Cinco meses depois de assinado o acordo, "milhares de professores" ainda não recuperaram qualquer tempo de serviço

11 out 2024, 22:00
Greve de professores (Hugo Delgado/Lusa)

O acordo entre o Ministério da Educação e a Federação Nacional de Educação previa o início da contagem de tempo de serviço a 1 de setembro. Mas há professores que não conseguem sequer validar os dados na plataforma do IGeFE

Gustavo Bastos e Sandra Lourenço são dois exemplos de professores que deviam ter subido de escalão no mês de setembro e estar a receber mais dinheiro ao fim do mês, mas ainda não viram recuperado qualquer dia dos seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço que tinha sido congelado no tempo da troika.

“Nem eu, nem nenhum outro colega da minha escola. Os dados ainda não foram todos lançados. Não lhe sei dizer de quem é o problema, porque a escola ainda não nos deu nenhuma justificação, nem as razões da demora”, revela Sandra Lourenço, professora de Matemática, no Pinhal Novo.

Com 28 anos de serviço, Sandra foi vítima do congelamento do tempo de serviço no tempo da troika a que se soma um erro administrativo e das quotas, que a mantêm ainda no 4.º escalão, a ganhar substancialmente menos do que devia se estivesse posicionada corretamente no 8.º escalão da carreira docente. “Devia ter progredido ao 5.º escalão em março de 2023. Tive Muito Bom, mas, por causa das quotas, fiquei nas listas de espera para subir de escalão. Daqui a pouco há dois anos que deveria estar a receber pelo 5.º escalão”, lamenta.

Gustavo Bastos, professor de Biologia e Geologia na escola Sebastião da Gama, em Setúbal, também ainda não viu a cor ao dinheiro que devia ter recebido a mais no salário pago a 23 de setembro. “Tenho as avaliações lançadas na plataforma, os dados todos corretos, mas depois surge uma mensagem a dizer que não tenho tempo de serviço para recuperar e eu tenho o tempo todo, os seis anos, seis meses e 23 dias todos!”, relata.

“Confesso que ainda nem fui chatear as colegas da secretaria, porque as pessoas da secretaria não têm mãos a medir, o verão foi um caos para elas. Estou a deixar arrastar o problema. À partida, o problema não será da escola, porque eu tenho os meus dados todos inseridos e corretos, não os consigo é validar”, conta ainda Gustavo Bastos.

Mensagem que teima em aparecer a Gustavo Bastos, sempre que tenta validar 

Gustavo devia ter pelo menos mais 200 euros na conta, 100 relativos ao mês de setembro e outros 100 relativos já ao mês de outubro. Devia estar no 5.º escalão e permanece no 4.º. “Eu sei que garantiram o pagamento de retroativos a setembro e que os retroativos não iriam ser considerados para aumento de escalão de IRS, se forem pagos todos no mesmo mês. À partida, não vou ser prejudicado, mas é aquele fator psicológico. Já podia ter subido um escalão. Já podia estar no 5.º escalão. Foi a nossa luta e agora não ver parte da nossa luta magoa-nos de alguma maneira. É mais uma pedra no sapato e mais um marcar passo”, lamenta.

“Neste momento, há milhares de professores que ainda não tem os dados corretos. O IGeFE, o Instituto de Gestão Financeira da Educação, criou uma plataforma que é uma coisa inexplicável, uma plataforma que faz a ligação com a plataforma dos salários e a plataforma INOVAR. Ao importar os dados, saíram as coisas mais estranhas, desde nomes trocados, a qualificações trocadas…. Há colegas que estão nas escolas e confirmam as tentativas de correção de dados na escola e, quando chegam a casa e vão verificar outra vez, está tudo em branco”, denuncia Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof.

O dirigente sindical lembra que, em setembro, apenas seis mil professores conseguiram validar os seus dados, que estavam corretos, mas o acordo abrange quase 90 mil docentes. “Há escolas inteiras em que os professores não conseguem. Há escolas em que uns professores conseguem e outros não…”, acrescenta, lembrando que o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) queria, inicialmente, todos os dados validados até 31 de agosto, “em plenas férias dos professores e com muita gente das secretarias também de férias”.

“E uma incompetência inqualificável”, remata Mário Nogueira.

A muitos professores aparece a mensagem de que não têm qualquer dia de tempo de serviço para recuperar, apesar de terem os 6 anos, 6 meses e 23 dias. 

Também aos serviços da FNE (Federação Nacional da Educação), que assinou o acordo com o MECI em maio, têm chegado relatos de “muitas dificuldades nas escolas em conseguirem atualizar os dados necessários à concretização das progressões por via da recuperação de tempo de serviço”. “Por um lado, estão a lidar com um processo novo o que cria dificuldades a quem tem de gerir e preencher as plataformas informáticas necessárias à operacionalização das progressões. Por outro lado, não podemos esquecer que muitas escolas se debatem com a falta de recursos humanos, o que, necessariamente, constitui um entrave à celeridade destes processos. Por outro lado, ainda, constatamos que as plataformas ainda não estão desenvolvidas o suficiente para permitir agilizar procedimentos, gerando erros que atrasam os processos de validação”, tenta justificar Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE.

Filinto Lima, presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), fala num “trabalho gigantesco” que “não depende só das escolas”. “As escolas estão a trabalhar a todo o vapor e no mais curto espaço de tempo possível a situação será regularizada”, garante o diretor escolar, sublinhando que “independentemente de tudo, os professores nunca serão prejudicados, já que a retroatividade é regra sem exceção”.

Ainda assim, os sindicatos aconselham atenção e persistência aos docentes. “Devem consultar e verificar os dados que constam nas respetivas plataformas, seja da DGAE (plataforma SIGRHE), seja do IGeFE. Detetados os erros ou incoerências na informação que consta nas plataformas, devem comunicar os mesmos às suas Escolas para eventuais correções”, aconselha Pedro Barreiros.

Sandra Lourenço desistiu, por agora, de verificar diariamente a sua situação. Mas garante que não vai baixar os braços: “Não posso entregar isto a Deus. Tenho de pensar que isto se vai resolver rápido. Mas ouvi dizer que há problemas no IGeFE, que está bloqueado… portanto, nem sei o que lhe dizer”, lamenta.

A CNN Portugal tentou contactar o MECI, para saber quantos professores ainda estariam na mesma situação de Gustavo e Sandra, tentar encontrar justificações para o problema e se havia um prazo para a resolução dos problemas relatados. Até ao momento de publicação deste artigo, contudo, não recebeu qualquer resposta.

Educação

Mais Educação