Por que estão tão ansiosas e deprimidas as raparigas de hoje?

CNN , Elissa Strauss
16 out 2022, 19:00
Os pais devem encontrar formas de manter a conversa aberta com as raparigas, de modo a que elas falem nos momentos mais difíceis (Ljubaphoto/E+/Getty Images)

A minha adolescência, como muitos dos anos dessa fase, eram anos de crueza. Eu sentia-me vulnerável, desestabilizada e confusa. Descrevi cada um desses momentos nas páginas de diários, que se encontravam bem guardados.

Agora, ao olhar para trás, vejo que havia uma certa beleza nessa crueza. Todos esses sentimentos tão fortes ajudaram-me a descobrir quem eu era e que tipo de pessoas queria ter por perto. De igual forma, sinto-me sortuda por fazer parte da última geração que viveu a sua infância sem ser na era digital. Também fui a última a ser influenciada pelos jovens mais descontraídos da Geração X, em vez dos auto-otimizadores que se seguiram. Essa crueza estava, de alguma maneira, protegida das influências sociais, que ditavam o que eu deveria fazer ou como deveria ser.

Hoje em dia, isso não é verdade. As raparigas crescem com muitas pressões externas. Isso faz com que a sua transição para a adolescência, bem como para a idade adulta, seja mais perturbadora, em termos psicológicos, do que costumava ser. Nos últimos anos, há estudos que mostram picos acentuados de depressão e ansiedade entre as raparigas. Essas taxas são consideravelmente maiores do que nos rapazes.

No seu novo livro, "Girls on the Brink: Helping Our Daughters Thrive in an Era of Increased Anxiety, Depression, and Social Media" [Raparigas à beira de: como ajudar as nossas filhas a crescer numa era de aumento da ansiedade, depressão e redes sociais, na tradução literal], Donna Jackson Nakazawa analisa o motivo pelo qual isto acontece e o que podemos fazer relativamente a este assunto. A CNN conversou com Nakazawa sobre a nova neurociência aplicada às raparigas e à puberdade. Falou-se, de igual modo, de como o nosso estilo de vida rápido e online não se coaduna com as nossas necessidades psicológicas.

Esta entrevista foi editada e resumida para uma melhor clareza sobre o assunto

O que se passa nesta fase, a nível emocional, que torna a vida muito mais desafiante para as adolescentes?

Dá-se um grande enfoque ao desempenho e à competição. Os nossos filhos estão a perder essa parte importante da infância. Perdem aquela fase entre os 7 e os 13 anos, em que eles deveriam sair com os amigos e deviam deitar-se na relva para conversarem sobre qualquer coisa. Substituímos isso por uma cultura acelerada. A isso, também acrescentámos as redes sociais – algo que as crianças não deveriam usar até aos 13 anos. No entanto, muitas começam a usá-las muito mais cedo.

O enfoque que as redes sociais dão à aparência é difícil para as raparigas. Com base nisso, podem gostar ou não do seu aspeto físico (tommaso79/iStockphoto/Getty Images)

Uma vez que os jovens usam as redes sociais, o foco na aparência afeta sobretudo as raparigas. Com base na sua aparência, elas estão mais sujeitas a serem sexualizadas do que os rapazes. As adolescentes aprendem que, quanto mais roupas tirarem, mais "gostos" têm. Desta forma, os seus corpos serão avaliados.

A juntar a isto, há os problemas relacionados com o aquecimento global, os tiroteios nas escolas e tudo o resto. Literalmente, está tudo a subir de tom. As redes sociais são criadas para aumentar a intensidade da emoção. A acrescentar a isso, temos de ter em conta que as raparigas enfrentam ameaças adicionais, tais como: assédio sexual, violação e violência contra as mulheres, tudo isto somente pelo facto de serem do sexo feminino.

E os cérebros das raparigas são particularmente sensíveis a esses fatores de stress?

A puberdade é um momento extremamente vulnerável para o desenvolvimento cerebral das raparigas. Claro que isto também acontece aos rapazes e a todos os que se encontram nesse espetro. No entanto, esta situação é especialmente verdadeira para as raparigas. Quando o estrogénio começa a surgir na puberdade, este torna-se particularmente poderoso, uma vez que faz aumentar a resposta aos fatores de stress. Há uma boa razão para tal acontecer.

Se falarmos em termos evolutivos, o estrogénio é a principal hormona que estimula e regula o cérebro. Pelo lado bom, em circunstâncias normais, dá às mulheres a resposta imunológica adicional que ajuda a mantê-las saudáveis e fortes. No entanto, quando uma mulher enfrenta fatores contínuos que desencadeiam muito stress, isso pode fazer com que o nosso sistema tenha uma resposta exagerada. É por isso que as mulheres têm uma resposta mais forte às vacinas, mas sofrem de doenças autoimunes em maior número do que os homens. Fatores sociais que podem causar stress podem levar a uma resposta imune semelhante à que se tem quando se sofre danos físicos.

Quando as raparigas passam por fatores sociais e emocionais stressantes na puberdade - ao mesmo tempo em que o estrogénio se está a desenvolver - isso pode exacerbar os efeitos nocivos do stress na saúde e no desenvolvimento.

Além de tudo isso, as raparigas estão a passar pela puberdade em idades mais jovens.

A puberdade está a acontecer mais cedo. Tal sucede num momento em que o cérebro não deveria ser transformado. Todas essas partes do cérebro que ajudam a discernir o que devemos ou não responder e quando precisamos de ajuda, ainda não se desenvolveram.

Os cientistas ainda estão a tentar analisar os motivos pelos quais a puberdade está a acontecer mais cedo. Contudo, sabemos que tal está a acontecer. Em 1800, as raparigas tinham a menstruação por volta dos 16 anos. Na década de 1900, era por volta dos 15 anos. No entanto, em 2020, a média de idade foi de 11 anos. Pode ser que o desenvolvimento seja acelerado pelo stress ou devido a uma mudança na dieta. Alguns neurocientistas afirmam que é possível que a sexualização das raparigas, em idade precoce, seja outra parte da razão pela qual elas estão a passar pela puberdade mais cedo. Se o ambiente diz que uma pessoa é sexual, isso pode estimular os caminhos que desencadeiam a puberdade. Mas, para cada uma dessas teorias, há sempre alguém que diz que isso não está comprovado.

Seja qual for a razão para isto estar a acontecer, há cada vez mais raparigas que passam pela puberdade muito jovens. Isso significa que elas estão a passar por emoções e vivenciam um aumento do stress antes dos seus cérebros estarem desenvolvidos e aptos para lidar com estas transformações. Isto é uma incompatibilidade evolutiva.

A puberdade tende a ser, para todos, um momento de emoções fortes e de um certo nível de alienação. Como pode explicar a diferença entre o mau humor típico dos adolescentes e um transtorno a nível mental?

O sinal típico é que o seu filho deixa de falar consigo e com as outras pessoas. Os adolescentes isolam-se, estão irritáveis, discutem com os amigos, dormem muito ou não dormem de todo e sentem uma tristeza constante. Sentem-se sem esperança e cansados.

Os pais devem encontrar formas de manter a conversa aberta com as raparigas, de modo a que elas falem nos momentos mais difíceis (Ljubaphoto/E+/Getty Images)

É por isso que, quando a sua filha procura os pais para falar sobre coisas difíceis, tente fazer disso uma boa experiência para ela. Se uma criança diz que pode falar com os seus pais sobre qualquer coisa, isso diz muito sobre a forma como está a crescer. Os pais têm de tentar encontrar maneiras de manter a conversa aberta, e não apenas com os filhos, mas com qualquer um, quer seja uma tia, quer seja com a sua professora favorita.

Ainda assim, a solução para este problema não é algo com que os pais possam ou devam lidar por conta própria, certo?

Há muitas maneiras diferentes de trazer o assunto à comunidade em geral. Muitos pais pensam que lidam com isso sozinhos, mas não. Nós não deveríamos pensar que isto é tudo sobre nós. Vai haver uma fase em que os nossos filhos não vão falar connosco. Não há problema algum em entrar em contacto com a escola e dizer que precisa de ajuda. Os pais não fracassaram se o filho está ansioso ou se se sente deprimido. Não se pode lidar com isso sozinho. Por que motivo devemos pensar que somos os únicos com conselhos viáveis?

Há evidências muito boas de que a terapia pode ajudar, bem como ter-se uma comunidade mais ampla, que pode proporcionar muita tranquilidade às crianças. É assim que os humanos evoluíram ao longo do tempo: sabíamos que a tribo nos apoiava. Viemos de ambientes comunitários, mas hoje há muito isolamento. Isso faz com que as crianças sintam que competem umas com as outras. Tal vai torná-las menos propensas a sentirem-se ligadas entre si.

Quando uma pessoa envolve a comunidade, os seus filhos têm uma noção diferente do mundo e sentem que eles importam. De igual maneira, sentem que há outros adultos no mundo que dizem: "Eu sei que estás aí." Queremos envolver os nossos filhos em eventos comunitários que não sejam sobre desempenho ou avaliação, ou sobre validação externa, nem sobre como melhorar o seu currículo. Em vez disso, queremos que essas experiências os ajudem a saber que importam e que, de igual forma, sirva para que construam o seu valor.

No geral, quanto mais fazemos o mundo parecer atraente, convidativo e emocionante para as nossas jovens, cheio de ligações saudáveis e diferente do seu mundo das redes sociais, mais elas se sentem seguras.

Quando se sentem seguras, há uma menor propensão para ativar os mecanismos que desencadeiam o stress nos seus cérebros. Isso pode levar a que as adolescentes passem a sua adolescência sem se sentirem deprimidas ou ansiosas. Na puberdade, o cérebro das raparigas é incrivelmente ágil. Este absorve, ao mesmo tempo, uma grande quantidade de informações sociais. Se essas pistas são boas e se eliminarmos muitos elementos que causem stress, o cérebro feminino adolescente torna-se um superpoder.

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