Gleb Karakulov tratou da segurança de Putin. Gleb Karakulov fugiu de Putin. Gleb Karakulov é procurado por Putin. Gleb Karakulov revela agora as "paranoias" de Putin

6 abr 2023, 14:26
Vladimir Putin na cerimónia que celebra o Dia Nacional do Defensar da Pátria (Pavel Bednyakov/AP Photo)

 

 

Trabalhou durante vários anos como responsável pela segurança do presidente russo. No ano passado abandonou a vida de capitão do Serviço Federal de Segurança e revela agora detalhes da vida "paranóica" do presidente russo. O jornal The Guardian confirmou que Karakulov é um homem procurado pelo Ministério do Interior da Rússia

Um presidente que "perdeu o contacto com o mundo" e que vive "um medo patológico pela sua vida". É assim que Gleb Karakulov, um antigo responsável pela segurança de Putin e de outros altos funcionários do Kremlin, descreve o presidente da Rússia.

Numa entrevista ao Dossier Center, Karakulov, que desertou da Rússia em outubro do ano passado durante uma viagem de Vladimir Putin ao Cazaquistão, revela detalhes da vida "paranoica" do presidente russo, com quem trabalhou de perto enquanto capitão do Serviço Federal de Segurança (FSO, na sigla em inglês).

De acordo com o desertor, de 36 anos, o presidente russo tem escritórios idênticos em diferentes cidades - nomeadamente em São Petersburgo, Sochi e Nova-Ogaryovo -, viaja num comboio por uma rede de caminhos de ferro secreta e tem uma rede de comunicações encriptadas. Foi, aliás, o próprio Karakulov quem estabeleceu essa rede de comunicações - "nas aeronaves, nos helicópteros, nos iates" e até no "comboio especial" de Putin.

Karakulov fazia parte da “equipa de terreno” da direção de comunicações presidenciais, que, entre outras funções, encripta mensagens de altos funcionários russos. O engenheiro admite ter acompanhado esses mesmos funcionários em mais de 180 viagens.

Credencial de Karakulov no FSO (Fotografia divulgada pelo Dossier Center)

Questionado sobre o que é um "comboio especial", o antigo capitão respondeu que se trata de "um comboio que está sob o comando do presidente". "Parece um comboio como todos os outros - cinza, com uma faixa vermelha." E, segundo Karakulov, Putin viaja neste comboio precisamente por ser "menos percetível" entre os restantes. Afinal, "quantos comboios cinzentos existem?", questiona. Além disso, acrescenta, o comboio "não é rastreado", ao contrário dos aviões, por exemplo.

Vladimir Putin começou a viajar naquele comboio, que começou a ser equipado em 2014 ou 2015 - Karakulov não consegue precisar -, "provavelmente entre agosto e setembro de 2021".

O engenheiro adianta ainda que os serviços de inteligência costumam utilizar automóveis e aeronaves disfarçadas para "confundir" os inimigos: “É um estratagema para confundir os serviços de inteligência externos e para prevenir um atentado contra a sua vida".

A "paranóia" com as comunicações encriptadas nos 'bunkers'

Interrogado depois sobre se alguma vez "estabeleceu uma ligação especial" num dos 'bunkers' do presidente russo, Karakulov respondeu que o fez numa visita ao Cazaquistão, na embaixada russa naquele país, nomeadamente no escritório do embaixador russo, na sala de estar e no abrigo antiaéreo. "É uma espécie de paranoia. Estás no território de outro Estado", observou.

O antigo capitão admite que Putin faz estas exigências ao nível da segurança por ter receio de ser alvo de um atentado. "Por que razão precisaria de um abrigo antiaéreo?"

Karakulov confirmou ainda que Vladimir Putin está constantemente a cumprir quarentenas, sobretudo desde o início da pandemia de covid-19. "É verdade. Já se passaram três anos [desde o início da pandemia] e o nosso presidente continua [em quarentena]. Nós [funcionários do Kremlin] temos mesmo de fazer quarentena duas semanas antes de qualquer evento, mesmo se [o evento] durar apenas 15 ou 20 minutos."

O engenheiro também foi questionado sobre a guerra na Ucrânia, nomeadamente sobre se notou alguma vez qualquer indício de que Putin daria ordens para invadir a Ucrânia. "Não havia absolutamente nada em termos de ações, nenhum pré-requisito, em específico nas ações pessoais de Putin. Mas, pelas ações transmitidas pelos media, já tinha percebido claramente que alguma coisa iria acontecer. Mas nunca pensei que fosse uma guerra em grande escala."

Um presidente que "vive um medo patológico pela sua vida"

Na entrevista, Karakulov disse que Vladimir Putin não é hoje o mesmo presidente que conheceu em 2009: "Pelo seu comportamento, são duas pessoas diferentes. Ou seja, nós lembramo-nos como o ex-diretor do FSB que se tornou primeiro-ministro e depois presidente era enérgico e ativo. Agora ele está muito fechado. Ele protegeu-se do mundo inteiro com todos os tipos de barreiras - a quarentena, a falta de informação. A sua percepção da realidade foi distorcida".

“O nosso presidente perdeu o contacto com o mundo. Nos últimos anos, ele tem estado a viver numa bolha de informação, a passar mais tempo nas suas residências - que os media designam muito apropriadamente como ‘bunkers’. Ele vive num medo patológico pela sua vida. Ele rodeia-se de uma barreira impenetrável de quarentenas e de um vácuo de informações. Apenas valoriza a sua própria vida, a da sua família e a dos seus amigos."

Gleb Karakulov não tem problemas em admitir que Vladimir Putin "se transformou num criminoso de guerra" e apelou aos seus antigos colegas no FSO para que divulguem aquilo que sabem: "Vocês têm informações que não são transmitidas pela televisão. E eu apenas vi uma parte ínfima dessa informação. Vocês podem ajudar os cidadãos a saber a verdade. Eu tenho a certeza de que já se questionaram sobre as ações do comandante supremo, mas o juramento obrigou-vos a não questionar e a seguir as ordens. Mas o que está acontecer agora vai além de todos os limites. Vocês não devem cumprir ordens criminais e não devem servir este criminoso de guerra - Vladimir Putin. Eu considero-o um criminoso de guerra".

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