"O exército russo sabia que os ucranianos iriam atacar Kursk...mas não fizeram nada": são os próprios apoiantes do regime de Putin que o dizem

8 ago, 20:12
Putin (Lusa/EPA/VALERIY SHARIFULIN ; SPUTNIK ; KREMLIN POOL)

Na manhã desta terça-feira a Ucrânia lançou uma ofensiva relâmpago, penetrando mais de 30 quilómetros em território russo. Mas há quem diga que a ofensiva era esperada e culpe o regime de Putin pela falha de segurança: "Como é que a Rússia permite que isto aconteça?"

Tudo terá começado logo pela manhã desta terça-feira, às 08:00 locais (menos duas horas em Portugal Continental), quando centenas de militares ucranianos apoiados por dezenas de veículos blindados, atravessaram a fronteira de Sumy para Kursk, região russa, iniciando uma incursão militar sem precedentes e que apanhou de surpresa o exército russo.

A operação militar, aparentemente "bem planeada", de acordo com os analistas, surpreendeu as defesas russas, que não esperavam um ataque naquela direção. Contudo, segundo o Moscow Times, vários bloggers militares russos estão a acusar o Ministério da Defesa de negligência, como é o caso de Anastasia Kashevarova que recorreu ao Telegram para dizer que "o exército russo sabia que os ucranianos iriam atacar Kursk...mas não fizeram nada".

Também os residentes da região fronteiriça de Kursk têm recorrido às redes sociais para acusar o exército de Putin de não ter feito tudo aquilo que estava ao seu alcance para proteger as populações.

"Ninguém quer saber de nós...os refugiados daquele país [Ucrânia] têm tudo o que precisam...e nós [russos] somos deixados à nossa sorte", escreve Lika Ivanova, residente em Sudzha, uma cidade da região Kursk que faz fronteira com a Ucrânia e que foi dada como uma das primeiras localidades a ficar sob controlo das tropas de Kiev. 

Um outro residente naquela região, Andrei Nezlobin, numa publicação na rede social VKontakte, questiona: "como é que a Rússia permite isto? Se não conseguem proteger a população, evacuem a zona. O resultado está à vista, mais vitimas".

À CNN Portugal o major-general Carlos Branco, especialista militar, explicou ser incompreensível que uma ofensiva desta dimensão não tenha sido detetada pelo exército russo e  acrescenta que "é um embaraço para o Kremlin" e para Putin que "está muito incomodado com esta situação".

Dados de 7 de agosto de 2024
Observações: "Avaliado" significa que o Instituto para o Estudo da Guerra recebeu informações fiáveis e verificáveis de forma independente que demonstram o controlo ou os avanços russos nessas áreas. Os avanços russos são áreas onde as forças russas operaram ou lançaram ataques, mas não as controlam. As áreas "reclamadas" são aquelas em que as fontes afirmaram estar a ocorrer controlo ou contraofensivas, mas o ISW não pode corroborar nem demonstrar que são falsas. 
Fontes: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI; LandScan HD para a Ucrânia, Laboratório Nacional de Oak Ridge
Gráficos: Lou Robinson e Renée Rigdon, CNN

A reação de Moscovo

De acordo com o Politico, o primeiro a dar o alerta do ataque ucraniano terá sido o Governador da região de Kursk, Alexei Smirnov, que numa publicação no Telegram escreveu "tentativas de passagem da fronteira", tendo mais tarde confirmado que o exército ucraniano "tinha atacado unidades das forças fronteiriças russas".

Em resposta à incursão ucraniana desta terça-feira, que rasgou uma nova frente de guerra além fronteiras, Putin destacou de imediato para a região de Kursk forças compostas por reservistas, que reclamaram ter destruído, logo nas primeiras horas, 16 dos carros de combate levados pelos ucranianos.

Ainda na terça-feira, dia da invasão, Smirnov, admitiu que a situação na fronteira continuava complicada, acrescentando que o exército russo estava "a fazer progressos na destruição do inimigo".

Um dia depois da incursão de Kiev, situação mais séria do que Moscovo inicialmente previa, Putin viu-se forçado a convocar uma reunião de emergência com membros do Governo para debater a ofensiva ucraniana na região de Kursk, que acabou por classificar como uma “provocação em grande escala”. 

Nessa noite Smirnov anunciou, numa mensagem publicada no Telegram, a entrada em vigor do "estado de emergência na região de Kursk".

Horas depois, conforme noticiado pelo Kyiv Independent  o chefe do Estado-Maior russo, Valery Gerasimov, afirmou que a tentativa de invasão da região de Kursk tinha sido "travada" e que a "operação terminará com a derrota do inimigo e com a reposição da fronteira".

Do outro lado, várias unidades militares ucranianas apressaram-se a publicar nas redes sociais as imagens captadas por drones de soldados ucranianos a reunir e capturar um número significativo de militares russos.

Ainda não se sabe muito acerca dos objetivos de Kiev, mas começam a surgir imagens do campo de batalha que permitem saber, pelo menos, quais as unidades militares que a Ucrânia empregou nesta operação. A ofensiva ucraniana recorreu a elementos da 22.ª Brigada Mecanizada ucraniana, bem como alguns elementos blindados do 82.ª Brigada de Assalto Aéreo. Estas duas unidades são algumas das mais experientes a operar no exército ucraniano e fizeram parte da batalha de Bakhmut e da contraofensiva do verão de 2023, em Robotyne. 

Sabe-se também que a Ucrânia mobilizou uma quantidade significativa de recursos de defesa antiaérea. Pelo menos um avião de combate e dois helicópteros russos foram destruídos enquanto tentavam atacar tropas ucranianas na região de Kursk. A ausência da utilização das bombas planadoras KAB russas dão a entender que a força aérea russa está a operar com cautela na região. 

A informação oficial é escassa e, em muitos casos (como no número de baixas) contraditária. Mas, através da geolocalização das imagens que aparecem no terreno, é possível ter uma ideia um pouco mais clara de onde estão a operar os dois exércitos. E com base nesse método, a penetração das forças ucranianas é significativa, se a compararmos com as movimentações no terreno das duas forças no último ano. As próprios fontes russas dão conta de um avanço de 30 quilómetros das forças ucranianas no território russo.

Situação "estável e sob controlo"

Na manhã desta quinta-feira o vice-governador de Kursk garantiu, citado pela agência de notícias russa Ria Novosti, que "de momento a situação está estável e sob controlo".

"Desde que as hostilidades começaram [na terça-feira] na região de Kursk, as baixas inimigas totalizaram 660 pessoas e 82 veículos blindados. Isto inclui oito tanques, 12 veículos blindados de transporte de pessoal, seis veículos de combate de infantaria, 55 veículos blindados de combate e um veículo de barreira de engenharia", disse o Ministério da Defesa russo, citado pelo Moscow Times, embora inicialmente tenha garantido que "apenas” 300 soldados ucranianos invadiram Kursk munidos de 31 veículos blindados. 

Os números avançados pela Rússia são contraditórios e contrastam com a contenção de Kiev que, até ao momento, muito pouco tem avançado sobre a situação. Volodymyr Zelensky afirmou esta quarta-feira, sem nunca se referir diretamente à situação em Kursk, que "é importante continuar a destruir o inimigo" e que quanta mais pressão se exercer sobre a Rússia "mais perto estaremos da paz".

“Esforçamo-nos por atingir os nossos objetivos o mais rapidamente possível em tempos de paz – em condições de paz justas. E isso vai acontecer”, garantiu.

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