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Onde se fala sobre se o dia de reflexão ainda faz sentido e de jornalismo feito na rua e no sofá

14 mai, 18:24

O comentário "chico-esperto" que não tem mais nada a dizer do que foi dito, mas avança para uma reflexão recorrente importante

Esta é a primeira campanha eleitoral que, enquanto jornalista, não acompanhei na rua. Foi toda vista via televisão, sites e redes sociais a partir do sofá. Os meus camaradas que andam na estrada ainda antes do período oficial da campanha estarão a dizer de mim o que André Ventura não diz da comunidade cigana.

Não os condeno por tal. Acompanhar uma campanha eleitoral é muito provavelmente a tarefa mais dura que um jornalista de política tem de enfrentar. São milhares de quilómetros feitos na estrada e centenas a pé, muitas vezes durante 12 ou mais horas de trabalho diário.

Exige grande conhecimento sobre todos os partidos em geral e em particular daquele que se acompanha. É preciso conhecer em pormenor os programas de cada um dos partidos, a sua história e os seus protagonistas do presente e do passado. A memória é igualmente muito importante e, mais ainda, nada perder nos dias de campanha para que dela se possa fazer uma leitura correta. São ainda dias mal comidos/alimentados, muitas vezes graças a ementas pobres e repetitivas oferecidas pelos partidos (por isso há muitos anos se chama o roteiro da carne assada) e muitas vezes mal degustadas porque os pratos são trocados pelos computadores para enviar para os órgãos de comunicação social as últimas notícias. Exige ainda uma enorme “casca” dura para aturar políticos e especialmente segundas figuras dos staffs dos partidos, mal-educadas muitas vezes e, no mínimo, pouco inteligentes, que acham que os jornalistas estão ao serviço dos partidos e não dos portugueses e dos factos.

Talvez ainda mais dura seja a vida dos jornalistas operadores de imagem que carregam todos os dias dezenas de quilos muitas vezes entre molhadas meio amalucadas nas ruas e mercados do país que têm de enfrentar muitas vezes com grande esforço e coragem para não perderem um momento que possa ser importante. Os jornalistas cometem erros? Cometem. Mas afirmo seguramente sem qualquer cooperativismo que o trabalho positivo que fazem, é muito, mas mesmo muito, superior a esses erros.

 Mas “fazer” uma campanha num sofá tem vantagens e desvantagens. Comecemos pelos lados positivos. E o primeiro é o de não ter de passar por todos os enormes sacrifícios que os meus camaradas que andam nas ruas não podem evitar. Depois permite ter uma visão muito mais abrangente de toda a campanha e não quase só do partido que se acompanha.

No que aos lados negativos diz respeito, e ainda de uma forma sucinta, em primeiro lugar em vez de vir mais magro e com mais resistência que os que andam na rua fica-se mais gordo. Uma campanha acompanhada por uns snacks a gosto tem outro valor. E segundo, e mais importante, é que são tantos os comentadores que diariamente e a quase todas as horas passam pelas televisões, rádios, jornais e sites que pouco fica por ser dizer que não pareça “copianço” ou até plágio.

São cada vez mais as televisões de informação geral em Portugal, e a CNN trouxe para o cenário televisivo português uma maior aposta e gosto pelo debate e comentário político, os outros foram atrás. Assim tudo o que há para dizer em cada um dos dias é dito na hora e, ainda por cima, por muitos comentadores atentos e de muita qualidade.

Por isso, e admitindo que estou a ser um bocadinho “chico-esperto”, vou nesta quarta-feira falar de algo que recorrentemente se fala em todas as campanhas de há meia dúzia de anos e nesta também se vai falar. O dia de reflexão que começa às 23:59 na véspera de qualquer ato eleitoral e não permite por lei qualquer tipo de campanha.

O referido dia foi instaurado logo em 1975 antes das primeiras eleições para a eleição da Assembleia Constituinte. Alegavam as autoridades militares e políticas da altura que com a democracia a dar os primeiros passos em dias de grande agitação política e com muitas opções de escolha, um dia de reflexão, sem ruído político, podia ser útil para ajudar os portugueses a pensarem calmamente sobre qual seria a melhor escolha.

Talvez tal pensamento tivesse feito sentido ao longo de alguns anos. Porém, de alguns tempos a esta parte, este dia de reflexão começou a ser colocado em causa por várias razões. O tema já foi discutido na Assembleia da República, dividindo os partidos. Para uns já devia ter acabado, para outros não e ainda para outros é melhor refletir mais um pedacinho sobre o assunto. O próprio Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa já por duas vezes afirmou que se devia pensar se ele fazia sentido. Nunca houve entendimento sobre o assunto e, no próximo sábado, por ordem de lei, “é proibido fazer propaganda por qualquer meio na véspera e no dia da eleição”.

Mas a verdade é que ela, a propaganda, vai ser feita. Logo através dos milhares de cartazes partidários espalhados por todo o país. Nas redes sociais vai ser mais uma vez um fartar de vilanagem, com milhares, talvez de milhões, de pessoas com e sem ligações aos partidos a fazerem apelos eleitorais direcionados a todos os partidos como se não houvesse amanhã. Por outro lado, nos canais estrangeiros de informação que podem ser vistos em Portugal a campanha dos últimos dias vai ser divulgada com toda a normalidade.

E por fim uma pergunta: faz sentido haver um dia de reflexão na véspera da campanha, quando no domingo passado foram a votos antecipados cerca de 300 mil cidadãos com a campanha em andamento a todo o gás?

Há cerca de três anos, um ainda hoje dirigente político que entende que este dia já não devia existir deu-me uma resposta que me deixou sem resposta: “O dia de reflexão não faz qualquer sentido, mas aquele dia de descanso depois de 15 dias de campanha sabe tão bem.” De certeza que os muitos jornalistas pensam exatamente da mesma forma.

Já agora, fique a saber que se violar a lei arrisca-se a pagar uma multa entre 2,49€ e 24,94 euros e uma pena de prisão até seis meses.

 

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