Há nove especialistas que vão trabalhar sem remuneração, enquanto as principais figuras têm um passado de forte ligação à máquina do Estado
Ligados ao aparelho do Estado socialista desde cedo, profissionais que cresceram com o PS ou donos de importantes empresas portuguesas. Estes são os perfis das pessoas que vão gerir (ou ajudar a fazê-lo) os 16.644 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e os 23 mil milhões de euros do Portugal 2030, que chegam a Portugal com o intuito de desenvolver de forma intensa o país nas mais variadas áreas.
A mulher do polémico despacho para o ISCTE
Foi assessora no primeiro governo de José Sócrates, passou por vários cargos no PS, esteve nos dois últimos executivos de António Costa, assinou um despacho que se tornou polémico e hoje é uma das figuras centrais na gestão dos fundos europeus. Cláudia Joaquim, 47 anos, lidera a Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C), um organismo a cargo do Ministério da Presidência, que está envolvido nos dois fundos – o PRR e o Portugal 2030, que juntos somam perto de 40 mil milhões de euros a distribuir nos próximos anos.
A sua nomeação para o cargo é recente: data de maio deste ano, depois de ter sido secretária de Estado do Orçamento do então ministro das Finanças, João Leão. Antes, Cláudia Joaquim passou por vários cargos, sempre nomeada pelo PS. Aliás, desempenha funções de nomeação pública desde 2005, ano em que foi escolhida para assessora do gabinete de Pedro Marques, então secretário de Estado da Segurança Social do primeiro governo de José Sócrates. No segundo governo de Sócrates subiu para adjunta do gabinete do mesmo secretário de Estado da Segurança Social. Depois, ainda dentro do mesmo Governo, foi subdiretora-geral do gabinete de estratégia e planeamento do Ministério da Segurança Social – de onde saiu em 2012, pouco depois do PS ter deixado o poder que ficou nas mãos de Pedro Passos Coelho. Em 2014, a mulher que agora lidera a agência que gere os fundos foi escolhida para assessora do grupo parlamentar do PS e após as eleições de 2015, e com a solução de Governo a passar pela escolha de António Costa para primeiro-ministro, Cláudia Joaquim subiu a secretária de Estado.
No seu currículo conta também com um mestrado em políticas públicas no ISCTE – o instituto que se viu envolto em polémica por ligações ao PS. Aliás, foi Cláudia Joaquim quem assinou o despacho para o financiamento de cinco milhões de euros para aquela universidade e gerou controvérsia. O ISCTE foi dado como sendo um braço universitário do PS, por onde passaram muitos dos ministros e secretário de Estado do então Governo, assim como muitos ex-ministros.
Esta verba libertada para o ISCTE - com a assinatura de Cláudia Joaquim - obrigou o ministro das Finanças, João Leão a ir ao Parlamento explicar o financiamento.
Neste momento é a presidente da AD&C, que é a única entidade que tem intervenção em simultâneo nos dois fundos europeus – sendo que tem ainda em mãos algumas das verbas do Portugal 2020, que ainda não está finalizado, apesar de o programa ter sido desenvolvido para o período entre 2014 e 2020.
Ligada ao ISCTE está também Patrícia Borges, que desde 2015 é vogal no conselho executivo da AD&C. Foi naquela universidade que fez uma pós-graduação em Administração e Políticas Públicas, ao mesmo tempo que evoluía numa carreira ligada ao setor público, onde, durante 16 anos, esteve ligada ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), tendo sido, também aí, vogal do Conselho Diretivo. Na AD&C é responsável por coordenar o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e o Fundo de Coesão, bem como o núcleo de contratação pública e auxílios do Estado.
Já Cristina Jacinto, também vogal do Conselho Diretivo desta agência, esteve oito anos como subdiretora-geral da Direção-Geral do Ensino Superior, fazendo um intervalo, entre 2012 e 2016, antes de voltar para instituições do Estado, assumindo um cargo como vogal executiva da Comissão Diretiva do Programa Operacional Capital Humano. Na AD&C é responsável pela unidade de certificação, núcleo de recursos financeiros e patrimoniais e pelo núcleo de planeamento e gestão da qualidade.
Ligados ao PS
Duarte Rodrigues é o vice-presidente da AD&C e em comum com Cláudia Joaquim tem o facto de ter estado no primeiro governo de José Sócrates. No seu caso foi assessor do secretário de Estado para o Desenvolvimento Regional. Do Governo saltou para o Quadro de Referência Estratégico Nacional, onde foi coordenador-adjunto do observatório.
Foi daí que saiu para a AD&C, em 2013, onde é responsável pela política regional e pela avaliação e monitorização estratégica, tendo assumido a pasta depois de 14 anos na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), cargo que ainda mantém.
Também com passado socialista, Fernando Alfaiate e Mário Tavares da Silva são os homens responsáveis pelo programa "Recuperar Portugal", que "tem como objetivos negociar, contratualizar e monitorizar a execução do PRR". Serão eles quem, entre outras tarefas, devem assegurar que não surgem situações de irregularidade ou fraude, acompanhando e monitorizando de perto a execução do programa.
O primeiro passou por cargos públicos com os últimos três primeiros-ministros socialistas: António Guterres, José Sócrates e António Costa. Em 2001 entrou para assessorar a coordenação no Gabinete de Gestão do Programa de Incentivos à Economia. Ali ficou até 2008, quando, no primeiro governo de José Sócrates, assumiu o cargo de secretário técnico do Compete2020, que tem como objetivo melhorar a competitividade e a internacionalização da economia portuguesa. Ficou no programa até entrar para a presidência do "Recuperar Portugal", tendo sido escolha pessoal do então ministro do Planeamento, Nelson de Souza, com quem trabalhou no Compete2020 durante quatro anos, sendo ambos formados em Economia.
Já Mário Tavares da Silva tem cargos de nomeação política desde 2007, também no primeiro Governo de José Sócrates, quando entrou para conselheiro do ministro do Ambiente. Antes, e segundo a descrição da sua conta pessoal no LinkedIn, foi escolhido após “aprovação em exigentes e rigorosas provas públicas de seleção conduzidas pela então Direção-Geral da Administração Pública” para o cargo de inspetor da Inspeção-Geral da Administração Local (IGAL). Em 2009 voltou ao ponto de partida, tendo sido nomeado subinspetor-geral na IGAL, liderando depois o processo de fusão desta com a Inspeção-Geral de Finanças, onde, em 2012, assumiu o cargo de subinspetor-geral. Em 2015 deu o salto para o Tribunal de Contas, onde esteve como consultor e auditor-chefe, antes de assumir, em maio deste ano, a vice-presidência do “Recuperar Portugal”.
O homem forte do PRR
Com uma carreira ligada ao ensino, Pedro Dominguinhos é o homem forte do plano, sendo que até entrou em guerra com o Governo por causa do mesmo quando, como presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos de Portugal, pediu que o Governo adotasse uma nova estratégia para a construção de residências para estudantes, alegando que o valor do IVA dos apoios não fazia parte do financiamento.
Já em 2022, numa entrevista ao jornal Público, criticava esta situação: "No PRR há outros avisos onde o IVA é uma despesa elegível, portanto valia a pena olhar para esse instrumento ou, então, ter um IVA reduzido para a construção.”
Sucedeu já este ano a António Costa Silva, quando este último assumiu a pasta de ministro da Economia e do Mar, depois de ter sido diretamente escolhido pelo primeiro-ministro. Considerado o melhor aluno do mestrado em Economia Internacional da Universidade Lusíada de Lisboa em 1997, Pedro Dominguinhos entrou, dois anos antes, para o Instituto Politécnico de Setúbal, de onde só saiu para assumir a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR.
Antes da escolha para comandar os destinos do PRR já tinha sido nomeado pelo anterior Governo para integrar o Conselho Coordenador do Ensino Superior e do Grupo de Modernização e Valorização do Ensino Politécnico.
Os técnicos não remunerados
São nove personalidades que o Governo considera terem "idoneidade, competência e experiência profissionais, e reconhecido mérito" para integrarem a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR. Refere o decreto-lei de nomeação destes nove profissionais que os mesmos "não têm direito a qualquer remuneração pelo desempenho das suas funções", tendo apenas direito ao pagamento de senhas de presença e ajudas de custo pela participação nas reuniões. São pessoas das mais variadas áreas, e que têm como função ajudar à execução do PRR nas suas áreas de especialidade.
A de Álvaro Costa é os transportes. Este doutorado pela Loughborough University of Technology é também professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, sendo também diretor-executivo da Trenmo Engenharia desde 2005. Trata-se de uma empresa que opera na área da consultoria de transportes e que já fez vários trabalhos para o Estado, mas também para outras entidades. Álvaro Costa é ainda vice-presidente da Associação Comercial do Porto, tendo passado também pelos conselhos de administração da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto entre 1997 e 2002, da Energaia entre 1999 e 2002 e da Associação para o Museu dos Transportes e Comunicações entre 1998 e 2001.
Desde 2009 que a Trenmo Engenharia fez vários trabalhos para o setor público, contratualizando vários projetos, a maioria por ajuste direto, com várias autarquias, quase sempre para estudos relacionados com os sistemas de transportes públicos. Tem ainda projetos internacionais, como um estudo de viabilidade para a construção de uma nova linha no serviço de metro de Istambul, na Turquia.
Preocupado com a questão social, nomeadamente a pobreza e a desigualdade, Carlos Farinha Rodrigues tem vários estudos publicados sobre o tema, sendo mesmo membro da comissão de coordenação de preparação de uma proposta de Estratégia de Combate à Pobreza em Portugal. Formado em Economia, é também professor na área e assessor do Instituto Nacional de Estatística.
Foi já num contexto de inflação que se mostrou preocupado com as desigualdades neste novo cenário, alertando para o impacto do aumento do custo de vida sobre a população mais desfavorecida. "Os principais efeitos da inflação incidem muito sobre a população mais pobre”, disse o investigador em entrevista à Ecclesia/Renascença.
Um dos pilares do PRR, a Transição Climática passará, certamente, pela cabeça de João Peças Lopes, um engenheiro eletrotécnico de computadores que é um conhecido defensor das energias renováveis, tendo sido responsável pela coordenação de projetos na área em Portugal, mas também em Cabo Verde, Brasil, Grécia ou Hungria. Já este ano, em entrevista à CNN Portugal, defendeu um "corte total" das importações de energia vindas da Rússia, para que as sanções aplicadas no contexto da guerra fossem verdadeiramente eficazes.
Também engenheiro, mas na especialidade de Mecânica, José Manuel dos Santos Fernandes é sócio fundador do grupo Frezite, uma empresa que opera no mercado de ferramentas e que tem sede na Trofa. Atualmente ocupa o cargo de chairman da organização, que tem vários contratos públicos feitos com o setor público, quase todos de montantes reduzidos. José Manuel dos Santos Fernandes foi ainda o nome escolhido para presidir à Comissão de Fiscalização da privatização dos Estaleiros de Viana do Castelo, a convite do Governo.
Importante para a Transição Climática será também Maria Júlia Seixas, engenheira do Ambiente que tem vários trabalhos desenvolvidos na área das Alterações Climáticas, tema que aborda nas aulas que dá na faculdade desde 1987. Um dos seus principais objetivos passa por Portugal atingir a neutralidade carbónica até 2050.
Outra académica é Maria Leonor Sopas, que se destaca pelo trabalho na área da competitividade e internacionalização da economia portuguesa. Foi precisamente nesse âmbito que, entre 1996 e 1997, serviu como adjunta do secretário de Estado para a Competitividade e Internacionalização no primeiro Governo de António Guterres.
Especialista em Inteligência Artificial, Manuela Veloso deverá ser um dos cérebros por detrás da Transição Digital pretendida pelo Governo. Há mais de 30 anos que trabalha na área, desenvolvendo novos algoritmos de planeamento e automação de robôs. Pelo meio de vários cargos em importantes universidades de Portugal e do estrangeiro destaca-se um papel no centro de investigação em inteligência artificial do banco J.P. Morgan, um dos maiores do mundo.
Rogério Carapuça foi, até 2015, presidente do conselho de administração da Novabase, empresa de tecnologias de informação que trabalha em consultoria para outras empresas. Em simultâneo tem tido uma forte componente académica, tendo dado aulas no Instituto Superior Técnico até 1994. Desde 2013 que é presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações.
Teresa Sá Marques terá a seu cargo a questão da coesão territorial, um dos grandes objetivos dos vários fundos que Portugal tem recebido ao longo dos anos da União Europeia. Especialista em Geografia, coordenou o Programa Nacional das Políticas de Ordenamento do Território e colaborou na execução de vários Programas Regionais de Ordenamento do Território.