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Psicólogo e membro da direção da Delegação Regional da Madeira da Ordem dos Psicólogos Portugueses

O Psicólogo Responde: como é que a comparação nas redes sociais nos pode afetar psicologicamente, e como evitá-la?

20 jul, 10:00
Redes sociais, saúde mental

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Desde sempre o ser humano se comparou com os outros. Ao nível da aparência física, estatuto, bens materiais, conquistas, etc. Quase que se pode dizer que faz parte da natureza humana. O senso comum tem muitos exemplos de como este pensamento acompanhou a evolução da nossa espécie, como aliás é ilustrado nalguns ditados populares, como o conhecido “a galinha da vizinha é sempre mais gorda”. Mas porque é que isto acontece? Como afeta a nossa autoestima e que riscos comporta para o nosso bem-estar e saúde mental?

O nosso autoconceito, a forma como nos percebemos e construímos a nossa identidade, no fundo, aquilo que pensamos que somos, é influenciado por vários fatores, incluindo a opinião que os outros têm de nós e a que nós temos de nós próprios quando nos comparamos com os outros. O conceito de si próprio é, pois, um conjunto de ideias sobre o que nós próprios somos e comporta várias dimensões, nomeadamente a nossa autoimagem física e psicológica. Como seria de esperar influencia a nossa autoestima, ou seja, o quanto gostamos e o valor que damos a nós próprios. Vários foram os autores e correntes da psicologia que se debruçaram sobre este conceito. Para a psicologia social, por exemplo, nós não conhecemos o nosso eu diretamente e a nossa perceção de nós próprios depende da opinião dos outros e do significado que damos às nossas conquistas. Numa vertente mais humanista, Carl Rogers defende que para definirmos o nosso autoconteito (“self”) a questão passa por comparar o nosso eu real com aquele que gostaríamos de ser (eu ideal) e a felicidade do ser humano será tanto maior quanto mais próximas e coerentes estas duas perceções se situarem.

A comparação com os outros é, portanto, inevitável. Está muito presente na nossa vida e ganha particular relevo na adolescência, pelo que a atenção de pais e educadores é fundamental. Com as redes sociais, esta comparação ganhou proporções exponenciais, uma vez que o universo comparável é virtualmente infinito. Se antes a comparação ocorria dentro do grupo de pares e da realidade visível, hoje em dia poderá ocorrer com muitas pessoas, quase simultaneamente, e em quase todo o mundo, o que pode ser avassalador. Todos nós já vimos nas nossas redes sociais histórias inspiradoras de pessoas que ultrapassaram os seus obstáculos e que nos inspiraram e motivaram para a mudança. A questão surge quando estas histórias e aquilo que observamos nos fazem questionar se somos assim tão bons, atraentes, ou tão bem-sucedidos como pensávamos que éramos ou gostaríamos de ser. Quando o fazemos, não somos inspirados para a mudança, mas antes questionamos o nosso ser, a nossa identidade, a nossa evolução enquanto seres humanos. Às vezes esquecemo-nos do que queremos ser e, de repente, queremos ser outra pessoa, ter outra vida, outros talentos, outra família, outros amigos. Acabamos por desvalorizar as nossas qualidades, as nossas relações sociais e as nossas conquistas, o que leva a uma baixa autoestima e abre portas para um sofrimento psicológico. Se estivermos a falar de comparações ao nível do desempenho, isto poderá também despertar receios de incompetência e sentimentos de ansiedade. Também se questionarmos a nossa identidade e estivermos consistentemente a nos desvalorizar em comparação com os outros, o nosso sentido de autoestima e autoeficácia diminui, o que pode abrir a porta a sentimentos depressivos.

A nossa autoestima é uma avaliação subjetiva que fazemos de nós próprios e a perceção que temos das avaliações que os outros fazem de nós. Se nos compararmos com o aparente sucesso dos outros, e com isso desvalorizamos o que somos e os nossos sucessos, isso pode abrir portas ao sofrimento psicológico. Por outro lado, se formos nós a publicar algo, e o retorno que temos dessa publicação não for o que esperávamos, isso poderá também afetar a nossa autoestima e valorização de nós próprios. Ao fazermos isto estamos fazer depender a construção da nossa identidade da opinião e do comportamento dos outros, fazemos uma atribuição externa. É o chamado locus de controlo externo, que, ao contrário do locus de controlo interno, impede que a pessoa assuma a responsabilidade pelas suas decisões e o controlo da sua vida. Traduzindo uma ilustre citação de Heminguay, “Não há nada de nobre em ser superior ao seu semelhante; a verdadeira nobreza é ser superior ao seu antigo eu.”Assim, será mais útil, proveitoso e saudável, eu comparar-me com quem eu era, com as conquistas que fiz e o que alcancei. No fundo se hoje sou melhor do que era ontem e estou mais perto da pessoa que gostaria ou do que me imaginei ser. A comparação com os outros nas redes sociais, ou fora delas, pode influenciar negativamente a perceção que temos de nós próprios, fazer-nos gostar menos de nós, questionarmo-nos e até perdermos o foco dos nossos objetivos. Podemos observar, e inspirarmo-nos com os outros, mas sem desvalorizar as nossas conquistas e a identidade que construímos e queremos continuar a construir.

Finalmente, quando observamos o comportamento dos outros, ou fazemos scroll nas redes sociais, devemos também ter presente que muitas vezes os momentos captados por aquela fotografia ou aquele vídeo não são ilustrativos da realidade e são o resultado de várias tentativas ou de um longo trabalho/esforço do outro. Este esforço muitas vezes não é visível, porque não é publicado ou partilhado, fazendo-nos acreditar que para os outros as coisas são mais fáceis e simples, automaticamente desvalorizando o nosso esforço e empenho.

Sugestões para evitar comparações sociais nefastas

  • Uso consciente e responsável destas plataformas: evitar a exposição prolongada, pensar criticamente sobre os conteúdos que visualiza/publica;
     
  • Configurar as definições de privacidade para limitar a exposição a conteúdos que possam desencadear comparações prejudiciais;
     
  • Aceitar que a comparação com os outros é comum e que se pode questionar, mas não ficar preso numa espiral de comparação excessiva, intensa e desproporcional;
     
  • Dar tempo ao tempo: seja complacente consigo mesmo e com as mudanças e conquistas que pretende alcançar, não se comparando com o “produto final” que é publicado por outros, valorizando as suas conquistas;
     
  • Lembrar-se que aquilo que vimos e ouvimos é apenas uma pequena parte da realidade daquela pessoa;
     
  • Procurar ajuda profissional. Se se sentir constantemente assoberbado com sentimentos negativos, desencadeadas com comparações com os outros, isto poderá ser um refletir necessidade de consultar um psicólogo ou outro profissional de saúde mental.

Especificamente para os pais

  • Ter consciência de que as redes sociais podem ter um impacto negativo na saúde psicológica do seu filho, e que é possível contribuir para a prevenção desse impacto através de programas de intervenção de saúde psicológica digital;
     
  • Se tiver filhos adolescentes, monitorizar o tempo de exposição às redes sociais e estar atento a comparações que fazem com outros, mantendo as vias de comunicação abertas, sinalizando-os para um acompanhamento especializado se necessário.

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