Greve de professores durante as provas de aferição: é legal substituir grevistas pelos suplentes na escala?

17 mai 2023, 09:58
Novo dia de luta para os professores. Fenprof e STOP com ações de protesto em Lisboa (Lusa/TIAGO PETINGA)

Professores grevistas escalados para vigiar as provas de aferição estão a ser substituídos por suplentes. Medida não é consensual e há quem veja violação do direito à greve

É legal substituir pelos suplentes os professores em greve escalados para vigiar as provas de aferição? A CNN Portugal sabe que, em várias escolas, os professores que fazem greve à vigilância das provas de aferição estão a ser substituídos por professores nomeados como suplentes. E se há quem veja a medida como ilegal, também há quem admita que, havendo uma escala que prevê suplentes, a questão da violação da lei da greve não se coloca.

O SIPE - Sindicato Independente dos Professores não tem dúvidas de que esta é uma solução ilegal. "É verdade que existem professores suplentes, para os casos em que os professores não possam apresentar-se devido a doença ou outro motivo qualquer. No caso de uma greve, nós consideramos que existe uma substituição [ilegal]", explica a presidente do SIPE, Júlia Azevedo.

O SIPE já recebeu várias denúncias de escolas onde esta substituição está acontecer nos dias das provas de aferição. "Vamos obviamente denunciar estes casos à Inspeção-Geral de Educação e, se for caso disso, avançaremos com um processo em tribunal", garante Júlia Azevedo, recordando que o artigo 535º do Código do Trabalho prevê a proibição de substituição de grevistas, dizendo que "o empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respetivo estabelecimento ou serviço nem pode, desde essa data, admitir trabalhadores para aquele fim". Esta substituição "constitui contra-ordenação muito grave". 

Opinião diferente tem a Federação Nacional de Educação (FNE). Pedro Barreiros, vice-presidente da FNE, afirma que "há situações em que comprovadamente os professores grevistas podem ser substituídos pelos professores suplentes". "Não podem é ser chamados outros professores que não estejam escalados, nem sequer professores de outras escolas", diz, sublinhando que este é o entendimento do gabinete jurídico da FNE: "O empregador, neste caso, o diretor do estabelecimento de ensino, só não pode substituir os grevistas por pessoas, docentes, que à data do aviso prévio não trabalhavam no mesmo, nem pode, desde essa data, admitir docentes para esse fim. Vale isto para dizer que o diretor não está impedido de recorrer aos meios normais de substituição, contando que disponha de recursos humanos do próprio estabelecimento de ensino para o efeito", lê-se no parecer do gabinete jurídico do sindicato sobre esta questão.

Também Mário Nogueira, da Fenprof, diz não ficar surpreendido com a utilização dos professores suplentes. Ainda que a plataforma que lidera não tenha feito pré-aviso de greve para a paralisação entre 16 e 26 de maio, o secretário-geral da Fenprof considera que seria uma grave violação da lei substituir os grevistas caso fossem mobilizados outros docentes de fora da escala de vigilância das provas. "Se for chamado um suplente, havendo uma escala de suplentes, a pessoa pode ser substituída porque é essa a sua tarefa", explica Mário Nogueira. "O efetivo que falta, para todos os efeitos, pode nem estar a fazer greve. Não é um ato que tenha de ser declarado e durante cinco dias a pessoa pode entregar um atestado médico", diz o sindicalista. "Agora, se o efetivo faz greve, o suplente também, e a escola vai buscar outros que não estão adstritos, aí é ilegal", resume.

Após os primeiros cinco dias de greve às provas de aferição do primeiro ciclo, está a decorrer um novo período de paralisações de professores, entre 16 e 26 de maio, que coincide com as provas de educação física do 5.º ano e de tecnologias da informação e comunicação do 8.º ano. Os pré-avisos de greve foram entregues pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop).

Não é "questão de preto e branco"

"Não é uma questão de preto e branco", admite Telmo Semião, sócio fundador da CRS Advogados, que trabalha em direito laboral. "Não está escrito de forma explícita em lado nenhum". A lei diz que não é possível substituir grevistas, "mas estamos a falar de suplentes", atalha o advogado. "A pessoa pode ter faltado porque ficou doente. E a não ser que tenha informado previamente que estava a fazer greve, o que raramente acontece, admito que seja possível ser um suplente a exercer funções que estavam previstas para aquela pessoa, uma vez que estava na escala", esclarece. "E o próprio suplente pode fazer greve", lembra. 

Por outro lado, para Telmo Semião, não seria legal "chamar terceiros, além de quem já está na escala como efetivo ou suplente", assinala. Sobre um eventual recurso à Justiça dos sindicatos, refere que, mesmo que lhes seja dada razão, será sempre fora de tempo, porque já foi tomada a decisão de chamar o suplente para substituir o efetivo. "No fim do dia, vai ter muito pouca eficácia prática", refere.

Avançar para tribunal, por outro lado, poderá ajudar a esclarecer a matéria para situações futuras, mas adianta que haverá sempre duas perspetivas: "Vai haver quem entenda que é ilegal chamar os suplentes para fazerem a vez dos que estavam como titulares e vai haver quem entenda que é legal. Eu entendo que é possível recorrer aos suplentes", admite, referindo que não é possível saber de imediato se os faltosos estão a fazer greve e que mesmo os suplentes podem aderir à paralisação. "Não é impeditivo para a eficácia da greve", conclui Telmo Semião. 

Ministério da Educação esclarece utilização de professores convocados

Questionado pela CNN Portugal, o Ministério da Educação (ME) esclarece que "as equipas de vigilância de provas e exames são sempre constituídas por mais do que um professor. Na circunstância da totalidade da equipa de vigilância estar em greve, não há viabilidade de realização da prova, porque não podem ser mobilizados outros professores para além dos já convocados, o que constituiria uma violação do direito à greve. Havendo professores disponíveis de entre os já convocados, há condições de realização".

O ME afirma ainda que não foi enviada às escolas qualquer indicação sobre substituição de professores vigilantes, uma vez que o modo de atuação nestes casos está já previsto nas orientações do Júri Nacional de Exames. De acordo com estas orientações, "para todas as provas de aferição escritas devem ser designados vigilantes suplentes em número a definir pelo diretor da escola".

Compete ao diretor da escola "a distribuição dos professores vigilantes pelas salas onde se realizam as provas de aferição, devendo ser assegurada, de modo contínuo, a presença na sala de um mínimo de um professor vigilante":

Nas provas escritas do 2.º ano, "a vigilância deverá ser realizada pelo professor titular de turma, podendo excecionalmente, o diretor decidir pela presença de um segundo professor". 

Nas provas escritas do 5.º e 8.º anos, "a vigilância deverá ser efetuada por um professor da turma podendo o diretor decidir pela presença de um segundo professor, não havendo restrição relativamente ao grupo de recrutamento a que pertencem".

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