Professores, diretores e sindicatos encontraram, nesta primeira semana de aulas, “mais sorrisos” e “um ambiente mais calmo” nas salas de professores. Mas a eterna “nuvem cinzenta” da escassez de docentes continua a marcar o arranque do ano letivo. E há outros problemas recorrentes: escolas a precisar de obras, falta de assistentes técnicos, de assistentes operacionais, de técnicos especializados, de meios digitais… e a lista não termina aqui
A primeira semana de aulas deste novo ano letivo ficou marcada pelos incêndios e pelo incidente numa escola da Azambuja em que uma criança de 12 anos esfaqueou seis colegas. Quem o lembra é Manuel Pereira, diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, em Cinfães, e presidente da direção da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Os incêndios, sublinha, fizeram “com que muitos alunos não tivessem aulas ou tivessem faltado”. “Condicionou o arranque do ano letivo e condicionará também o decorrer, até do ponto de vista económico, para muitas famílias”, antecipa o diretor.
Manuel Pereira reconhece que o ambiente que se vive nas escolas é mais saudável do que aquele que se viveu nos últimos anos, sobretudo nos últimos dois, que “foram de luta intensa” e “desgastaram” muito os professores. Mas não é possível esquecer a falta de docentes, que teima em ensombrar, repetidamente, o início de cada ano letivo. Há mais alunos a cada ano, fruto sobretudo da imigração, e há menos professores, fruto das reformas, do envelhecimento da classe docente e do abandono da profissão.
“Pelas minhas contas, feitas por alto, no [ensino] básico há mais 22 mil alunos do que no ano letivo anterior. Isso quer dizer que são necessários mais professores. E quatro mil estão a ir embora até dezembro. Temos uma altíssima taxa de professores sexagenários, uma média de idades a rondar os 50 anos e cada vez menos jovens a querer ser professores. O Governo tentou encontrar uma série de soluções imediatas, que mais não são do que aspirinas. Não resolvem o problema de fundo”, analisa.
“Ou se criam medidas para valorizar a carreira ou o problema é grande e vai ser maior ainda no futuro”, vaticina.
O diretor lamenta que as famílias “entreguem diariamente às escolas a sua maior riqueza todos os dias” e as escolas se sintam sem condições para cuidar de tamanho tesouro: “Por isso é que reclamam mais assistentes operacionais, mais assistentes técnico, mais técnicos especializados, melhores condições de edificado.”
Fenprof insta Governo a investir "de facto" na Educação
A Federação Nacional de Professores (Fenprof) divulgou, esta segunda-feira, os dados de um levantamento que realizou junto das escolas e dos agrupamentos das escolas, entre os dias 12 e 20 de setembro, para aferir precisamente as condições de arranque do ano letivo. Responderam 407 estabelecimentos e foi possível concluir que apesar de o ano letivo ser novo os problemas são repetentes.
Quase metade das escolas admite sentir dificuldades em garantir que todos os alunos tenham as aulas todas. Sobretudo por causa da falta de professores (56,3%), mas também por falta de salas de aula. “São 16% os Agrupamentos de Escolas/Escolas não Agrupadas a assinalar essa dificuldade que, em muitos concelhos, está a levar à reativação de salas”, nota a estrutura sindical.
O levantamento permitiu ainda concluir que mais de metade das escolas admite ter falta de assistentes operacionais. A rede de internet continua a ser um problema e “há falta de equipamentos em mais de metade das escolas”, “equipamentos avariados em 80% das escolas” e “a grande maioria das escolas não tem técnicos para reparar estas avarias”.
Por tudo isto, “a Fenprof insta o Governo a alterar esta situação, investindo, de facto, na Educação”. “Um investimento que deverá permitir, ao longo da legislatura, que se atinjam os 6% do PIB. Nesse sentido, em 2025, a Educação (sem considerar o ensino superior) deverá alcançar os 4,5% do Produto Interno Bruto para que, nos anos seguintes, cresça à razão de 0,5% ao ano, atingindo os 6% em 2028”, sublinha aquela estrutura sindical.
Professores a depender da ajuda dos pais idosos
Também a Federação Nacional da Educação (FNE) está, esta semana, a levar a cabo uma consulta aos diretores das escolas. O inquérito, que vai durar até ao fim desta semana, pretende aferir “como é que estão a resultar as medidas aprovadas pelo Governo”, entre outras questões.
“Se me abstraísse de tudo e respondesse, de forma franca, se noto grande diferença entre o ano passado e este ano, eu diria que não. Noto um maior contentamento por parte dos professores, porque muitos já foram reposicionados e colocados nas escolas onde queriam ficar”, reconhece Pedro Barreiros, secretário-geral da FNE sobre a primeira semana de aulas.
Mas há ainda muito descontentamento na classe docente: “Há, por exemplo, um conjunto de professores que tem problemas de saúde, mas não conseguiram mobilidade por doença. Há milhares de professores muito mais graduados que, no concurso da vinculação dinâmica, foram ultrapassados por 500 ou 600 colegas.”
“Além disso, não posso abstrair-me dos colegas que arranjaram um quarto em Lisboa, mas só têm garantia de teto até dezembro. Não posso abstrair-me de casos que conheço de professores com mais de 30 anos que dependem da ajuda de pais idosos”, acrescenta Pedro Barreiros.
150 mil alunos sem professor a pelo menos uma disciplina
A escassez de professores, sempre a escassez de professores. Também o movimento cívico de docentes Missão Escola Pública (MEP) nota que este é o maior problema do início do ano escolar. “A primeira semana de aulas terminou com 1112 horários em Oferta de Escola, aos quais acrescem os horários que seguem para Reserva de Recrutamento, pelo que temos cerca de 150.000 alunos sem professor a pelo menos uma disciplina”, contabiliza o MEP, sublinhando que “o efeito das medidas anunciadas pelo Ministério não se faz sentir” - sendo que o próprio ministro Fernando Alexandre afirmou esta segunda-feira que o número de alunos sem aulas é ainda maior, concretamente de “mais de 200 mil alunos”.
“Algo que preocupa a Missão Escola Pública é o facto de as medidas anunciadas (entre elas o concurso extraordinário que está a decorrer) terem como principal objetivo a diminuição de alunos sem professor, mas estarem a condicionar a qualidade do ensino ministrado. (…) Verifica-se que o número de colocações nas reservas de recrutamento tem vindo a diminuir, pelo que acreditamos que este ano temos um maior número de horários entregues a candidatos maioritariamente com formação própria”, indica o movimento, numa resposta escrita enviada à CNN Portugal.
O MEP sublinha ainda que “o número de horas destinadas a apoios e reforço de disciplinas estruturantes diminuiu”, condicionando, também por esta via, “os conhecimentos e aprendizagens dos alunos”.
"Os professores não são pedras"
Filinto Lima, diretor do Agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, e presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), identifica problemas “transversais ao país inteiro”. “O Governo anterior identificou 451 escolas a necessitarem de obras de requalificação. É inadmissível vermos fotos como nos anos anteriores de alunos a terem aulas com mantinhas ou cobertores. É preciso que essas obras passem ao terreno. Ainda há muitos alunos que não têm material digital como os seus colegas. Isso levou este Governo a suspender os exames digitais, porque havia 13 mil alunos sem computadores. Penso que o número se mantém, porque não há grandes novidades sobre o assunto”, exemplifica.
O diretor pede ainda que seja revista a portaria que determina o rácio de assistentes operacionais por número de alunos. A verdade é que “fazem um trabalho imprescindível de apoio a alunos e professores” e as autarquias tentam satisfazer os rácios, mas “a portaria está desatualizada, porque há cada vez mais alunos com necessidades educativas específicas nas escolas e cada vez mais alunos de outros países, que precisam de maior atenção”.
É preciso, diz ainda Filinto Lima, olhar também para a saúde mental dos alunos, que “se deteriorou depois da pandemia”. São, por isso, precisos mais psicólogos, para acompanhar “jovens que estão mais reativos, mais sensíveis, mais suscetíveis, que reagem de forma mais violenta, física e verbal”. “E é importante também olhar para a saúde mental dos professores. Os professores não são pedras. São seres humanos. Também sentiram na pele a pandemia, também sentem na pele o que é ter turmas com 25, 29, 30 alunos. Nesse aspeto, os centros de saúde e os hospitais têm um papel muito importante”, argumenta.