Já há zonas do país sem professores disponíveis. Se a escola começasse hoje, mais de 200 mil alunos não tinham aulas a pelo menos uma disciplina

6 set, 18:00
Escola

A situação é mais grave em disciplinas estruturantes, como Português, Matemática, Informática e Inglês. Os distritos do país mais afetados continuam a ser Lisboa, Setúbal, Beja e Faro, mas a escassez de professores já se começa a estender a outras regiões

As aulas arrancam dentro de uma semana, mas se começassem hoje mais de 200 mil alunos não teriam professor a pelo menos uma disciplina. Os números são mais elevados do que no ano passado por esta altura. O ministro da Educação, Fernando Alexandre, desde que tomou posse, sempre disse que queria reduzir o número de alunos sem professor e propôs-se a uma redução de 90% dos alunos sem professor até final do 1.º período.

Depois dos resultados da reserva de recrutamento que foram conhecidos na segunda-feira à noite, os números mostram por exemplo que já só há 61 professores de informática disponíveis para o país inteiro. Desses nenhum está disponível para dar aulas em Faro, Olhão e São Brás de Alportel. Em História, só há 377 professores disponíveis a nível nacional. Mas só sete se disponibilizaram para a região de Lisboa, Amadora, Cascais, Loures, Odivelas, Oeiras, Sintra e Vila Franca de Xira (Quadro de Zona Pedagógica (QZP) 45). Para toda a margem sul do Tejo, só três destes professores de História mostraram disponibilidade. A escassez repete-se a Português, que só tem 13 professores disponíveis para dar aulas no QZP 45.

“Os números mostram que o problema continua e até se agravou relativamente ao ano passado e que as medidas que estão a ser implementadas têm efeitos nulos. Há mais horários que foram lançados e não foram preenchidos nem na contratação inicial, nem na reserva de recrutamento e há, por isso, mais horários já em oferta de escola”, resume Davide Martins, em declarações à CNN Portugal.

Davide Martins é professor de Matemática e tem-se dedicado a olhar para os números de horários de professores por preencher e a calcular o impacto que isso pode ter nos alunos. Cálculos que são publicados no Blogue de Ar Lindo, que se dedica a assuntos sobre Educação.

João Pereira, dirigente da FENPROF, dedica-se aos mesmo cálculos: "Se tivermos em conta não só os horários que estão agora na plataforma onde são disponibilizados os horários e tivermos em conta os que terminaram ontem, muitos deles sem candidatos, os números são muito superiores. Diria, sem grande medo de errar, que mais de 200 mil alunos não teriam professor a pelo menos uma disciplina". 

“Andamos há pelo menos seis anos a alertar que os professores não estão disponíveis para aceitar todos os horários no estado que se vive na educação neste momento. As medidas que têm sido implementadas são uma espécie de penso rápido, que nem aquela ferida trata, quando mais a doença toda”, sublinha Davide Martins, acrescentando que são “medidas de curto prazo” e que a educação em Portugal precisa de “medidas de fundo, que, de facto, valorizem os professores”.  

“Desde o estatuto do aluno, passando pelo estatuto da carreira docente e pelos diversos diplomas. Tudo precisava de uma revisão de fio a pavio”, resume.

Os quatro distritos mais problemáticos

O movimento cívico de professores Missão Escola Pública olha para os dados recolhidos por Davide Martins e destaca que a situação é mais preocupante nos distritos de Lisboa, Setúbal, Faro e Beja. “Nestes distritos podemos assegurar que não existem professores disponíveis no concurso nacional na grande maioria das disciplinas, destacando-se algumas estruturantes, nomeadamente, Português, Matemática, Geografia, Biologia/Geologia, Física/Química e Inglês”, destaca o movimento, numa nota enviada à CNN Portugal.

E Lisboa, por exemplo, depois da primeira reserva de recrutamento, ficaram por preencher 697 horários completos anuais, e, em Setúbal, 254. Mas o drama da falta de professores já se começa a estender a outras regiões do país e há disciplinas onde a situação é alarmante. “Informática é a disciplina com maior falta de professores a nível nacional”, exemplifica o grupo de professores.

De acordo com os dados recolhidos por Davide Martins, já só há 67 professores de Informática disponíveis para o país inteiro. Muito abaixo das necessidades. 

“Já não é um problema localizado. Temos algumas disciplinas em que já não há docentes a nível nacional”, corrobora João Pereira, dirigente da FENPROF. “Na região do Porto – e dizem que no Norte não há falta de professores – só esta manhã [quarta-feira], havia 20 horários em oferta de escola. Em Aveiro, 17 e, em Coimbra, 14”, acrescenta.

"Manta curta"

João Pereira concorda com Davide Martins na analogia das medidas de emergência anunciadas pelo atual Governo com um “penso rápido”. “São medidas incapazes de atrair professores. E a manta é curta. Tapa de um lado e destapa do outro. Um professor de português que venha para Lisboa, onde tem direito a apoios, já não vai para Évora. A deslocar-se, vai para sítios onde pelo menos tenha algum apoio. E fica a fazer falta em Évora”, exemplifica.

Na última segunda-feira, ainda antes de serem conhecidos os resultados das colocações na primeira reserva de recrutamento, a FENPROF alertava para a falta de 800 professores. Dois dias depois e conhecidos mais horários que não tiveram qualquer candidato e transitaram já para oferta de escola, em declaração à CNN Portugal, o dirigente da federação João Pereira sublinhava que os números são muito superiores. “Os números que avançamos na segunda-feira são números que nem foram à reserva de recrutamento, porque na contratação inicial não tiveram opositor. Só para ter uma ideia, nesta reserva de recrutamento, ainda ficaram por preencher 1962 horários. Só ontem [terça-feira] apareceram 1087 horários em oferta de escola”, contabiliza João Pereira.

“Acabámos a contratação inicial com cerca 19 mil professores sem contratação. Até parece ser um número elevado de professores disponíveis, mas 63% são de cinco grupos disciplinares. O que significa que nos outros grupos disciplinares praticamente não há professores. E os que há limitaram a sua preferência só por determinadas regiões do país”, acrescenta o dirigente sindical.

Alberto Veronesi é professor do primeiro ciclo e há poucos meses diretor do Agrupamento de Escolas de Santa Maria dos Olivais, que engloba uma escola secundária, uma básica e três escolas básicas e jardim de infância. Faz agora conta aos horários para os quais ainda não conseguiu professor: “Já tenho dois horários de Informática em oferta de escola, dois de Matemática, três de Educação Especial, um de Inglês e um no grupo de Português e Inglês. Se as aulas começassem hoje, só no meu agrupamento, seriam 500 a 600 alunos  sem aulas”.

"Cada vez menos professores"

João Pereira sublinha que “temos cada vez menos professores e quem queira ser professor” e o problema está precisamente aí. “A classe docente está cada vez mais envelhecida. A média de idades dos professores contratados está acima dos 40 anos. Só há cerca de 2000 professores abaixo dos 30”, constata.

“É que não há mesmo professores”, corrobora Alberto Veronesi. “Houve uma saída exponencial de professores do sistema e não têm vontade nenhuma de regressar. E temos professores que se apresentam e se mantêm de baixa muitos anos, por questões oncológicas e de saúde mental, por exemplo. São professores que estão no sistema, mas que não podem dar aulas. Só no meu agrupamento, tenho sete ou oito situações de medicinas do trabalho que vão invalidar que esses professores deem aulas”, contabiliza.

João Pereira lembra que os números avançados neste artigo são referentes “só a horários completos e anuais”. “Nem sequer são horários de substituição. Neste momento, quando os horários vão a contratação de escola não há ninguém para os apanhar. Se arranjar docentes para horários completos é difícil, imagine o que é arranjar alguém para um horário incompleto. Nenhum professor vem do Porto para lisboa para dar meia dúzia de horas”, diz.

À procura de soluções

A preocupação de Alberto Veronesi são os alunos. São eles, sublinha, os principais prejudicados com a falta de professores: “Um aluno sem aulas é um aluno que desmotiva e tem tendência para faltar ao tempo seguinte. Se for um aluno de exames já terá de recorrer a explicações. A falta de professores é prejudicial até ao nível do bem-estar do aluno, da família do aluno, da própria escola, que não consegue satisfazer as necessidades dos alunos”.

Nem o diretor, nem o dirigente sindical veem uma luz ao fundo do túnel. Veronesi atreve-se a procurar uma solução nos professores sem profissionalização: “Em vez de ser como medida de emergência, poderia ser como medida de fundo estruturada”.

“A solução mais rápida seria pegar em licenciados e profissionalizá-los em serviço. A questão da aptidão pedagógica poderia ser resolvida com tutorias. Estes profissionais estão disponíveis, podem vir. Vamos arranjar professores do quadro, com experiência, que os possam ajudar, por exemplo. Estas pessoas ganham pelos escalões mais baixos, não vislumbram a progressão na carreira… desmoralizam. Andam aqui dois ou três anos e vão embora”, lamenta.

“Acreditamos que a maioria das medidas prevista no plano +Aulas +Sucesso não vai ter o impacto que o MECI prevê e não têm em conta o cansaço extremo em que se encontram os professores no terreno. O MECI deve compreender que colocando nestes profissionais a responsabilidade acrescida de colmatar a falta de outros profissionais, está a conduzir de forma inevitável ao seu burnout e às devidas baixas médicas daqueles que ainda asseguram o funcionamento da Escola Pública, agravando assim o problema existente da falta de professores”, acrescenta o Missão Escola Pública.

O movimento enviou ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação um novo apelo em que pede uma análise mais cuidada de algumas das medidas do plano +Aulas +Sucesso. Pede, por exemplo, que o subsídio de deslocação seja “revisto e alargado a todo o território e grupos de recrutamento e não apenas a escolas e disciplinas carenciadas”, alertando para “a possível inconstitucionalidade que poderá resultar do facto do princípio da igualdade não estar salvaguardado”, tal como a medida está a ser proposta pelo Governo.

O Missão Escola Pública pede ainda um aumento do valor pago por cada hora extraordinária deverá ser aumentado, “à semelhança do que acontece noutras carreiras, por forma a tornar o seu exercício atrativo e possa assim constituir-se como solução” e sugere que seja dada indicação aos agrupamentos e escolas não agrupadas “para completamento de todos os horários incompletos a concurso, para que possam constituir-se como uma possibilidade mais atrativa para os candidatos”.

Ministro admite "milhares de alunos sem aulas"

Esta sexta-feira, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, admitiu que o novo ano letivo vai arrancar com “milhares de alunos sem aulas”, sublinhando que se trata de uma “falha grave” da escola pública que o Governo quer resolver até ao final da legislatura. Em declarações aos jornalistas em Barcelos, distrito de Braga, onde participou num seminário de abertura do ano escolar, Fernando Alexandre não concretizou o número de alunos sem professor no início do ano letivo, adiantando que as contas serão feitas mais tarde.

O governante disse, no entanto, que o concurso de professores lançado pelo anterior Governo “não resolveu o problema, provavelmente agravou-o”. “Ou seja, continuamos a ter milhares de alunos sem aulas e estamos a tomar medidas que, antecipando os problemas que tínhamos, começámos a preparar logo em junho. Ontem anunciámos mais uma medida e na próxima semana haverá mais medidas”, referiu.

Considerando que “não é aceitável que em 2024 haja milhares de alunos sem aulas em Portugal”, o governante reiterou o compromisso de reduzir, já este ano, em 90 por cento, os 20 mil alunos que não tiveram professor a pelo menos uma disciplina no primeiro período do ano letivo anterior.

Para isso, e além das medidas tomadas pelo Governo, o ministro considerou que os diretores das escolas também terão “um papel essencial”, já que “há uma dimensão significativa do problema que resulta da gestão, seja da organização dos horários ou da capacidade da contratação das próprias escolas”.

“Só podemos fazer as contas no final”, vincou, sublinhando que o Governo está a trabalhar “todos os dias para que o ano letivo decorra com a maior normalidade possível”, mas admitindo que “um problema estrutural que se agravou nos últimos oito anos não se resolve de um momento para o outro”.

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