"Os protestos dramáticos" (atirar sopa contra um Van Gogh, por exemplo) "não vão desaparecer". Mas a eficácia deles é controversa - eis o que a psicologia cognitiva concluiu sobre isto tudo

CNN , Colin Davis
1 nov 2022, 17:00
Protestos em museus

Estarão os protestos em museus de arte a prejudicar a sua própria causa? Querem chamar a atenção para os problemas climáticos, mas a ciência alerta que este tipo de protestos podem ser contraproducentes para os seus objetivos

Membros do grupo de protesto Just Stop Oil atiraram recentemente sopa a “Os Girassóis” de Van Gogh na Galeria Nacional de Londres. Esta ação desencadeou um debate sobre quais são os tipos de protesto mais eficazes.

Após uma limpeza rápida do vidro, a pintura voltou a ser exposta. Mas os críticos argumentam que o verdadeiro mal já foi feito, ao alienarem o público da causa em si (a exigência de que o governo britânico retire o seu apoio à abertura de novos campos de petróleo e gás no Mar do Norte).

Os defensores de formas de protesto mais militantes costumam apontar exemplos históricos como o das sufragistas. Em contraste com as ações da Just Stop Oil, quando a sufragista Mary Richardson foi à Galeria Nacional para atacar uma pintura chamada “The Rokeby Venus”, ela cortou a tela, tendo provocado grandes danos.

No entanto, muitos historiadores defendem que o contributo das sufragistas para as mulheres terem direito ao voto foi insignificante ou até contraproducente. É comum estas discussões basearem-se no instinto das pessoas quanto ao impacto do protesto. Mas a área da psicologia cognitiva diz-nos que não temos de depender da intuição, pois estas teorias podem ser testadas.

O dilema dos ativistas

Num conjunto de experiências, os investigadores mostraram descrições de protestos e depois mediram o apoio aos manifestantes e à causa. Alguns participantes leram artigos a descrever protestos moderados, como marchas pacíficas. Outros leram artigos a descrever protestos mais extremos e por vezes violentos como, por exemplo, uma ação fictícia em que ativistas dos direitos animais drogaram um segurança para entrarem num laboratório e retirarem os animais.

Ativistas da Just Stop Oil pintaram com spray a parede por baixo de uma cópia de “A Última Ceia” feita por um pupilo de Leonardo e colaram-se à moldura

Os manifestantes que realizaram ações mais extremas foram vistos como mais imorais e os participantes registaram níveis menores de ligação emocional e identificação social com esses manifestantes “radicais”. Os efeitos deste tipo de ação no apoio à causa foram algo mistos (e os efeitos negativos podem ser específicos de ações que incluam ameaças de violência).

No geral, estes resultados pintam o cenário do chamado dilema dos ativistas: os ativistas têm de escolher entre ações moderadas que são maioritariamente ignoradas e ações mais extremas que conseguem captar a atenção mas que podem ser contraproducentes para os seus objetivos, pois tendem a fazer as pessoas ficarem a pensar mal dos manifestantes.

Os próprios ativistas tendem a propor uma perspetiva diferente: eles dizem que aceitar a impopularidade pessoal é simplesmente o preço a pagar pela atenção mediática com a qual contam para “lançar a discussão” e ganhar apoio público para a questão. Mas será a abordagem certa? Os ativistas podem estar a prejudicar a sua própria causa?

Odiar os manifestantes não afeta o apoio

Já foram realizadas várias experiências para responder a estas perguntas, muitas delas em colaboração com alunos da Universidade de Bristol. Para influenciar a opinião dos participantes sobre os manifestantes foi usado um conhecido efeito de enquadramento no qual as diferenças (mesmo que subtis) na forma como os protestos são reportados têm um impacto notório, servindo muitas vezes para tirar legitimidade ao protesto.

Por exemplo, o artigo do Daily Mail sobre o protesto com o Van Gogh referiu-o como uma “manobra” que fez parte de uma “campanha de caos” de “rebeldes fanáticos da ecologia". O artigo não refere a exigência dos manifestantes.

Manifestantes climáticos da Last Generation após atirarem puré de batata à pintura “Les Meules” de Claude Monet

As experiências tiraram partido deste efeito de enquadramento para testar a relação entre a atitude para com os manifestantes e para com a causa que defendem. Se o apoio do público a uma causa depende daquilo que se sente pelos manifestantes, então um enquadramento negativo – que leva a atitudes menos positivas para com os manifestantes – deve resultar em níveis menores de apoio às suas exigências.

Mas a conclusão não foi essa. Na verdade, as manipulações da experiência que reduziam o apoio aos manifestantes não tiveram impacto no apoio dado às exigências desses manifestantes.

Estas conclusões repetiram-se numa série de vários tipos de manifestações não violentas, inclusive manifestações sobre justiça racial, direito ao aborto e alterações climáticas, e com participantes britânicos, americanos e polacos (este trabalho está a ser preparado para publicação). Quando os membros do público dizem “concordo com a causa, só não gosto dos vossos métodos”, devemos acreditar no que dizem.

Diminuir a medida em que o público se identifica connosco pode não ajudar a criar um movimento de massas. Mas as ações altamente publicitadas podem ser uma maneira bastante eficaz de aumentar o recrutamento, uma vez que muito poucas pessoas se tornam ativistas. A existência de um flanco radical também parece aumentar o apoio pelas fações mais moderadas de um movimento social, pois faz essas fações parecerem menos radicais.

O protesto pode definir a agenda

Outro motivo de preocupação pode ser que a maior parte da atenção conseguida com ações radicais não tenha que ver com a questão em si, focando-se antes naquilo que os manifestantes fizeram. Porém, mesmo que fosse verdade, a discussão pública abre espaço para o diálogo sobre a questão em si.

Os protestos têm um papel na inseminação da agenda. Não dizem necessariamente às pessoas o que pensar, mas influenciam aquilo em que pensam. No ano passado, os protestos Insulate Britain foram um bom exemplo. Nos meses após o início dos protestos, a 13 de setembro de 2021, o número de referências à palavra “isolamento” (não "Insulate") na imprensa escrita do Reino Unido duplicou.

Ativistas da Just Stop Oil colaram as mãos à moldura de “The Hay Wain” de John Constable e puseram uma imagem sobre a obra de arte

Algumas pessoas não investigam os pormenores de uma questão - não obstante, a atenção mediática pode promover a questão na mente delas. Uma sondagem YouGov divulgada no início de junho de 2019 mostrou que “o ambiente” era pela primeira vez uma das três questões mais importantes para o público.

Os autores da sondagem concluíram que “o pico súbito de preocupação foi sem dúvida potenciado pela publicidade levantada pela causa ambiental pelo Extinction Rebellion" (que tinha recentemente ocupado locais destacados no centro de Londres durante duas semanas). Há também indícios de que o isolamento das casas subiu na agenda política desde as manifestações Insulate Britain.

Os protestos dramáticos não vão desaparecer. Os protagonistas continuarão a ser o alvo de atenção mediática (maioritariamente) negativa, que vai levar a uma desaprovação pública generalizada. Mas quando analisamos o apoio público às exigências dos manifestantes, não há indícios fortes de que as manifestações não violentas sejam contraproducentes. As pessoas podem “matar o mensageiro”, mas de facto – pelo menos às vezes – ouvem a mensagem.

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