Putin não engana ninguém - muito menos Xi

CNN
15 set 2022, 17:49
O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin. (Greg Baker/Pool Photo via AP, File)

OPINIÃO | Frida Ghitis, ex-produtora e correspondente da CNN, é colunista de assuntos mundiais. É colaboradora semanal de opinião da CNN, colunista colaboradora do The Washington Post e colunista da World Politics Review. As opiniões expressas neste comentário são suas

A última vez que o presidente russo Vladimir Putin se encontrou com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, o futuro parecia muito diferente. Putin ainda negava qualquer plano para invadir a Ucrânia, algo que fez poucos dias depois de participar nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 em Pequim, em fevereiro. Xi e Putin mantiveram-se juntos, irmãos na autocracia, unidos para enfrentar o Ocidente. Declararam que a relação entre ambos “não tinha limites”.

Passados sete meses, Putin volta a encontrar-se com Xi, o líder mundial mais poderoso que ainda está ao seu lado, já que o panorama mudou drasticamente. Ambos participarão na cimeira anual da Organização de Cooperação de Xangai, em Samarcanda, no Uzbequistão, durante esta semana, onde se verão pela primeira vez desde o início da guerra - a primeira vez desde o encontro em Pequim, uma época em que Putin, aparentemente, esperava que as suas forças tomassem Kiev numa questão de dias, desferindo um golpe doloroso não apenas na Ucrânia, mas também nos Estados Unidos e nos seus aliados.

Na altura, essa perspectiva era partilhada por muitos pelo mundo, incluindo os EUA. Mas a realidade acabou por ser bastante diferente, e agora os russos estão a fugir de zonas da Ucrânia que controlaram durante cinco meses, perdendo mais território em poucos dias do que aquele que capturaram - a um custo muito elevado - durante os meses de combates.

A surpreendente reviravolta é um tributo à determinação e coragem dos combatentes ucranianos, à liderança inspiradora do presidente Volodymyr Zelensky, ao apoio hábil, determinado e generoso de Washington e à resposta firme e inesperadamente unida do Ocidente. É uma fórmula que funcionou muito melhor do que se esperava, e que deve continuar enquanto a Rússia, ainda entrincheirada em grandes áreas da Ucrânia, tenta reverter a maré.

Em Samarcanda, Putin manterá, sem dúvida, a sua atitude triunfante e autoconfiante - mas isso não enganará ninguém, muito menos Xi, que deve estar profundamente preocupado com o surpreendente colapso das forças russas no nordeste da Ucrânia.

De que forma é que tudo mudou? Não só a Rússia está humilhada, a Ucrânia exuberante e o Ocidente unido, mas até a China, que ainda manifesta o seu apoio ao Kremlin, começa a fazer declarações que envergonham a Rússia.

Devemos ter em conta que, na semana passada, a Rússia confirmou que Xi e Putin se encontrariam à margem da cimeira para conversas “muito importantes”. A China confirmou a viagem de Xi, mas o Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, na terça-feira, recusou-se a confirmar uma possível reunião com o presidente russo. Essa reunião certamente acontecerá, mas a reticência pública da China foi mais um momento constrangedor para Putin, numa semana repleta de desconforto e humilhação.

A relação entre Xi e Putin nunca foi de igual para igual, mas agora Putin vai encontrar-se com Xi durante um dos momentos mais desastrosos da sua invasão. É provável que tente obter mais apoio de Xi, que tem sido generoso nas palavras, mas muito menos nas ações.

Em fevereiro, a China repetiu a afirmação de Putin de que a expansão da NATO era o problema na Ucrânia. E Xi declarou que Putin era o seu “melhor amigo do peito”. As relações comerciais entre os dois países cresceram desde o início da guerra e o Ocidente impôs sanções. Mas a China tem-se mostrado relutante em quebrá-las ou em intervir para ajudar a Rússia a colmatar as suas cada vez maiores necessidades a nível militar. Se o tivesse feito, Putin poderia ter evitado o espetáculo constrangedor de pedir armas ao Irão e à Coreia do Norte, duas potências menores, embora igualmente agressivas.

Putin precisa de Xi muito mais do que Xi precisa de Putin, e esse desequilíbrio cresceu muito desde o último encontro dos líderes.

Tal como Xi, Putin impôs um regime repressivo centrado num só homem - ele mesmo. E a supressão do presidente russo de todas as críticas sobre a guerra tomou um rumo esperado. Aqueles que se opuseram à “operação militar especial” foram presos, exilados ou, na sua maioria, ficaram em silêncio. Mas agora alguns dos mais ruidosos apoiantes da guerra estão irados, enfurecidos com o fraco desempenho dos militares. (Até já lhe chamam “guerra” - uma palavra que não podia ser pronunciada antes sem pena de sofrerem alguma consequência.)

É um momento perigoso para todos. Um homem forte não se pode dar ao luxo de ser fraco, e Putin sabe disso.

Então, o que fará Xi quando Putin lhe pedir mais apoio?

Por enquanto, é improvável que Pequim descarte a sua aliança não-oficial com Moscovo, mesmo que a Rússia seja uma potência muito diminuída. Xi quer ser o líder de uma frente global que se opõe à ordem democrática liberal liderada pelos EUA. Para isso, ele precisa de alinhar o apoio de nações grandes e pequenas. E a Rússia continua a ser uma nação importante com armamento nuclear.

Um aspeto também crucial para a China é a Rússia possuir vastos recursos naturais, incluindo petróleo e gás. A Rússia já está a aumentar bastante o fornecimento de combustível à China, à medida que a Europa se movimenta para acabar com a dependência da Rússia.

Há sete meses, Xi pode ter gostado da ideia de a Rússia esmagar rapidamente uma Ucrânia orientada para o Ocidente. Poderia ter aprovado ou pelo menos concordado com um plano que revelasse as divisões dentro da NATO, enfraquecendo assim a influência dos Estados Unidos.

Mas nada disso aconteceu, e a preocupação mais imediata da China, neste momento, é a economia. A guerra de Putin está a criar mais problemas no pior momento possível.

No próximo mês, realizar-se-á o congresso do Partido Comunista da China, um evento que acontece duas vezes por década. Xi, a figura mais poderosa da China desde Mao, deve garantir um terceiro e sem precedentes mandato, num ambiente de uma forte desaceleração económica, agravada pela política extrema de Zero Covid. A possibilidade de uma recessão global, intensificada pela guerra do gás da Rússia contra a Europa, atingiria duramente a China que depende muito das suas exportações.

Na verdade, a guerra de Putin já contribuiu muito para fazer o mundo reavaliar a sua dependência económica das autocracias. Isto é, no mínimo, uma má notícia para a China.

É altamente improvável que Xi concorde em providenciar uma vaga de ajuda militar à vacilante invasão russa. Em vez disso, ele pode tentar encontrar um caminho para acabar com a guerra, a fim de aliviar os problemas económicos e evitar ainda mais distúrbios. A esporádica ameaça russa em usar as armas nucleares coloca a questão de uma ainda maior turbulência global que, além de criar uma catástrofe mundial, atingiria o crescimento económico e as exportações chinesas, no mínimo.

Tudo isso se soma a um panorama que teria parecido impensável quando os dois líderes, cheios de confiança, se encontraram em Pequim em fevereiro. Olhando para as perspetivas do futuro, talvez ambos gostassem de poder recuar no tempo.

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