A candidatura presidencial de Gouveia e Melo assenta numa promessa rara na política contemporânea: estabilidade sem ruído. Numa campanha marcada por dramatizações calculadas e retóricas de rutura, o almirante aposta na contenção para se distinguir, recusando qualquer associação direta à lógica partidária. Apresenta-se como figura de autoridade técnica, capaz de restaurar a confiança institucional sem se envolver nas trincheiras ideológicas. Contudo, há uma tensão estrutural neste modelo, porque ao rejeitar o espetáculo, Gouveia e Melo desafia as regras do jogo mediático atual, onde o tempo de atenção é escasso e o centro do debate raramente acolhe o que é ponderado. Como manter a centralidade sem ceder ao ruído? Como mobilizar emoção sem dramatizar?
Gouveia e Melo traz consigo uma imagem pública consolidada nos meses de exposição durante a pandemia, onde a farda, a postura, a disciplina foram os atributos que fizeram dele um ponto de identificação para eleitores que rejeitam o caos político, mas que não se revêm nas soluções extremadas. Eficiência sem gritaria, autoridade sem autoritarismo. O início da sua campanha captou bem essa perceção. Não precisava de afirmar que ia impor ordem, bastava a sua presença. E essa associação entre militarismo e capacidade organizativa aproximou-o de um eleitorado antissistema moderado, desiludido com os partidos, mas ainda crente na importância do Estado. Era o candidato da ordem racional, da técnica sobre a intriga, da estabilidade como resposta ao populismo.
Mas então o que aconteceu para Gouveia e Melo começar a cair nas intenções de voto? Em parte, é o que acontece a quem sustenta a sua autoridade mais na expectativa do que na ação concreta. Convenhamos, a promessa erode-se quando a narrativa não se renova. Após o bom impacto inicial, optou por uma estratégia de contenção, possivelmente convencido de que a sobriedade e a ausência de polémica bastariam para manter o espaço conquistado. Em condições normais seria a atitude correta, mas o ambiente político mudou muito. Ventura domina o debate com provocações e Marques Mendes cresce com uma retórica mais clássica, mas eficaz. Ora, Gouveia e Melo viu-se deslocado para uma zona cinzenta, onde a moderação se confunde com ausência.
Acredito que a queda nas sondagens não decorre de rejeição direta, mas de um desinteresse crescente. A sua candidatura parece suspensa. É respeitada, mas não é mobilizadora. E numa eleição presidencial, onde o ritmo se dita pelo contraste e pela emoção, essa neutralidade está a custar-lhe caro. De resto os adversários entenderam cedo o que uma imagem forte sem discurso contínuo é um capital que se esgota.
Ventura não quer conquistar o eleitorado de Gouveia e Melo, basta-lhe desgastá-lo o suficiente para crescer à sua custa, Marques Mendes, com mais história e articulação partidária tendo sido capaz se afirmar sem ingenuidades tecnocráticas, reforçando o contraste. Até António José Seguro, aponta para a falta de experiência democrática vivida por dentro do almirante. Os três, cada um ao seu modo, tentam demonstrar que Gouveia e Melo é demasiado estruturado para ser outsider, demasiado outsider para liderar o sistema.
A sua força continua intacta em três pontos: é visto como sério, competente e alheio à pequena política, que num país fatigado por ciclos curtos de governação, tem muito peso.
Onde pode crescer? Entre os moderados, céticos do populismo e do formalismo partidário, à procura de um presidente que represente sem dividir, entre os indecisos que, perante a confrontação crescente, desejem alguém capaz de devolver previsibilidade à vida institucional e entre o eleitorado de centro-direita e a direita conservadora que aprecia a autoridade e ordem. A ameaça de derrota não está nos adversários, mas na indefinição de Gouveia e Melo.
O almirante continua a depender só de si, mas se continuar a observar o país sem descer ao terreno, corre o risco de ser apenas um símbolo e ninguém vota apenas num símbolo. Nem nas presidenciais. Vota-se numa ideia e numa visão clara. Se não a revelar, Gouveia e Melo ficará como uma nota de rodapé numa eleição marcada pelo ruído que prometeu combater.