Sem grande esperança, professores voltam a sentar-se à mesa com o ministro: “Parece que está a tentar vencer-nos pelo cansaço”

22 mar 2023, 08:00

A reunião entre Ministério da Educação e professores arranca com três números que não saem da cabeça de ninguém e já entraram na vida dos portugueses: 6 anos, 6 meses e 23 dias. O tempo de serviço congelado na carreira docente. O Governo promete uma proposta relacionada com o tema. Os professores preferem esperar para ver

Depois de aprovado em Conselho de Ministros um diploma sobre as contratações de professores que não mereceu o acordo dos sindicatos e de o Governo ter sugerido que não ia voltar às negociações se as greves dos docentes se mantivessem, Ministério da Educação e sindicatos voltam esta quarta-feira a sentar-se à mesma mesa. A ordem dos trabalhos até poderia deixar os professores esperançosos, já que a tutela promete apresentar uma proposta relacionada com o tempo de serviço congelado, uma das grandes linhas vermelhas traçadas pelos professores. Mas os sindicatos não vão para as instalações da Infante Santo com grande esperança.

“Como é que se pode valorizar o parceiro de negociação quando a reunião é amanhã [hoje] e até agora não há um documento para analisarmos. Como é que nos vamos preparar. Ninguém percebe sequer a convocatória. Na convocatória, o Ministério diz, no ponto 1, ‘apresentação de proposta de correção dos efeitos assimétricos internos à Carreira Docente, decorrentes do período de congelamento’, mas o que é que querem dizer com isto? Vão apresentar uma proposta para devolver aos professores o tempo descongelado? Vamos lá ouvir…”, diz à CNN Portugal Pedro Barreiros, dirigente da Federação Nacional de Educação (FNE).

“Até dá a entender, de uma forma rebuscada, que não querem contar o tempo de serviço”, acrescenta Mário Nogueira, dirigente da Fenprof, sobre o primeiro ponto da ordem de trabalhos da reunião.

Já Júlia Azevedo, presidente do Sindicato Independente dos Professores (SIPE), espera que “o que quer que seja que o Ministério vá anunciar, seja igual para todos os professores". "Que não pense dar mais tempo a uns do que a outros. Que o que faça venha corrigir as assimetrias e as desigualdades”, defende.

Pedro Barreiros lembra que “a não recuperação do tempo de serviço não vai apaziguar as escolas e não vai ser benéfica para ninguém, nem para alunos, nem para pais, nem para professores”. 

Acabar com a burocracia

Da ordem de trabalhos proposta pelo Governo, faz ainda parte a discussão de uma “metodologia de trabalho para a redução da burocracia nas escolas”. E também neste ponto os professores se mostram reticentes. “Parece uma forma burocrática de discutir a burocracia”, resume Mário Nogueira. 

A redução do trabalho burocrático é bem vista pelos professores, mas gostavam de ver propostas concretas e temem que isso não aconteça esta quarta-feira. “Da nossa parte, temos propostas concretas, como temos para os pontos todos da convocatória. Mas não sei o que é que o Ministério está a pensar fazer”, confessa o dirigente da Fenprof.

A FNE acusa o Governo de estar a passar para a opinião pública uma imagem de abertura para as negociações que “quem está presente nas reuniões não sente como verdadeira”. “O Ministério da Educação, à semelhança do que fez com o diploma de concursos, parece que está a tentar vencer-nos pelo cansaço, reunião, após reunião”, lamenta Pedro Barreiros.

Mário Nogueira sublinha que “ainda bem que os professores não cederam” à pressão do Ministério para vincular a continuidade das negociações ao fim das greves: “Provavelmente, nunca mais poderíamos fazer uma greve, que o Ministério suspendia qualquer negociação que estivesse em curso.”

Projeto-piloto na base de proposta do SIPE

Em cima da mesa está ainda a “correção de desigualdade na redução da componente letiva nos grupos de recrutamento da monodocência”. Refere-se o Governo aos professores do primeiro ciclo e do pré-escolar com mais de 50 anos que têm direito a redução de horário por causa da idade. Uma prerrogativa difícil de exercer quando são os únicos responsáveis por uma turma.

O SIPE promete levar para o encontro com o Ministério uma proposta que já tem provas dadas de que pode resolver o problema. “Vamos apresentar um projeto que permite que os professores do primeiro ciclo tenham atividades letivas de manhã e de tarde sejam proporcionadas atividades às crianças, usando recursos municipais, em conjunto com associações de pais e câmaras municipais. Trata-se de um projeto-piloto já aplicado numa escola e com muito sucesso. Era uma escola quase sem alunos e agora todos os pais lá querem pôr os filhos. É bom para as crianças, que vivem novas experiências e permite uma flexibilidade de horário que permite aos professores com mais de 50 anos usufruírem da redução da componente letiva sem ter de ficar sem turma e andarem a fazer substituições e a saltar de escola em escola”, sintetiza Júlia Azevedo. 

O que fica de fora

E se o Governo colocou na agenda da reunião alguns dos pontos quentes que têm levado professores para as ruas e motivado greves sucessivas, outros há que ficam de fora. Entre eles, o fim das vagas e das quotas para acesso aos 5.º e 7.º escalões.

“A ordem de trabalhos não permite adivinhar o que o Ministério está a pensar fazer. Como o último ponto é ‘apresentação do calendário negocial’, presumimos que seja uma reunião para apresentar uma proposta e depois apresentar o calendário de próximas reuniões”, antecipa Mário Nogueira.

Apesar do desalento com que parte para este encontro, o dirigente da Fenprof não descarta a hipótese de os protestos abrandarem: “As greves podem ser suspensas decorrente daquilo que for apresentado.” 

Pedro Barreiros, da FNE, lança uma espécie de apelo ao ministro João Costa: “Ele ainda tem condições para apresentar resultados. Vamos ver o que faz. Vamos ver a surpresa que tem para nós.”

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