Prisões têm sido acompanhadas "de muito perto" mas ainda há problemas de sobrelotação

Agência Lusa , AM
10 dez 2022, 12:12
Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral (MANUEL DE ALMEIDA/LUSA)

Provedora de Justiça lembrou que em todas as cadeias os reclusos têm disponível o número de telefone da Provedoria de Justiça, o que explica que continuem “a receber queixas de reclusos”

A provedora de Justiça garantiu este sábado que o sistema prisional tem sido acompanhado “de muito perto”, através do Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), reconhecendo que ainda há estabelecimentos prisionais com problemas graves de sobrelotação.

Em entrevista à agência Lusa, Maria Lúcia Amaral destacou a importância e o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, desde 2014, pelo MNP, entidade independente confiada ao provedor de Justiça, “que realiza visitas sem aviso prévio a locais de detenção com o objetivo de prevenir situações de tortura, maus-tratos ou outros abusos”, inspecionando “as condições em que se encontram quaisquer pessoas privadas de liberdade”.

A ação do MNP estende-se a estabelecimentos prisionais, centros educativos para detenção de jovens e centros de instalação temporária de estrangeiros, bem como celas de detenção em esquadras ou tribunais e unidades hospitalares com internamento psiquiátrico.

“O acompanhamento do sistema prisional português adquiriu uma outra densidade e uma outra dimensão por causa desta nova realidade que é a existência de um mecanismo nacional de prevenção que tem por mandato imperativo o acompanhar de muito perto, de muito perto, tudo o que acontece em lugares onde haja pessoas privadas de liberdade e o exemplo por excelência é o estabelecimento prisional”, referiu.

Maria Lúcia Amaral lembrou que em todas as cadeias os reclusos têm disponível o número de telefone da Provedoria de Justiça, o que explica que continuem “a receber queixas de reclusos”.

“Há muitos que telefonam para cá a apresentar queixas”, adiantou.

A provedora de Justiça reconheceu que Portugal tem vindo a ser condenado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), considerando que “problema é que há uma enorme diversidade de condições entre os estabelecimentos prisionais”.

Na sua opinião, “não existe, em termos absolutos, sobrelotação” nas prisões portuguesas, mas alertou que o problema persiste em algumas cadeias de maior dimensão.

“O Estabelecimento Prisional do Porto, que tem problemas graves de sobrelotação, como tem o de Lisboa”, apontou.

De acordo com os dados mais recentes da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, havia 12.618 reclusos, distribuídos por 49 cadeias.

Demora nas autorizações de residência é "problema grave"

A provedora de Justiça alertou para o “problema grave” que é a demora nos processos relativos aos pedidos de autorização de residência dos imigrantes e estrangeiros, cujo número de queixas tem vindo a aumentar.

Segundo Maria Lúcia Amaral, uma área “muito sensível” e que “tem vindo a crescer” relaciona-se com as queixas dos imigrantes e estrangeiros devido à demora no tratamento dos pedidos de autorização e/ou renovação de residência.

“As pessoas, enquanto não têm isso não têm muitas outras coisas e isso é um problema grave, problema que tem vindo a crescer”, sublinhou a provedora de Justiça, em entrevista à agência Lusa, acrescentando que “Portugal tem um problema e uma responsabilidade” para com “as pessoas que entram”.

“Nós precisamos de imigrantes que vêm trabalhar connosco e depois tardamos, demoramos muito tempo a regularizar a sua estada em território nacional”, comentou, referindo que este é um dos “fenómenos novos” que originam queixas, a par com a questão da habitação social.

Quanto aos imigrantes, a provedora de Justiça assinalou que já há mais de meio milhão de pessoas legalizadas a viver no país, um número que reflete “uma nova realidade” e que nunca foi tão elevado como agora.

“Até agora, nós temos tido capacidade para intervir (…) e ajudamos as pessoas nos casos concretos e é por isso que cada vez vêm mais pessoas. É uma coisa muito impressionante, que me impressiona imenso”, confessou.

Maria Lúcia Amaral revelou que, apesar de a maioria das queixas ser feita por via digital, no caso dos imigrantes, estes optam por se deslocar presencialmente às instalações da Provedoria de Justiça, na Lapa, em Lisboa,

A este propósito, revelou que está em preparação a mudança das instalações da Provedoria de Justiça para uma zona central de Lisboa e perto de uma “boca de Metro”.

Maria Lúcia Amaral reconheceu que a Lapa, um bairro “chique”, repleto de embaixadas, sem saída de Metro ou outros acessos fáceis, não é, de facto, a melhor localização para quem se quer dirigir aos serviços do Provedor de Justiça.

A provedora de Justiça revelou também a habitação social tem sido motivo de um número crescente de queixas, muitas delas relacionadas com dificuldade de compreensão e de aceitação das decisões tomadas neste domínio, tanto pela administração central, como pelas autarquias.

A provedora admitiu que sempre houve problemas de habitação, mas reconheceu que atualmente serão mais e mais complexos.

Apesar do número crescente de queixas por parte dos imigrantes e por questões ligadas à habitação social, Maria Lúcia Amaral adiantou que o grosso das queixas continua a ser por causa da Segurança Social, mantendo-se, por exemplo, as queixas devido à lentidão na atribuição das pensões de reforma.

“Em 2018, 2019, era uma coisa brutal. Chegaram a ser mais de 30% do total das queixas. Continuam a ser muito importantes, mas já não são tão maioritários quanto eram”, recordou.

Ainda assim, frisou que “as questões da Segurança Social continuam a ser determinantes” por outro “motivo muito importante” e que tem a ver com o facto de não haver uma entidade reguladora do setor que defenda as pessoas, ao contrário do que acontece na saúde, pelo que estas estão mais vulneráveis.

“Se o Provedor de Justiça existe, é justamente para responder a estas situações em que as pessoas estão particularmente vulneráveis por causa do mau funcionamento dos serviços administrativos”, justificou.

Em relação ao número total de queixas, Maria Lúcia Amaral referiu que o “número de solicitações não decaiu”, mas esclareceu que a Provedoria vai ter menos processos instruídos em resultado da criação de uma unidade de triagem que define “critérios internos comuns a todas as matérias”, selecionando aquilo que pode ser resolvido pela Provedoria através da mediação e pacificação de conflitos.

No entender da provedora, o aumento do número de queixas tem vários fatores, nomeadamente “os problemas da jurisdição administrativa”.

“A jurisdição administrativa em Portugal tem problemas e que são sobejamente conhecidos”, frisou.

Revisão constitucional pode "resolver alguns problemas"

A provedora de Justiça admitiu que a revisão constitucional “é oportuna para resolver alguns problemas que precisam ser esclarecidos”, caso dos metadados e das medidas em estado de emergência, embora entenda que a revisão “não é necessária”.

Em entrevista à agência Lusa, Maria Lúcia Amaral salientou que a Constituição “tem sido estável”, pelo que, como jurista, defende que “não era necessário uma revisão constitucional”, embora reconheça que este processo possa ser útil “para resolver alguns problemas”.

“É bom que se esclareça. Passámos por uma pandemia, eu aí fui eco de muitas dessas dúvidas e tive uma política claramente definida. Havia muitas dúvidas em saber se as medidas que foram tomadas fora do estado de emergência tinham ou não suficiente respaldo na Constituição. Era bom que isso ficasse resolvido”, justificou.

Embora considere que “não era necessária uma revisão constitucional”, a provedora de Justiça aceita que essa revisão possa avançar e sirva para esclarecer “situações em que estão em causa interesses públicos relevantíssimos”.

“Penso, como jurista, que não era necessário uma revisão constitucional, mas se a maioria dos juristas entende que é necessária uma revisão constitucional, então que se esclareça a questão”, disse.

Nas suas palavras, esta revisão deverá servir igualmente para esclarecer a questão dos metadados. A polémica dos metadados surge após o Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucionais normas que determinavam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet deveriam conservar os dados relativos às comunicações dos clientes – entre os quais origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização – pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.

Maria Lúcia Amaral observou que, a haver revisão constitucional, esta seja uma revisão “esclarecedora”, “pacificadora” e que “antecipe problemas futuros”.

“Se há grandes dúvidas na comunidade portuguesa sobre a falta que uma clareza constitucional faz sobre isto, então é bom que se esclareça”, concluiu.

Em maio de 2021, a provedora de Justiça defendeu que Portugal precisa de uma nova lei que regulamente situações de emergência como a criada pela pandemia, sem os limites de vigência temporal impostos pelo estado de emergência constitucional.

Na altura, referiu que a sistemática renovação do estado de emergência confere um prazo de caducidade às decisões políticas que comprometem a adesão e a confiança dos cidadãos às medidas em questão.

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