A escola pública não é igual para todos. E estas duas mães têm a prova

6 mai, 07:00
Escola

EDUCAÇÃO || Sofia e Carla têm dois filhos cada uma. Ambas são defensoras acérrimas da escola pública. Mas a experiência de Sofia deixa-a angustiada e desapontada, ao ponto de ponderar colocar as duas filhas no ensino privado já no próximo ano

Sofia Barbosa tem 47 anos e é vice-presidente de uma empresa norte-americana de software. Tem uma vida financeiramente estável e podia ter as duas filhas em colégios privados. Mas é uma defensora acérrima do ensino público e quis que as filhas passassem pela mesmo experiência que passou.

“Ao crescer tive essa oportunidade de ter uma boa escola pública, sou uma grande defensora da escola pública. Daí a Carolina ter andado sempre na escola pública, porque acho que todos contribuímos para isso e devemos exigir ter um ensino de qualidade para todos, independentemente de rendimentos. É para isso que os nossos impostos devem contribuir”, começa por defender.

Carolina, a mais velha, frequenta o segundo ciclo. Mas Madalena, a mais nova, entrou para o primeiro ciclo na altura em que a luta dos professores pela reposição do tempo de serviço congelado estava ao rubro e as greves eram frequentes. “Não podia estar constantemente a faltar ao trabalho por causa de não haver aulas. Portanto, nessa altura a minha decisão, um bocadinho contra os meus próprios princípios, foi colocar a mais nova num colégio privado”, justifica.

Questionada onde sente um melhor serviço, não hesita: “Com grande pena minha, no privado”.

Sofia ainda vai tentando remar contra a maré e mantém Carolina no ensino público e gostava de transferir Madalena também para a escola pública. Mas o mais provável é que aconteça precisamente o contrário. “A Carolina há seis meses que não tem professora de português, porque a professora está constantemente de baixa. Por acaso, ainda hoje mandei um e-mail ao diretor de turma a perguntar-lhe o que é que vão fazer sobre esta situação, porque é uma disciplina crucial”, conta.

Explicações

Carolina frequenta um ATL, onde tem apoio a algumas disciplinas. Mas, mesmo assim, Sofia decidiu meter a filha em explicações “por fora” a matemática. “Achei que seria necessário um acompanhamento mais dedicado. Acho que a matemática não se pode perder o fio à meada ou depois é complicado de recuperar. O que eles dão na escola não é suficiente. Não há tempo suficiente”, considera.

Na turma da Carolina, há meninos com necessidades educativas especiais e crianças que não falam uma palavra de português. “Tem russos, ucranianos e da Ásia também. O que depois torna tudo mais difícil, mesmo para essas crianças também, não é? Para os professores e para as próprias crianças conseguirem acompanhar a matéria. Um professor não pode deixar ninguém para trás e, para fazerem um acompanhamento a todos os alunos, é natural que não se consiga dar a matéria toda ou aprofundar tanto. E isso depois vê-se nos testes e nos resultados”, acrescenta.

Sofia Barbosa defende que a escola pública deve acolher todos e ter resposta para todos e, “neste momento, não tem”. Por isso, pondera colocar também a filha mais velha num colégio privado. E é “com mágoa” que coloca essa hipótese. “Quando era criança, os meus pais colocaram-me num colégio privado e eu própria pedi para ir para a escola pública. E sempre andei lá e sempre me adaptei muito bem e sempre tive mesmo um excelente ensino. Eu ainda hoje digo a toda a gente que tive uma excelente escola primária, básica, secundária, universitária, que me permitiu até depois conseguir vários resultados na minha carreira. Portanto, acho mesmo que tive umas boas fundações em termos de ensino”, sublinha.

Menos exigência

Sofia olha para a escola do “seu tempo” e para a escola de agora e faz uma análise que a deixa amargurada. “Para já, há um certo nível de desinvestimento na Educação. Falta de investimento político e social. E vejo também uma redução do nível de exigência. Recordo-me de andar na escola e as coisas eram feitas com muita seriedade. E se houvesse alguma questão de falta de desempenho, por exemplo, havia vários mecanismos em que se tentava que houvesse sempre um complemento”, começa por analisar.

Agora olha para o desempenho dos docentes e vê “um natural cansaço” da parte deles. “A classe docente está extremamente envelhecida. Eu lembro-me de professores, na minha altura, mesmo no secundário, seriam pessoas que andavam entre os 30 e os 40 anos. Neste momento, os professores da Carolina estão todos entre os 40 e os 50. É uma década a mais e isso é significativo”, contabiliza.

Sofia aponta também o dedo às direções escolares e diz que agora não sente a proximidade que havia há 30 anos, quando andava no secundário: “Eu conhecia o conselho diretivo e eles estavam sempre muito presentes em todas as situações. Não sinto isto neste momento na escola. Sinto que se alheiam um bocadinho dos problemas e só intervêm quando são questionados ou obrigados a intervir. Há um distanciamento maior entre os responsáveis da escola e os alunos.”

Dois filhos no ensino público e "só tem bem a dizer"

Carla Martins tem 46 anos, trabalha em Lisboa e tem dois filhos, um casal, no ensino público. Diogo tem 16 anos e frequenta o 11.º ano. Inês tem 10 e está no 4.º.

“Tanto o Diogo como a Inês estão bem integrados na escola. Até ao momento, só tenho a dizer bem, quer dos professores, quer dos auxiliares. Por exemplo, acho que o programa curricular está a preparar muito bem a Inês para o 5.º ano. Leem livros e fazem apresentações à turma sobre esses livros, fazem muitos trabalhos de grupo”, conta.

Desde a pandemia, que trabalha de forma híbrida: três dias em casa e dois no escritório. “Nos dias que vou para o escritório, a Inês fica no ATL, perto da escola, gerido pela associação de pais. Mesmo em situação de greves, está sempre assegurado. Quando for para o 5.º ano, vai para um centro de estudos, onde o irmão já andou e que tem várias atividades”, indica.

Carla reconhece que até no que toca à falta de professores tem tido “sorte”: “A Inês tem a mesma professora desde o primeiro ano. A professora nunca colocou baixa, nunca faltou. O Diogo, no ano passado, teve o último período todo sem português ou sem inglês, já não me recordo. A professora foi operada e não conseguiram substituição. Este ano, continuam com a mesma professora e ela está a compensar com mais aulas.”

38 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina

No final da última semana, o Governo fez saber que ainda não recebeu as primeiras conclusões da auditoria ao número de alunos sem aulas, que tinha pedido em novembro do ano passado, quando fez um balanço durante o primeiro período letivo, que apontava para cerca de 2.300 alunos, menos 89% face ao ano passado. Números que vieram depois a ser contestados pela oposição, organizações sindicais e movimentos cívicos.

Inicialmente prevista para março e depois para o final de abril, estamos em maio e a entrega ainda não aconteceu. O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) remete agora essa entrega para os "próximos dias".

"A primeira parte da auditoria externa aos dados dos serviços sobre alunos sem aulas, ainda não foi entregue, esperando-se que a entrega ocorra nos próximos dias", disse o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) em resposta à CNN Portugal.

Em janeiro, o ministro Fernando Alexandre manifestou a intenção de implementar, já a partir do próximo ano letivo, um sistema de informação que permita monitorizar com exatidão o número de alunos sem aulas, tendo em conta as recomendações dessa auditoria.

O movimento cívico de professores Missão Escola Pública, em parceria com Davide Martins, do blogue De Ar Lindo, fez as contas e concluiu que o último período letivo, que começou a 22 de abril, arrancou com 38 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina.

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