Factos primeiro: o Novo Banco perdoou dívida de 160 milhões a Luís Filipe Vieira?

23 abr 2022, 11:10
Luís Filipe Vieira

O Novo Banco “limpou” das suas contas dívida antiga de empresas de Luís Filipe Vieira, que sempre disse que nunca teve perdões de dívida. Houve ou não perdão?

O que parecia um império empresarial de Luís Filipe Vieira desmoronou-se como um império de dívidas ao BES, herdadas pelo Novo Banco. Foram centenas de milhões de euros a várias empresas e através de muitas operações de crédito envolvendo o ex-presidente do Benfica, num prejuízo que foi sendo tapado pelo Fundo de Resolução, isto é, por dinheiro dos contribuintes, num total que ronda os 300 milhões de euros.

Fixemo-nos hoje numa dessas operações: a dívida de 160 milhões de euros à Promovalor que acabou por desaparecer no final de 2021 do balanço do Novo Banco, como aponta a edição de hoje do Correio da Manhã. Trata-se da formalização contabilística do que já se sabia, que as empresas de Vieira não haviam pago as dívidas. Mas como confrontar essa perda com a afirmação feita pelo próprio Luís Filipe Vieira, há cerca de um ano, a 10 de maio de 2021, no Parlamento, quando disse que nunca tinha tido um perdão de dívida?

“Muitos empresários tiveram perdões de dívida. Não foi o meu caso. (…) Não tive nenhum perdão de capital, nem um perdão de juros. Nem eu nem o grupo Promovalor”. Luís Filipe Vieira, 10 de maio de 2021

 

Vamos aos factos.

A Promovalor era uma empresa controlada por Luís Filipe Vieira, que chegou a ter centenas de milhões de euros de dívidas ao Banco Espírito Santo, no tempo de Ricardo Salgado. Quando, em 2014, o BES foi colapsou e foi alvo de resolução, o Novo Banco herdou essa dívida no seu ativo. Em 2016, o Novo Banco começou a reestruturar essa dívida, através de um fundo de investimento alternativo especial (FIAE), proposto por Nuno Gaioso Ribeiro, que apresentou um plano de negócio para pagar as dívidas. O plano não foi cumprido.

É aqui que entram quatro letras essenciais para perceber como é quem uma perda real não é um perdão formal: VMOC.

Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC) é uma designação técnica para um conceito simples: se uma empresa não pagar a dívida ao banco, o banco fica dono da empresa.

Pois bem, foi isso que aconteceu com estes 160 milhões de euros de dívidas da Promovalor que haviam sido transformadas em 2011 (ainda no tempo do BES, portanto) em VMOC. Em 2016, ficou previsto que, cinco anos depois, o FIAE pagaria 60 milhões de euros de dívida, valor que subiria para 250 milhões ao fim de dez anos e para 350 milhões ao fim de 25 anos. Ou seja, em 2041 estaria tudo pago, capital e juros. Só que nem ao pagamento de ao fim de cinco anos se chegou: não foi pago em 2021, porque a Promovalor não gera receitas suficientes.

Resultado? Conversão de dívida em capital. O Novo Banco já controla todo o FIAE e ficará como acionista das empresas Promovalor II e Inland. E de que é que isso lhe serve? De 2,4 milhões de euros. É essa a estimativa do próprio Novo Banco sobre o valor dos ativos destas empresas.

Luís Filipe Vieira dera um aval pessoal sobre as dívidas da Promovalor e iniciou-se um processo de execução de património, que inclui uma casa na margem sul e acções do Benfica SAD. É, pois, provável que o Novo Banco acabe por tornar-se acionista do Benfica. 

Juntemos agora as peças: a empresa devia 160 milhões ao banco, não os pagou, pelo que o banco ficou com a empresa, que por sua vez vale 2,4 milhões.

Resposta: Não, mas sim. Não é tecnicamente um perdão mas, sim, é uma perda. O banco não assinou nenhum papel a dizer que perdoava o empréstimo, mas o credor acabou perdoado de pagá-lo contra a entrega das suas empresas e património. O “perdão” está assim implícito na operação de VMOC, que são ainda do tempo do BES e que o Banco de Portugal considerou em 2018 não terem grandes probabilidades de ser pagas. No final, o banco perdeu 160 milhões de euros do balanço e ganhou uma participação avaliada em 2,4 milhões nas empresas e a possibilidade de ficar com uma casa e ações do Benfica. O Estado Português financiou a cobertura dessa perda.

Nota: texto atualizado às 17:40 do dia 23 de abril, com mais informações sobre o património de Luís Filipe Vieira.

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