A raiva de Putin contra civis é o prenúncio de uma nova fase - brutal - na guerra

CNN , Análise de Stephen Collinson
12 out 2022, 07:00
Vladimir Putin

A mais recente demonstração de brutalidade e vingança de Vladimir Putin pode ser um acesso de fúria por a sua adorada ponte da Crimeia ter sido mandada pelos ares. Mas o seu ataque indiscriminado a civis ucranianos levanta também a perspetiva de um novo e horrível rumo numa guerra feroz.

Na segunda-feira, mísseis russos danificaram uma ponte pedonal com o fundo em vidro que é uma popular atração turística em Kiev, rebentaram cruzamentos à hora de ponta e caíram perto de um parque infantil. Houve cortes de energia em todo o país, afetando também o abastecimento de água e os transportes, com ataques que fizeram lembrar o terror infligido aos civis nos primeiros tempos da invasão, mas que tinham abrandado em grande medida nos últimos tempos.

Os ataques roubaram a aparente normalidade que os habitantes da cidade - que no início da guerra passaram meses em túneis de metropolitano transformados em abrigos aéreos - tinham conseguido devolver às suas vidas, e trouxeram o medo de novos ataques.

A mensagem foi óbvia para o mundo inteiro. Putin não pretende ser humilhado. Ele não irá admitir a derrota. E está preparado para levar a cabo uma carnificina de civis e lançar terror indiscriminado em resposta à série de reveses que tem no campo de batalha.

Mas os alvos de segunda-feira tiveram pouco valor militar e, no máximo, serviram para refletir a necessidade que Putin tem de encontrar novos alvos devido à sua incapacidade de derrotar a Ucrânia no campo de batalha.

O bombardeamento de centrais elétricas, em particular, parece ter sido uma dica nada subtil do sofrimento que o presidente russo pode infligir quando o inverno chegar, mesmo quando as suas tropas retiram perante a utilização de armas ocidentais pelas tropas ucranianas.

Esta possibilidade de Putin poder estar a antecipar uma reviravolta sangrenta numa guerra que já passou por várias fases estratégicas desde a invasão em fevereiro ficou a pesar nas mentes dos líderes políticos e militares de Washington após estes ataques. A reação que tiveram foi de repugnância por Putin estar novamente a lançar uma guerra impiedosa sobre civis que recorda o horror na Europa no século XX.

Como devem os EUA responder

Os ataques a civis, que mataram pelo menos 14 pessoas, voltaram também a chamar a atenção para os passos seguintes que os EUA e os aliados devem dar para responder, depois de já terem enviado milhares de milhões de dólares em armas e equipamentos para a Ucrânia naquela que é efetivamente uma guerra por procuração com Moscovo.

Na segunda-feira, o presidente Joe Biden falou com o presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia e ofereceu sistemas avançados de defesa aérea que podem ajudar a defender os ataques aéreos russos, mas a Casa Branca não disse em concreto o que poderia ser enviado.

John Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho Nacional de Segurança, indicou que Washington estava a analisar favoravelmente os pedidos da Ucrânia e que ele estava em contacto quase diário com o governo de Kiev. “Faremos o melhor que pudermos nos pacotes posteriores para satisfazer essas necessidades”, segundo disse a Kate Bolduan da CNN.

Kirby não foi capaz de dizer se Putin estava em definitivo a mudar a sua estratégia da derrota na guerra no campo de batalha para uma campanha para esmagar o moral civil e infligir danos arrasadores nas cidades e infraestruturas ucranianas, apesar de ter sugerido que era uma tendência que se estava a desenvolver nos últimos dias e que já vinha a ser preparada.

“É provável que fosse algo que eles já andavam a planear há bastante tempo. Nada diz que a explosão na ponte da Crimeia não tenha acelerado parte dos planos”, disse Kirby.

O massacre de civis seria consistente com o currículo do novo general russo que lidera a guerra, Sergey Surovikin, que serviu na Síria e na Chechénia. Em ambos os sítios, a Rússia bombardeou indiscriminadamente zonas civis e arrasou bairros habitacionais e infraestruturas tendo sido acusada de cometer graves violações dos direitos humanos.

A chuva de fogo contra os civis ucranianos na segunda-feira também fez gelar o sangue, pois aconteceu após a recente ameaça nuclear de Putin e os dias a debater se ele pode ou não usar uma arma nuclear tática. Se não o fizer, parece improvável – perante a sua indiferença ao sofrimento civil – que essa decisão seja motivada pelo desejo de poupar inocentes a uma arma tão horrível. No entanto, Kirby disse que não há indícios de a Rússia estar a ativar armas nucleares ou de os EUA terem de mudar a sua postura nuclear.

Mas o presidente francês Emmanuel Macron sublinhou a preocupação ocidental quanto ao facto de os ataques de segunda-feira à hora de ponta na Ucrânia poderem ser o prelúdio de outra mudança de rumo no conflito.

“É uma mudança profunda na natureza desta guerra”, disse aos jornalistas.

Putin está a antecipar um inverno sombrio

O tenente-coronel aposentado Alexander Vindman, antigo diretor para os Assuntos Europeus no Conselho Nacional de Segurança, disse que, ao atacar alvos com o intuito de prejudicar o moral ucraniano e as infraestruturas elétricas, Putin estava a enviar uma mensagem sobre como se irá desenrolar a guerra nos próximos meses.

“Ele estava a enviar um telegrama sobre o que vai fazer ao entrarmos no inverno. Ele vai obrigar a população ucraniana a chegar a um meio-termo, a ceder território, ao atacar estas infraestruturas”, disse Vindman ao “New Day” da CNN.

Vindman apelou aos EUA para fornecerem equipamento de defesa aérea e armas capazes de atacar os drones de fabrico iraniano usados nos ataques de segunda-feira.

Igor Zhovkva, principal conselheiro diplomático de Zelensky, disse a Wolf Blitzer no “The Situation Room” da CNN que a Ucrânia abateu 56 dos 84 mísseis e drones disparados pela Rússia numa aparente vingança pela explosão de uma ponte estratégica que liga o território anexado da Crimeia, que é crucial para o esforço de guerra de Moscovo e um símbolo da liderança de Putin.

“Imagine se tivéssemos equipamento moderno. Provavelmente, poderíamos aumentar o número de drones e mísseis abatidos para não morrerem civis inocentes nem ferir e magoar ucranianos”, disse Zhovkva.

Uma campanha prolongada de Putin contra civis teria como objetivo quebrar o moral ucraniano e possivelmente desencadear uma nova vaga de refugiados para a Europa de Leste, o que poderia causar divisões entre os aliados da NATO que apoiam a Ucrânia.

Porém, os primeiros indicadores sugerem que Putin voltou a avaliar mal como o mundo iria responder à sua brutalidade. Macron, por exemplo, disse que os ataques iam levar França a aumentar o seu apoio militar a Kiev. As imagens traumáticas de civis ucranianos a transmitirem em direto os mísseis russos a passarem por cima das suas cabeças e as explosões podem servir para endurecer a opinião pública do Ocidente que está também sob pressão este inverno devido à guerra energética de Putin. E quando muito, abrir fogo contra civis mostra a fraqueza russa e não a ucraniana, pois sugere que Putin é incapaz de responder no campo de batalha às derrotas humilhantes das suas tropas.

A lição a retirar desta guerra horrível é que tudo o que Putin fez para fraturar uma nação que ele julga que não tem o direito de existir só conseguiu fortalecê-la e uni-la.

Olena Gnes, uma mãe de três filhos que está a documentar a guerra no YouTube, disse na segunda-feira a Anderson Cooper da CNN, em direto a partir da sua cave na Ucrânia, que estava revoltada com o regresso do medo e da violência à vida dos ucranianos devido a uma nova ronda de “terrorismo” russo.

Mas jurou, enquanto embalava o seu bebé, que a tática de Putin não iria resultar.

“É apenas mais terrorismo para provocar o pânico, para dar medo às pessoas dos outros países ou para mostrar ao seu próprio povo que ainda é um tirano sanguinário, que continua poderoso e mostrar o fogo de artifício de que são capazes,” disse.

“Não estamos desesperados. Temos mais certeza do que nunca de que a Ucrânia irá vencer e precisamos que seja o mais depressa possível porque só quando vencermos esta guerra e derrotarmos a Rússia é que voltaremos a ter paz aqui.”

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