Jorge Oliveira, professor de Biologia, vai ter de pagar duas casas este ano letivo e nem sequer ficou colocado numa região elegível para os apoios a professores deslocados
Jorge Oliveira apresentou-se esta segunda-feira no Agrupamento de Escolas José Régio, em Portalegre, onde ficou colocado no último concurso de mobilidade interna, cujos resultados foram conhecidos a 16 de agosto. Começou a sempre inglória tarefa de procura de casa, a mais de 350 quilómetros da que deixou em Braga, mas que tem de continuar a pagar. O professor de Biologia de 42 anos sente-se “injustiçado” e “ultrapassado” por colegas com menos graduação, porque sabe agora que poderia ter ficado a dar aulas a menos de 50 quilómetros da sua residência.
“Fui opositor ao concurso interno. Efetivei no Quadro de Zona Pedagógica [QZP] 49, que engloba Monforte, Arronches, Campo Maior e Elvas. Ficando em vaga QZP, sou opositor obrigatório à mobilidade interna. Das 810 escolas que existem a nível nacional, concorri a 406 preferências, entre escolas, agrupamentos e QZP, com o sentido de aproximar a Braga, onde tenho a minha família. Fiquei colocado na preferência 400, em Portalegre”, começa por contar à CNN Portugal.
“Vou às reservas que saíram ontem [segunda-feira] e reparo que ficaram colocados colegas meus contratados e com menos graduação do que eu em vagas mais perto da minha casa, mas que não existiam antes de me opor à Mobilidade Interna”, acrescenta.
De acordo com este professor, só no QZP 9, que engloba localidades como Póvoa de Varzim, Porto, Valongo e Gondomar, tudo localidades mais próximas de Braga do que Portalegre, “surgiram 460 novas necessidades”. “Não são todos horários completos, mas são 460 novas necessidades. Só no meu grupo de recrutamento, há 19 vagas que não existiam quando me candidatei à Mobilidade Interna”, contabiliza, questionando “onde estavam tantos horários?”.
O professor estranha ainda mais que esses horários surjam agora, numa altura em que muitas escolas até fecharam uma semana e a esmagadora maioria dos docentes ainda nem se apresentou, “não tendo os diretores como saber se vão ter professores de baixa, com reduções de horários ou destacados”.
Sem direito a apoios
Jorge Oliveira está habituado a andar com a casa às costas. Até há dois anos, deu aulas na região de Lisboa. Deixou de incluir a zona da capital nas suas preferências de candidatura por causa dos “preços proibitivos das casas”.
Agora, foi parar ao Alto Alentejo, onde “as casas também não são baratas” e nem sequer é elegível para os apoios a professores deslocados que estão a ser negociados entre o Governo e os sindicatos, porque não é considerada uma região onde a falta de docentes é tão dramática.
“Eu sou muito pragmático e tenho de trabalhar no Ministério. E tenho consciência que o Ministério tem de gerir o dinheiro de nós todos e não é uma agência de emprego. Tem de criar vaga onde os miúdos precisam dos professores e não criar uma vaga para mim ou para qualquer colega onde nos dá jeito ficar. Também tenho a consciência que as escolas em agosto têm sempre um grau de incerteza em relação ao número de alunos e ao número de turmas. Percebo que há sempre horários libertados mais tarde. Não consigo conceber como é que com as escolas fechadas uma semana, em pleno agosto aparecem tantas vagas”, argumenta.
Jorge não tem filhos e “é com muita mágoa” que diz “felizmente”. Porque acredita que seria “ainda mais difícil” gerir a situação.
“Já me sinto cansado e desgastado e ainda não comecei a trabalhar com os miúdos. Chego àquilo que realmente gosto de fazer, que é dar aulas, e é por isso que ainda me mantenho aqui, já desgastado. E por mais que queiramos que não aconteça, isso influencia o nosso desempenho profissional”, lamenta.
Uma história que se repete
Os lamentos de Jorge repetem-se nos grupos de professores nas redes sociais. A professora Liliana conta que, na reserva de recrutamento que saiu esta segunda-feira, “teria ficado em Águeda, no concelho de residência, onde ficou uma colega do mesmo QZP, quase 200 lugares depois na lista”.
“Vou fazer 182 quilómetros diários, podendo estar a 5 minutos de casa. E olhei só para os docentes de carreira”, acrescenta.
O professor Miguel questiona: “Dizem que no Algarve há falta de professores! Uma colega que está atrás de mim quase 200 lugares ficou no concurso interno no QZP 63 [Alcoutim, Tavira, Castro Marim e Vila Real de Santo António] e eu no 45 [Vila Franca de Xira, Loures, Sintra, Cascais, Loures, Oeiras, Odivelas e Lisboa]. Na Mobilidade Interna, eu fico numa escola do QZP45 e ela fica não colocada no QZP63 e agora, na Reserva de Recrutamento 1, vem parar ao QZP de minha casa. É isto a justiça e a aproximação de casa que tanto se proclama?”.
A professora Fernanda, se não tivesse ficado colocada na Mobilidade por Doença, teria “ido parar a Ourém”. “Nesta Reserva de Recrutamento, saíram horários a 12 ou 15 quilómetros da minha residência”, denuncia também numa partilha num grupo de WhatsApp de professores.
As possíveis explicações
Cristina Mota, porta-voz do movimento cívico de professores Missão Escola Pública, está solidária com os colegas e reconhece a legitimidade de quererem aproximar à residência e de se sentirem injustiçados. Adivinha, contudo, que estas situações se continuem a repetir, ano após ano, e todos os meses, em todas as contratações de professores.
“Uma das explicações pode ser precisamente o facto de as escolas terem estado fechadas uma semana, por exemplo, ou nas férias dos funcionários das secretarias, que, durante o mês de agosto, não conseguiram lançar horários, ou reformas de professores. Isso faz com que só agora as escolas tenham noção das verdadeiras necessidades e lancem esses horários a concurso”, adianta.
Cristina Mota lembra que “só este mês de setembro se reformam 458 professores”. “Se as secretarias estiveram de férias, ainda não lançaram essas reformas e esses horários ainda não entraram na Reserva de Recrutamento 1”, tenta justificar, acrescentando que aquilo que admite ser uma “injustiça” se vai repetir nos próximos meses, em que se prevê, em média, a reforma de mais de 300 professores.
Manuel Pereira, diretor escolar e presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), nem antevê que “desigualdades” como a que ilustra o caso de Jorge Oliveira deixem de existir com o atual modelo de recrutamento de docentes. “Há professores aposentados, cuja autorização para a reforma surge já depois de pormos as vagas a concurso, há aumentos de turmas, há professores que ficam doentes… Na minha escola tive uma professora que morreu este verão, por exemplo”, exemplifica.
“É uma clara injustiça e há sempre situações de enorme injustiça que vão surgindo”, lamenta.
O professor e dirigente escolar acredita que a situação poderia ser mitigada se os concursos de docentes fossem lançados mais cedo. E está convencido que podiam mesmo “ser feitos, por exemplo em janeiro, ou em março, para os professores saberem para onde vão trabalhar no ano letivo seguinte”. “Se os concursos fossem mais cedo, seria mais fácil para as escolas e para os professores”, sublinha.
Andar "devagarinho" para poupar combustível
A Jorge Oliveira não resta outra hipótese se não aceitar a colocação em Portalegre, sob pena de ser alvo de um processo disciplinar, com vista ao despedimento.
Resta-lhe conformar-se com as contas à vida que vai ter de fazer no próximo ano letivo. Contas às duas casas que vai ter de pagar, contas à quantidade de vezes que vai conseguir ver a família todos os meses, contas ao combustível que vai deixar na estrada em cada viagem. “Por acaso, o carro não bebe muito, porque venho muito devagarinho para poupar”, ironiza.
O Governo prevê apoios entre 75 e 300 euros a professores deslocados que fiquem colocados a mais de 69 quilómetros de casa, em regiões e escolas com manifesta falta de docentes e que pertençam a grupos de recrutamento igualmente deficitários. Não apaga o sentimento de injustiça sentido por Jorge e pelos colegas na mesma situação, mas podia ajudar a mitigá-lo, se estivessem abrangidos.
Cristina Mota defende que a proposta do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) para apoio aos professores deslocados e que está a ser negociada com os sindicatos (há nova reunião marcada para a próxima segunda-feira) está ferida de "injustiça e de inconstitucionalidade" e "tem de ser revista". "Há desigualdades gritantes. Há docentes que estão colocados na mesma escola e igualmente a centenas de quilómetros de casa, mas um receberia apoio e o outro não, porque um pertence a um grupo de recrutamento elegível e o outro não", exemplifica a porta-voz do Missão Escola Pública.
A CNN Portugal questionou o Governo sobre estas “ultrapassagens” nos concursos de docentes, mas, até à hora da publicação deste artigo, não obteve resposta.