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Comentador CNN

Que se lixem as eleições | O "menino guerreiro" do PS

30 jul, 07:10

Pedro Nuno Santos voltou e vai andar por aí. Como se fosse pequeno o caderno de encargos que deixou ao seu sucessor – um partido com poucos votos, poucos deputados, pouco dinheiro e poucas ideias –, decidiu pôr-lhe mais pedras no caminho. Para este menino guerreiro, a luta continua

Pedro Nuno Santos anda por aí. Saíu da liderança do PS pelo seu próprio pé, vencido, mas não convencido. Duplamente vencido. Aquele que muitos viam como o novo “Menino de Ouro do PS” (rótulo em tempos colado a José Sócrates e título de uma biografia panegírica do então grande líder) conseguiu a proeza, nunca antes tentada, de perder duas eleições legislativas seguidas, com o bónus de, entre uma e outra, aumentar significativamente a distância para o vencedor. 

Da primeira vez, em 2024, até se entende: o país foi apanhado de surpresa pela demissão de António Costa, Pedro Nuno não estava pronto, mas não podia ficar nas encolhas, e avançou, de queixo erguido e discurso mal amanhado. Não teve tempo, não estava preparado, perdeu para Luís Montenegro por poucochinho. Por azar, como toda a esquerda mirrou, não havia condições para refazer a geringonça. Não teve remédio senão ficar na oposição, supostamente a preparar uma alternativa e a ganhar balanço. 

Era óbvio que o governo minoritário da AD seria sol de pouca dura, e foi notório como, desde a tomada de posse, Montenegro & sus muchachos entraram em modo de campanha eleitoral. O líder socialista, esse, agia como se tivesse todo o tempo do mundo, com calendários largos e autoconfiança q.b., deus o guarde.

A galinha sem cabeça

E eis que aconteceu o óbvio – o Governo aproveitou a primeira oportunidade para se vitimizar, provocar uma crise política que imputou à oposição, e ir a votos. Pedro Nuno, que da primeira vez tinha a desculpa de não estar preparado, da segunda vez voltou a não estar preparado. O PS em campanha parecia uma galinha sem cabeça, e Pedro Nuno, que devia ser essa cabeça, padecia de multipla personalidade, sendo uns dias um cordeirinho centrista e noutros dias um falcão esquerdista. Nenhuma das cabeças assentou no corpo da galinha desvairada, que continuava a ziguezaguear sem saber para onde ia. Naturalmente, perdeu as eleições, e por valores ainda mais expressivos do que da primeira vez. Pedro Nuno Santos, que foi um mau candidato a primeiro-ministro mas não é politicamente destituído, percebeu que não tinha condições para lutar pela chefia do PS, depois de duas provas tão ostensivas de incapacidade de liderança. 

Saiu, mas esbracejando. Que é como quem diz, insistindo que tinha razão, tentando amarrar o líder seguinte a uma estratégia duas vezes derrotada, e dando todos os sinais exteriores de que iria “andar por aí”. Lembra-se de quem disse em tempos que iria “andar por aí”, igualmente na hora de sair depois de uma derrota humilhante? Pedro Santana Lopes. Afinal, Pedro Nuno não é o novo “Menino de Ouro do PS”; é o novo “Menino Guerreiro”. 

“Um homem também chora”

Lembram-se do Menino Guerreiro, a canção que o emotivo Santana tinha como hino de campanha em 2005? O verdadeiro nome da canção é “Um homem também chora”, do seu primeiro verso, e a letra, do brasileiro Gonzaguinha, é toda uma sucessão de pérolas. Gosto especialmente desta quadra, que parece escrita para o Pedro Nuno Santos de 2025: “Eu vejo que ele berra /Eu vejo que ele sangra / A dor que tem no peito / Pois ama e ama.”

Talvez seja porque Pedro Nuno “ama e ama” o PS, talvez seja porque se “ama e ama” a si próprio, se sente um predestinado e investiu uma vida toda para chegar a secretário-geral do PS e depois a primeiro-ministro (e diz o poeta: “Um homem se humilha / Se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida / E vida é trabalho”). O certo é que Pedro Nuno voltou, e anda “por aí”, nas redes sociais. 

Nos últimos dias escreveu dois posts no Facebook e no Instagram sobre temas quentes da atualidade política. Sobre as propostas do Governo para alterar as licenças por luto gestacional, sentenciou, entre outras considerações, que se trata de “mesquinhez, insensibilidade e ignorância!” Sobre o acordo tarifário assinado entre a UE e a Admnistração Trump, carregou na adjetivação. “A UE teve uma colossal derrota nas negociações sobre as tarifas ao comércio entre a UE e os EUA. Sai humilhada, com um acordo que prejudica a indústria europeia”, escreveu. 

Vale a pena recordar que, do lado europeu da negociação não estava apenas Ursula von der Leyen, mas também António Costa, que se tornou a némesis de Pedro Nuno. Já agora, também vale a pena assinalar que, na questão do acordo UE-EUA, a opinião expressa por PNS está nos antípodas do que foi dito por José Luís Carneiro, o homem que se senta hoje na cadeira de secretário-geral socialista. O novo líder do partido considerou que o acordo tarifário, pelo qual todas as exportações europeias pagam uma taxa de 15% à entrada nos EUA, sem que haja reciprocidade do lado europeu, não é o ideal, mas é o possível. Mais: é melhor do que a incerteza que prevalecia e tão bom com o acordo conseguido pelo Japão, e melhor do que teve o Canadá. “O mais importante é estabilizar as expectativas e acabar com a incerteza. Impor tarifas só aumentaria o custo dos produtos nos nossos mercados”, defendeu Carneiro. Já no caso da licença por luto gestacional, a posição de Pedro Nuno coincide com as opiniões oficiais do PS. 

O que quer Pedro Nuno? 

O que motiva este regresso? Minar a autoridade do recém-eleito líder do PS, numa atitude de quanto pior melhor? Começar a assentar tijolo para poder voltar à liderança do partido? Dar prova de vida? Que reparem nele para voltar a ser comentador televisivo, uma experiência que fez de forma breve e pouco marcante? Não faltam opiniões. Mas que não quer sair de cena é óbvio: mantém-se como deputado e agora voltou à vida nas redes sociais.

Talvez o homem que conduziu o PS para o seu maior desafio existencial, baixando o score eleitoral de 28% para 22,8%, perdendo 400 mil votos e vinte deputados, e caindo para a condição nunca antes vivida de terceira força política, não seja exatamente o treinador de bancada de que o partido precisa.

Talvez fosse mais leal dar tempo para o novo líder mostrar o que vale, como José Luís Carneiro fez com Pedro Nuno Santos, quando este o derrotou em 2023. O PS aproxima-se de uma eleições autárquicas que serão um teste à sua pulsação, e de uma presidenciais que deverão voltar a testar a sua coesão. 

Entretanto, Carneiro oscila entre a predisposição para entendimentos com o PSD, para não o deixar sozinho a dançar o tango com o Chega, e a ameaça de romper com o partido do Governo, que nesta fase tem mais de bluff do que de beligerância. O líder socialista precisa de correr em duas pistas em simultâneo, a da espuma diária, e a da preparação de uma alternativa credível. Tem sarilhos de sobra.

Massa-mãe ou mistela?

O posicionamento de Carneiro é o esperado – no centro esquerda, com pontes para a direita democrática – e o órgão de aconselhamento de acaba de criar para o ajudar a pensar políticas e a fazer o programa eleitoral materializa esse espectro político. Ao lado de clássicos como Augusto Santos Silva e José António Vieira da Silva, estará Siza Vieira, que se eclipsou no segundo governo de Costa, Filipe Lobo d’Ávila, ex-CDS que foi alto dirigente desse partido nos tempos de Portas e chegou a candidatar-se à chefia dos centristas, mas também Paulo Pedroso, que se desfiliou do PS mas tem animado um think tank de esquerda que conta com gente insuspeita de centrismos, como a ex-dirigente do BE Ana Drago ou antigo secretário-geral da CGTP Carvalho da Silva. 

É cedo para saber se esta misturada de ingredientes se vai ligar e fazer a massa-mãe do futuro do PS, ou se dará apenas uma mistela imprestável. Mas José Luís Carneiro merece o benefício da dúvida, nem que seja por ter sido o único que se chegou à frente para colar os pedaços do PS que o Menino Guerreiro escaqueirou. 

A culpa do estado em que está o PS é só de PNS? Claro que não. Desde o cenário macroeconómico apresentado por António Costa em 2015 que o partido perdeu a capacidade de pensar o país, definir objetivos e articular um discurso com cabeça, tronco e membros. Os dois anos de maioria absoluta de Costa, esses, foram trágicos.

Tudo isso faz parte da bagagem que José Luís Carneiro tem de levar às costas na subida íngreme que tem pela frente. A cada passo, Carneiro terá de saber alijar a tralha e carregar o que vale a pena. Escusa de ter Pedro Nuno Santos a meter-lhe pedras no caminho. Se não por uma questão de bom senso, pelo menos por uma questão de decência.

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