PGR Amadeu Guerra garante que vai “acompanhar de perto” combate à corrupção e define "linhas vermelhas" sobre a autonomia do Ministério Público

CNN Portugal , MJC
12 out 2024, 13:12

Novo procurador-geral da República diz que não aceitará alterações legislativas que ponham em causa a independência do Ministério Público. No combate à corrupção quer perceber razões dos atrasos e envolver mais a Polícia Judiciária

O novo procurador-geral da República, Amadeu Guerra, avisa que "há linhas vermelhas" que não vai aceitar ultrapassar, "nomeadamente, a alteração do Estatuto do Ministério Público em violação da Constituição e da sua autonomia e independência" e diz que é "desfavorável, em termos gerais, a alterações legislativas levadas a cabo na decorrência de processos concretos, de forma precipitada, por vezes, sem justificação e sem ponderação, designadamente, dos efeitos e consequências que, no futuro, podem ocorrer".

"O Ministério Público precisa e quer desenvolver o seu trabalho de forma empenhada e ao serviço da comunidade, sem o alarde mediático e discussão pública da sua atividade em processos concretos", disse, sublinhando que irá ouvir "as críticas justas e fundamentadas, aceitando-as quanto contribuam para melhorar o seu funcionamento".

Garantiu ainda que estará "sempre disponível para prestar contas no Parlamento" e que irá "revisitar as questões relativas ao segredo de justiça".

Combate à corrupção será uma prioridade

O novo PGR, Amadeu Guerra, garantiu que vai seguir de perto o combate à corrupção e as razões para o atraso de algumas investigações, sublinhando a necessidade de envolver mais a Polícia Judiciária (PJ). “Nos crimes de corrupção e crimes conexos, bem como na criminalidade económico-financeira, é minha intenção acompanhar de perto, através dos diretores dos DIAP Regionais e do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), as razões dos atrasos. Ao mesmo tempo, devemos envolver a Polícia Judiciária de forma efetiva, face ao aumento recente dos seus meios humanos: inspetores, peritos e meios tecnológicos”, afirmou.

No discurso proferido na cerimónia de tomada de posse no Palácio de Belém, em Lisboa, onde foi empossado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o novo PGR reconheceu também a importância de defender o Ministério Público (MP) e assegurou que os magistrados podem com “empenho, determinação e vontade de colocar a imagem do MP no patamar que merece”.

Ao nível do combate à corrupção, Amadeu Guerra reiterou igualmente que “é tão ou mais eficaz assegurar a perda de bens do que uma condenação em prisão”, sublinhando ser uma prioridade “dinamizar e concretizar a recuperação de ativos” nos processos através de uma nova estrutura. “Será criada uma estrutura ágil – à qual será dada a formação necessária – que fica encarregada de realizar ou apoiar o titular do inquérito na inventariação dos ativos e na apresentação dos requerimentos necessários à decisão de arresto preventivo”, referiu.

Além da criminalidade económico-financeira, o novo PGR realçou também a ameaça colocada pela cibercriminalidade, tanto ao nível de infraestruturas críticas como ao nível dos cidadãos; os crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, sobretudo idosos, que exigem investigações “em prazo muito curto”; e a violência doméstica, cujos números considerou “alarmantes” e que devem ter “uma análise de risco atempada” para evitar homicídios.

Lucília Gago  "não teve a sorte do seu lado, no decurso do seu mandato"

No que toca à "morosidade nos tribunais administrativos e fiscais", Amadeu Guerra apelou ao Governo que tome medidas que assegurem, num curto prazo, a resolução dos problemas de pendências, chamou a atenção para a necessidade de aumentar o número de magistrados e alertou para a exigência da transição tecnológica. "Impõe-se também um novo impulso no processo de transição digital da justiça", disse. A falta de investimentos dos sucessivos governos nesta área "limita em muito a eficiência do sistemas de justiça", avisou. 

"Ao contrário do que alguns possam pensar, as competências de funções o Ministério Público não se resumem à direção da investigação e ao exercício da ação penal", sublinhou, lembrando as competências diversificadas e alargadas do MP.

No seu discurso, na tomada de posse que aconteceu esta manhã, Amadeu Guerra começou por explicar que foram a "persistência e firmeza" do primeiro-ministro que o "convenceram a aceitar mais um desafio" na sua carreira. "O repto que assumo é um compromisso de prestação de serviço público que vou, de novo, abraçar nos próximos seis anos, com o mesmo entusiasmo que os anteriores", prometeu.

O novo PGR  reconheceu que a sua antecessora "não teve a sorte do seu lado, no decurso do seu mandato em que ocorreu uma pandemia que durante dois anos alterou os hábitos e motivações dos portugueses". "Mesmo assim considero que exerceu o cargo, como sempre fez ao longo da sua carreira, com honestidade intelectual e de forma dedicada".

Quem é Amadeu Guerra?

Amadeu Guerra, de 69 anos, nascido em Tábua (Coimbra) e licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, desempenhou diversas funções como magistrado do Ministério Público (MP), mas tornou-se mais conhecido quando, entre 2013 e 2019, se tornou diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), o departamento que investiga a grande corrupção e a criminalidade económico-financeira mais grave e complexa.

O magistrado foi escolhido para a direção do DCIAP no mandato da então PGR Joana Marques Vidal. Sob a sua liderança, o DCIAP investigou processos mediáticos como a Operação Marquês (que tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates), o caso BES/GES ou a Operação Fizz, que levou à acusação e condenação por corrupção do procurador Orlando Figueira, que, por ironia, pertenceu ao DCIAP e está a cumprir pena na cadeia de Évora.

A designação de Amadeu Guerra, em cujo currículo consta ainda o cargo de procurador-geral regional de Lisboa, foi bem acolhida pela generalidade dos sindicatos do setor. A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, considerou Amadeu Guerra "a pessoa certa, no lugar certo, no momento certo" e disse depositar “grandes esperanças" num "virar de página" na Procuradoria-Geral da República durante o mandato de seis anos.

Por seu lado, a atual PGR, Lucília Gago, manifestou satisfação pela nomeação de Amadeu Guerra para lhe suceder no cargo, destacando a "vasta experiência" do antigo diretor do DCIAP.

Entretanto, o Governo já rejeitou que o limite de 70 anos de idade previsto para o exercício de funções de magistrados se aplique ao novo PGR Amadeu Guerra, considerando tratar-se de "uma falsa questão".

A questão foi levantada pelo antigo PGR Cunha Rodrigues e pelo vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), Luís Azevedo Mendes, que apontaram uma eventual necessidade de alterar as regras e permitir o exercício de mandatos nas magistraturas além dos 70 anos de idade.

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