Hugo Soares, a sombra ruidosa de Montenegro que descobriu no verbo fácil um talento para a vida pública, estendeu até à televisão uma carreira de sucesso no teatro parlamentar, como personagem burlesca de uma peça já gasta. Encena indignações para intimidar jornalistas naquele estilo feroz, encostando-os às cordas - quando uma criança percebe que a técnica, com péssimos resultados no passado para conhecidas figuras deste tipo de teatros, visa só condicionar pelo medo. O medo de chatices e de vergonha pela sujeição ao enxovalho. Visa, na prática, matar quem ouse insistir na palavra Spinumviva, ou no que mais possa aí vir a atrapalhar a “laranja mecânica” e o progresso da nação. Foi o que Hugo Soares fez na RTP, num cobarde ataque de carácter e à honestidade de três jornalistas, entre os quais me incluo, que deram notícias sobre a empresa do primeiro-ministro.
O último enxovalho a que o dr. Soares quis sujeitar o jornalismo, na Grande Entrevista da RTP e perante um atónito entrevistador, vinha mascarado de frontalidade. De quem legitimamente se indigna, pela crítica construtiva a uma comunicação social que mente e que não se deixa escrutinar. É a arte da dissimulação, famosa em populistas na pele de moderados. Porque o ataque não é frontal, como apregoa, mas cobarde. Quando pôs em causa as notícias da CNN Portugal e da Sábado sobre o caso da empresa do primeiro-ministro, e de um entendimento, na investigação, de que só com as ferramentas de um inquérito pode ser tudo cabalmente esclarecido, Hugo Soares não teve coragem de afirmar que as notícias eram propositadamente falsas. Apenas o sugeriu, com cobarde subtileza: “Quem são estas fontes? Terão sido inventadas?”, perguntou o secretário-geral do PSD, deixando a mentira no ar sem se comprometer. Ficou no ar, desde logo porque os três jornalistas em causa não estavam lá para se defender, como ele bem sabia.
No fundo, Hugo Soares sugeriu que três jornalistas de dois órgãos diferentes, por acaso de grupos de comunicação concorrentes, se tinham conluiado para prejudicar a “laranja mecânica”, inventando os três jornalistas fontes que não existem, com uma narrativa toda fabricada, numa ação concertada para libertarem notícias prejudiciais a Sua Exa. o Dr. Montenegro, em plena campanha autárquica. Por mais imaginação que tenhamos, em teorias conspirativas ficaremos sempre a perder com alguém de má consciência.
Se este foi o lado infantil da coisa, e mais inofensivo, terei sempre de voltar ao lado ofensivo. Hugo Soares, com a sua subtileza cobarde, evitou que algum de nós o processasse por difamação. Mas fez o mesmo do que se eu agora perguntasse, por mais que o intuísse: “Hugo Soares, ao pairar acima de todos os ministros do Governo como o melhor amigo do primeiro-ministro, com um pé na política e outro nos negócios, como advogado e cruzando o melhor dos dois mundos, será um potencial traficante de influências?”. Não me ocorreria fazê-lo, sem qualquer fundamento.
Era legítimo que Hugo Soares desconsiderasse a qualidade das fontes dos jornalistas ou a credibilidade das mesmas, mas nunca sugerir que foram inventadas. De resto, as notícias enervaram algumas pessoas mas nenhuma antecipou, nem o poderíamos ter feito, sobre qual será a decisão final do caso Spinumviva – abertura de inquérito para uma investigação a sério ou averiguação preventiva arquivada. Não somos nós amigos do procurador-geral para que ele nos confidencie, por absurdo, o que pensa fazer.