogado com dores constantes ao longo da sua carreira, lutou em alguns dos jogos mais extenuantes da história do ténis e destaca-se nos campos de terra batida, uma superfície que coloca um prémio na resistência. Desfrutar do sofrimento é um tema ao qual ele regressa em muitas das suas entrevistas.

É também um tema de várias tradições filosóficas, que insistem que o sofrimento e a dor desempenham um papel importante no desenvolvimento de um carácter moral virtuoso, diz Francisco Javier Lopez Frias, professor associado de cinesiologia e filosofia na Universidade de Penn State.

Aristóteles e outros filósofos ensinaram que "o sofrimento acompanha frequentemente ações moralmente boas, ou mesmo que as escolhas morais mais dignas envolvem sempre a dor", diz Frias.

"Os atletas experimentam frequentemente o sofrimento como sendo instrumental e intrinsecamente bom", detalha Frias. "Uma vitória que exige que um atleta lute até ao fim é vista como mais valiosa do que uma vitória que envolve pouco sofrimento". Nadal é um caso de estudo perfeito para filósofos que examinam a importância da dor nas experiências dos atletas. Ele parece atribuir maior valor às vitórias alcançadas em situações difíceis e dolorosas".

Lição 2: a importância dos rituais

 

O momento: no Open da Austrália de 2015, Nadal estava a aproximar-se de uma vitória quando algo inesperado aconteceu. As suas garrafas de água, que ele tinha disposto em posições precisas ao pé da sua cadeira, caíram. Um apanha-bolas apressou-se a colocar as garrafas na posição vertical, com os rótulos virados para o campo, como Nadal pretendia. Até Nadal teve de rir-se em conjunto com os espetadores, porque a sua rotina das garrafas de água faz parte de uma bem conhecida variedade de tiques seus em campo.

Um jornal até dedicou um longo artigo a identificar 19 rituais “bizarros” de Natal no court de ténis. Eles incluem: caminhar no campo sempre com uma raquete na mão, esperar até que o seu adversário atravesse primeiro de um lado para o outro da rede nas trocas e puxar as costas dos seus calções exatamente da mesma maneira antes de servir. Algumas pessoas chamam-lhe obsessivo-compulsivo, mas Nadal diz que há um propósito por detrás das suas rotinas.

"Pus as duas garrafas aos meus pés, em frente da minha cadeira à minha esquerda, uma bem atrás da outra, em diagonal, apontadas para o court. Alguns chamam-lhe superstição, mas não é", explicou uma vez. "Se fosse superstição, porque continuaria eu a fazer a mesma coisa, quer ganhe ou perca? É uma forma de me colocar num jogo, ordenando o que está à minha volta de uma forma que corresponda à ordenação que procuro na minha cabeça".

O que isso significa: Confúcio, o maior filósofo da China, teria dado a Nadal uma nota 20. O filósofo do século V enfatizou a importância de desenvolver rituais para levar uma boa vida. Por exemplo, ele endireitava sempre o seu tapete antes de se sentar e nunca ensinava enquanto comia. Disse que os pequenos rituais das nossas vidas cultivam o bom carácter.

No caso de Nadal, os rituais ajudam-no a manter a calma em situações incrivelmente stressantes. Podem fazer o mesmo por outros fora do campo de ténis.

Os rituais são transformadores, segundo Confúcio, porque "permitem-nos ser uma pessoa diferente por um momento" e criam uma "realidade alternativa de curta duração que nos devolve à nossa vida normal ligeiramente alterada", escreveram Michael Puett e Christine Gross-Loh em "The Path: What Chinese Philosophers Can Teach Us About the Good Life." [tradução livre: "O Caminho: O que os Filósofos Chineses Podem Ensinar-nos sobre a Vida Boa"].

"Ele [Confúcio] não estava apenas a endireitar o seu tapete porque gostava que as coisas parecessem limpas", escreveram. "Ele compreendeu que ações aparentemente menores, tais como arranjar o lugar onde as pessoas se sentariam, criariam um ambiente diferente que poderia afetá-las profundamente. O equivalente moderno do ritual do tapete poderia ser a nossa rotina ao jantar: quando pomos a mesa, talvez colocando os nossos pratos e guardanapos, até mesmo acendendo velas, saímos da nossa vida normal e criamos uma realidade alternativa para nós próprios e para os que estão connosco".

Lição 3: ser humilde

Rafael Nadal entrevistado pela pivot Candy Reid da CNN International, a 14 de Setembro de 2010, em Nova Iorque, depois de ter ganho o Open dos EUA de 2010.

O momento: quando Nadal ganhou o Open dos EUA 2010 aos 24 anos de idade, tornou-se um dos jogadores masculinos mais jovens a conquistar os quatro títulos do Grand Slam. Após o jogo, alguém perguntou-lhe se se considerava melhor do que o seu grande rival Roger Federer. Nadal disse que os debates sobre ele ser superior a Federer eram "estúpidos", porque era óbvio que Federer era melhor.

Alguns atletas constroem a sua reputação com base na sua confiança. Muhammad Ali declarou-se o maior. Michael Jordan revelou-se na sua competitividade de cortar a respiração. Mas se se pudesse destilar a marca desportiva de Nadal numa só palavra, ela poderia ser humildade. É um tema constante na sua carreira.

Raramente - se é que alguma vez o faz - fala das suas conquistas, recusa-se a rebaixar os seus rivais, viaja em público sem grandes comitivas, fica depois de jogos e assina autógrafos. Essa reputação é uma das razões pelas quais Nadal foi galardoado com o prémio Stefan Edberg de desportivismo pelos seus colegas jogadores durante quatro anos consecutivos.

"As pessoas por vezes exageram neste tema da humildade", disse uma vez numa conferência de imprensa. "É simplesmente uma questão de saber quem somos, onde estamos, e que o mundo continuará exatamente como está sem nós".

O que isso significa: a importância da humildade ou modéstia pode ser rastreada até Aristóteles e pensadores cristãos como Tomás de Aquino, diz Frias.

"Aqueles que exibem temperança impedem que os seus apetites controlem plenamente as suas ações e que os seus desejos sejam irrelevantes para as suas ações", diz. "Tal como Aristóteles, Aquino liga a humildade à capacidade de desejar o que é adequado às nossas capacidades, aceitando as limitações que Deus nos deu”.

"Mais uma vez, a humildade e a ascese andam de mãos dadas. Os indivíduos ascéticos disciplinam-se para manterem os seus apetites sob controlo e para se concentrarem no que realmente importa. No exercício da humildade, Nadal reforça os traços ascéticos do seu carácter moral. "

Lição 4: não se preocupe com o que não pode controlar

O momento: a final de Wimbledon 2008 entre Nadal e Federer é amplamente considerada a melhor partida de ténis alguma vez jogada. O jogo teve de tudo: shots de ficar de boca aberta cair, atrasos por causa da chuva e um final dramático, uma vez que a luz do dia estava a desvanecer-se no campo central de Wimbledon.

Foi uma partida que Nadal quase perdeu. Quando Federer recuperou de estar a perder por dois sets e empatou o jogo, muitos esperavam que Nadal ficasse emocionalmente esmagado. Mas durante uma pausa no jogo, Nadal disse algo interessante ao seu treinador e tio, Toni Nadal.

"Relaxa", disse Nadal ao seu tio Toni. "Eu não vou perder este jogo. Talvez Federer ganhe, mas eu não vou perdê-lo".

O que isso significa: a citação de Nadal reflecte a sabedoria do estoicismo, uma filosofia nascida na Grécia antiga que "abraça o autocontrolo, a virtude e a indiferença pelo que não podemos controlar".

Nadal tomou a mesma atitude estóica em relação aos altos e baixos da competição e da fama como atleta ao longo da sua carreira. Pode ser uma das razões pelas quais competiu a um nível superior ao de muitos dos seus pares, que desde então se reformaram, e porque desafiou peritos que disseram que ele não iria jogar até aos 30 anos por causa do seu estilo punitivo.

"Nadal parece abordar os seus jogos de forma bastante estoica. Ele reconhece que não pode controlar o resultado do jogo. O resultado depende de muitas variáveis, incluindo a sorte e o desempenho dos adversários", diz Frias. "Nem mesmo o seu desempenho está inteiramente sob o seu controlo. Ele pode lesionar-se ou ser ultrapassado pelo desempenho superior de um adversário. Contudo, ele sabe que há um aspeto do seu desempenho que ele pode controlar: a sua dedicação e esforço".

A filosofia de Nadal também reflete a forma como ele vê o seu oponente, diz Frias. O jogador vê o desporto como uma "busca mútua pela excelência".

"Nesta visão do desporto, uma competição não é um jogo de soma nula com apenas um vencedor", diz Frias. "Em vez disso, todos os que se envolvem na competição beneficiam disso". Afinal, elogiou os seus adversários e falou do quanto gostou de enfrentá-los, mesmo quando eles o derrotaram".

O “Pai Tempo” acaba por derrotar todos os seus adversários. Em Opens de França anteriores, Nadal foi considerado garantido para o título. Mas os rivais mais jovens ameaçam depor o homem conhecido como o Rei da Terra Batida.

Aconteça o que acontecer neste Open francês, um resultado é certo. Ganhe ou perca, Nadal reagirá não apenas como um atleta mas como um filósofo - com humildade, temperança, e como alguém que "gosta do sofrimento" que vem com toda a nobre busca da excelência.

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