"Absolute Mehrheit": as duas palavras em alemão que Rio não disse mas que o tramaram

31 jan 2022, 01:29

Líder do PSD pediu festa nas ruas mas teve um velório na sede. Depois de ter aconselhado António Costa a perder com dignidade, Rio passou uma parte da noite a falar em alemão para os jornalistas. E disse que admite demitir-se

Depois de uma derrota pesada, nunca ninguém imaginou que o discurso de Rui Rio incluísse uma aula de alemão aos jornalistas, que foram vaiados sempre que falaram em demissão. O presidente do PSD entrou na sala onde decorreu a noite eleitoral no hotel Epic Sana, em Lisboa, nervoso, desiludido e incomodado. Na linha da frente, estava a mulher, Lídia, e a filha, Marta, de mãos dadas e lágrimas nos olhos.

A mulher de Rui Rio, de blusa azul, e a filha, de blusa branca (PSD/João Pedro Domingos) 

Durante a campanha eleitoral, Rui Rio queria festa nas ruas porque, se assim não fosse, as arruadas iriam parecer velórios. Mas o que se assistiu este domingo à noite, na sede de campanha, foi precisamente a um ambiente de velório. Um silêncio absoluto e expressões bastante reveladoras da derrota. Ninguém acreditava que a distância entre PS e PSD pudesse ser tão grande. Muito menos que o PS conseguisse uma maioria absoluta.

Mal saíram as primeiras projeções das quatro televisões, Tiago Machado, militante da JSD, olhou para o telemóvel e abanou a cabeça em desilusão. Na imagem de fundo do iPhone estava a figura de Sá Carneiro. Mas no meio deste ambiente penoso também havia quem brindasse: Manuel Pinto Coelho, de 73 anos, e Rui Portela, de 63, tinham, cada um deles, um copo com whisky na mão. Se o segundo queria beber “para esquecer”, o primeiro defendeu que “é nos momentos difíceis que temos de estar presentes”.

Durante toda a noite, os olhares permaneciam atentos aos três ecrãs disponíveis na sala da noite eleitoral. Os militantes e apoiantes do PSD iam analisando os resultados minuto a minuto e faziam contas. O burburinho que se fazia ouvir vinha essencialmente da comunicação social, que ocupava cerca de metade do espaço. Um ambiente contrastante com aquele que se viu nas últimas duas semanas nos distritos por onde andou a caravana laranja.

Noite eleitoral do PSD (Lusa/Mário Cruz)

Às 21:00, uma hora depois de terem sido lançadas as primeiras projeções, ainda ninguém tinha dado a cara por parte da direção laranja. Às 22:00, a televisão de Moçambique já tinha ido embora, sem esperar pelo discurso do líder. Permanecia a imprensa espanhola. Às 22:45 gritava-se “PSD, PSD, PSD”. Os jornalistas levantaram-se em alvoroço para perceber o que se passava, mas era falso alarme. Quem começou o grito foi Maria, que afirmou: “Perdemos a batalha mas não perdemos a guerra”.

Rio: "Não estou a ver como posso ser útil"

Às 22:45 circulava pelo Whatsapp uma mensagem que dizia “Zé Albino saiu do grupo”. Seria um sinal da demissão de Rui Rio? Parece que sim. Foi no discurso de derrota que Rui Rio admitiu que, com uma maioria absoluta do PS, não sabia como poderia "ser útil [ao partido] neste enquadramento". "O partido decidirá". Era a notícia da noite do lado do PSD: Rio admite demitir-se.

O presidente do PSD voltou a afirmar que não estava "preso a lugar nenhum" e que a única missão que tinha nas mãos era a de "prestar um serviço ao PSD e a Portugal". Só faltou cumprir um objetivo: mobilizar a direita no sentido do voto útil para tirar António Costa do poder. “Houve um voto útil à esquerda absolutamente esmagador (…). A esquerda mobilizou-se no PS (…), à direita não houve a mesma união, a direita dispersou-se-"

Depois de ter dito que já não era útil ao partido e que era o único "responsável" pela não mobilização da direita, Rio foi questionado mais uma vez sobre a sua demissão. Numa espécie de grito de raiva, deixou cair a capa de político e respondeu enquanto homem que estudou no Colégio Alemão. E começou a falar em alemão, frases várias e irreproduzíveis sem Google Tradutor. O jornalista voltou a insistir, dizendo não perceber alemão, e os militantes e apoiantes começaram a vaiar os jornalistas e a gritar "PSD, PSD, PSD".

“Eu já disse uma data de vezes, eu não sou de dramas, já disse em português correto, já disse em alemão. Não percebeu, não sei o que hei de fazer mais. Já disse que eu sou o primeiro a não conseguir argumentar depois de o PS ter uma maioria absoluta. Como é que posso ser útil ao PSD continuando no lugar? Não é preciso fazer aqui um drama", acrescentou Rio, ele que foi apanhado desprevenido pela "absolute mehrheit", perdão, pela maioria absoluta do PS.

Rui Rio durante o discurso de derrota (PSD/João Pedro Domingos)

Depois deste momento de tensão, a assessoria do PSD apressou-se a indicar que não havia margem para mais perguntas, apesar de estarem previstas questões de pelo menos mais sete órgãos de comunicação social. Para não ter de enfrentar novamente os jornalistas à saída, decidiu passar a noite no hotel com a família.

No início do discurso, Rio já tinha cumprimentado "democraticamente" todos os adversários e em particular António Costa, com quem teve a "oportunidade de dar os parabéns por telefone”. Reconheceu que os resultados eleitorais ficaram "muito longe" daquilo que julgava que ia ter, mas, em contrapartida, se houvesse agora uma nova campanha não iria defender nada de diferente daquilo que consta do programa eleitoral.

E termina: “Não tenho mais nada de substancial a dizer. Não atingimos nem de longe nem de perto os objetivos que queríamos e o PS é de longe o grande vencedor da noite".

O CD que ficou por tocar

No hotel escolhido como sede de campanha do PSD este domingo à noite houve um disco que não tocou. Era uma playlist com as seis músicas para o caso de vitória. Estava tudo preparado para esse cenário. Eram elas: Hino 2022; Hino 2022 (instrumental); Paz, pão, povo e liberdade (primeiro hino do PSD); Nós somos um Rio (hino 2019); Nós somos um Rio (instrumental); Hino Nacional.

Mas a derrota foi tão pesada que nem o Hino Nacional se fez ouvir no final do discurso de Rui Rio. Este ritual já vem do tempo de Cavaco e continua quase que como uma sombra de um PSD maioritário que não volta. Falta agora saber quem é o maestro que se vai chegar à frente e conseguir pôr a música de novo a tocar.

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