"Nas autárquicas anteriores fui desafiado - quer pelo PS, quer pelo PSD - para liderar uma das câmaras de Lisboa e dos arredores": as confissões políticas de António Saraiva

ECO - Parceiro CNN Portugal , Mónica Silvares
6 abr 2023, 11:03
O ex-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva (António Pedro Santos/ LUSA)

Tem ambições políticas? Assumir militância num partido? "Não. Lá atrás alimentei essa vontade"

António Saraiva vai pôr fim a 13 anos como presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a que acrescem mais seis como vice-presidente. “Não estou cansado e gosto muito do que faço”, diz em entrevista ao ECO. Aos 70 anos, que completa este ano, vai passar o testemunho a Armindo Monteiro. “Tenho a máxima de que devemos sair quando os outros querem que fiquemos”, ironiza. “Quando fazemos as coisas com paixão, fazem-se com mais naturalidade. Mas este é um cargo muito exigente e absorvente”, admite, dizendo que agora é tempo de se dedicar à família e prosseguir outros desafios profissionais. Sobre as pressões políticas que teve, António Saraiva garante que é algo que se “aprende a gerir”. Mas, sem falsas modéstias, admite que se sente “como peixe na água”. Mas isso não o leva a equacionar assumir qualquer militância partidária. Onde? “Curiosamente, os que militam ativamente no PSD julgam-me do PS e os que militam ativamente no PS julgam-me do PSD”, conta, sublinhando que é um “homem de centro”. Admite estar “inquieto” com o rumo da política. Os votos de protesto que o Chega tem conseguido captar, aliados à incapacidade dos outros partidos em responder às expectativas da população, levam António Saraiva a lamentar o facto de os partidos estarem “fechados sobre si próprios” e de todos os agentes da sociedade têm demonstrado “letargia” na capacidade de resposta.

Tem ambições políticas? Assumir militância num partido?
Não. Lá atrás alimentei essa vontade. Cheguei a ser candidato do Partido Socialista, por Setúbal, no tempo de Vítor Constâncio. Era novo, tinha feito um excelente trabalho enquanto líder da comissão de trabalhadores da Lisnave, porque salvei a empresa da falência, com o primeiro acordo social que se fez o país. Hoje falamos muitos muito da Autoeuropa, mas a Lisnave foi o primeiro acordo social e que salvou aquela casa. Tenho o orgulho de ter sido o arquiteto desse acordo, num ambiente esmagadoramente da CGTP, de braço no ar. Nunca podemos dizer “desta água não beberei”, mas vou fazer 70 anos este ano - depois do percurso que já fiz, sou um espírito demasiado livre para ter de me condicionar a vontades de maiorias. O meu posicionamento político coloca-me muito no PSD, mas sou um homem de centro. Nas autárquicas anteriores fui desafiado - quer pelo PS, quer pelo PSD - para liderar uma das câmaras de Lisboa e dos arredores. Durante 13 anos à frente da CIP tentei que a minha atuação não fosse tendenciosa. Curiosamente, os que militam ativamente no PSD julgam-me do PS e os que militam ativamente no PS julgam-me do PSD.

Como vê os tempos particulares que vivemos do ponto de vista político? PSD com um tempo tão longo de incapacidade de assumir a alternância governativa e um fenómeno chamado Chega? Isso não o leva a querer agir?
Inquieta-me, porque a minha inquietude cívica leva a que reflita sobre a sociedade portuguesa e os desafios que temos e como podemos ajudar a alterar este estado de coisas em termos de cidadania participativa ativa. Os partidos, ao longo da democracia, ficaram fechados sobre si próprios e sobre as suas questiúnculas internas. Sem querer ferir suscetibilidades, ficaram tribos. Na maior parte das vezes deixaram de interpretar e resolver os problemas da sociedade e isso levou que ao logo dos anos de democracia houvesse alguma degradação dos intérpretes da política. Se olharmos para as duas primeiras filas dos Parlamento de há 25 anos e agora constatamos facilmente que há falta de alguma coisa. Mas esta degradação do exercício da política leva a que estejamos neste estado e que dela se afastem os que poderiam contribuir mais ativamente para esse exercício. A exposição mediática, a maledicência gratuita, a proliferação as redes sociais que ameaçam as democracias – porque não sendo auditadas não supervisão ou regulação das mesmas e sob anonimato diz-se, escreve-se, difama-se, adulteram-se imagens — hoje a política está muito refém das redes sociais e das perceções que se criam e as democracias acabam por estar ameaçadas, porque mesmo os que têm piores condições de vida são ricos em informação e milionários em expectativas. Não há Estado, por mais rico que seja que entregue essas expectativas. Isto leva a fenómenos de extremismos e populismos.

Mas como se combate a subida desses populismos e, no nosso caso nacional do Chega?
Se os partidos moderados não adotam práticas diferentes, se não há uma reforma da lei eleitoral para responsabilizar mais os eleitos dos seus eleitores, se não houver uma interpretação diferente dos problemas das sociedades, que agora evolem muito mais rapidamente… Os partidos têm agora de entregar muito mais rapidamente a sua proposta de valor e ser muito mais atual, interpretando estes novos fenómenos e tentando encontrar os melhores caminhos. Todos, sem exceção, temos tido alguma letargia (alguns mais do que outros) nessa capacidade de resposta. Assumo até alguma autocrítica, porque a voracidade dos tempos nem sempre nos permite estar sempre adequados. Mas modéstia à parte a CIP deste 2010 sempre tentou antecipar e participar. Os partidos nem sempre têm sabido interpretar esta permanente inovação.

Essa ausência de interpretação é generalizada?
Sim. Generalizada.

Mas o PSD é quem se tem deixado “apanhar” pelo Chega. O PS até conseguiu melhorar resultados nas últimas eleições…
Sim. Mas continuamos com uma sociedade com um posicionamento mais à esquerda do que ao centro-direita onde houve apenas os episódios com Cavaco Silva e com as coligações encontradas entre PSD e CDS. A esquerda em Portugal, com a sua militância e sindicalismo, teve sempre um papel muito ativo e isso tem reflexo na votação. Esta realidade é transversal a todos os partidos. Por isso, lamentavelmente, porque todos fazem falta à construção da democracia, vimos desaparecer o CDS do Parlamento, a redução com os problemas internos no PSD com contestadas lideranças – há um conjunto de barões que, não abdicando do seu estatuto, fragmentam as últimas lideranças do PSD – o próprio PS não deixou de ser intérprete da alteração de liderança com António José Seguro e a forma como foi feita. Os partidos têm estado em lutas internas e muito mais concentrados nessa atividade do que do que serem intérpretes das novas necessidades que temos. Por vezes há um desfasamento temporal.

E o Chega?
O voto de protesto e de indignação de alguma degradação que a política tem vivido, a falta de correspondência às tais milionárias expectativas, levam a que o Chega capitalize um voto de adesão àquelas ideias, mas muito de protesto. Olho para os resultados que o Chega tem tido no Alentejo e é o discurso com os ciganos e com as etnias…

Em bastiões do PCP.
Exato, porque aquela região tem tido sério problemas de integração com aquela comunidade por erros de todos nós, mas também porque a própria tem problemas de integração, o que tem levado a problemas sociais e relacionais naquela região. Com medo houve um voto de protesto, de revolta e indignação da população por não lhe resolverem de forma corretas o problema de integração daquela comunidade, deposita o seu voto como um voto de protesto. Quem diz esta realidade, pode dizer outras de protesto. Estes fenómenos de degradação interna dos partidos, acusações várias, ninguém acredita em ninguém, corrupção, casos e casinhos levam a população, como grito de revolta a estas situações, acabe por, não sendo essa a sua ideologia, momentaneamente é a forma de protestarem contra este estado de coisas.

A disputa da liderança no PS vai ser o momento em que o partido vai perder a cola que o une em torno de António Costa?
O PS tem tido menos conflitualidade interna do que o PSD. Os tais barões têm tido estas questiúnculas internas. Cavaco Silva foi o mais estável tendo em conta a sociedade da altura, as necessidades, a entrada na UE, o aproveitamento dos fundos comunitários. Desde então o partido tem estado sempre envolvido em questões internas, o que mina a sua coesão. O PS não te vivido essa erosão. E tirando a forma como António Costa sucedeu a António José Seguro, o PS tem tido mais consistência nas suas lideranças. A sua pergunta tem a ver com a guerra que antevemos entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, mas porque não uma mulher, como diz António Costa.

Marta Temido? Ana Catarina Santos?
Isso será o PS que terá de encontrar. Quando António Costa sair da liderança, independentemente de quando e como, porque é que as mulheres que hoje militam e têm papeis relevantes no PS não se poderão constituir como alternativas e sair vencedoras? Deixo a questão. Não vejamos como um dado adquirido que a próxima liderança do PS terá de ser forçosamente entre estes dois protagonistas. O que desejo, talvez utopicamente, é que os partidos se preocupem com o país, com o crescimento e com o nosso desenvolvimento e que todos pudessem construir uma democracia consolidada.

E tentando fazer o mesmo exercício para o PSD, o partido já tem o líder que conseguirá fazer a leitura do que sociedade pede? Ou terá de encontrar outro?
O PSD tem um problema que o PS ainda hoje não tem (poderá ter no futuro). Enquanto a diminuição dos partidos de esquerda, nomeadamente do PCP, que eleição após eleição tem vindo a perder votos, isto beneficia o PS até mesmo pelo voto útil. O PS poderá até beneficiar com o desaparecimento de uma geração, assim ele saiba responder às necessidades dos jovens e dos que têm capacidade de voto na entrega da proposta de valor adequada às necessidades dos cidadãos. O PSD tem um fenómeno diferente porque à sua direita apareceram dois novos partidos: o Chega e a Iniciativa Liberal. O desaparecimento do CDS poderia ir em benefício do PSD numa lógica matemática, que vale o que vale em política, mas isso não aconteceu. O Chega, além da linguagem populista que tem captado o voto de protesto, acaba por ser o porto onde vão acostar alguma desta direita da sociedade portuguesa. Desde que Passos Coelho foi obrigado – dirão alguns, com excessos, não é a minha opinião – a interpretar o resgate e responder às exigências da troika e com algum excesso — aqui ou ali, admito —, isso levou a que algumas camadas da população portuguesa mais desfavorecidas - reformados e outros (pelos cortes que viram nos seus rendimentos) - tenham a perceção de que Passos Coelho e PSD estarão muito ligados e este tempo de austeridade ainda penaliza hoje no tempo o PSD. Os fenómenos de divisão que Santana Lopes interpretou com a criação de um partido na altura, depois a liderança contestada de Rui Rio e as tentativas de liderança que sofreram quer Luís Montenegro (que acabou agora por ser vencedor) quer Miguel Pinto Luz - e até se falou Moreira da Silva -, o que se transmite à população portuguesa é que aquele partido não está agregado em função de um projeto e de uma liderança, que é de que o país necessita. Portugal tem de cumprir três grandes objetivos.

Que são?
Fazer as reformas estruturais (Administração Pública, Justiça e fiscal) e cumprir três grandes objetivos: ganhar dimensão empresarial (ainda hoje temos muitas pequenas empresas, temos de ter mais grandes empresas, o que se consegue dando à economia uma envolvente que premeie lucros retidos e reinvestidos e premiando as fusões e concentrações atingiremos mais facilmente este objetivo da concentração empresarial), fomentar a inovação, que exige investimento e este por sua vez capital. Por isso temos de ter um sistema financeiro, através do Banco de Fomento ou da banca convencional ou novos modelos de captação de capital alheio, que permita o acesso a capital. Não dinheiro barato e abundante como lá atrás, que levou a excessos, mas com as novas regras de supervisão e regulação. Com estes dois objetivos mais facilmente atingimos o terceiro que é internacionalização.

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