Leonor Beleza: "Nunca me passou pela cabeça ser Presidente da República. Aliás, acho que a presidência está bastante bem servida"

12 jul 2022, 16:00
Leonor Beleza, Fundação Champalimaud, 11 outubro 2017. Foto: Pedro Gomes/Getty Images

Sobre Marcelo, de quem foi colega na Faculdade de Direito, elogia o seu estilo "genuíno". Têm personalidades diferentes, ele "faz coisas de uma maneira diferente que a mim nunca me passaria pela cabeça"

Antes da ciência, Leonor Beleza teve uma vida política cheia. Foi ministra da Saúde nos governos de Cavaco Silva, entre 1985 e 1990, já tinha sido Secretária de Estado da Presidência do Conselho de Ministros com Francisco Pinto Balsemão. Depois do abandonar o Governo, foi ainda deputada entre 1983 e 2002. Por duas vezes, foi vice-presidente da Assembleia da República, entre 1991 e 1994 e entre 2002 e 2005.

O salto para a ciência deu-se com um telefonema inesperado de António Champalimaud a convidá-la para presidir a uma fundação de investigação na área da Saúde. Precisou de menos de um segundo para decidir. "É evidente que era uma hipótese tão extraordinária que a única maneira razoável de responder é «sim, com certeza, para mim constitui uma honra».

A Fundação Champalimaud, a que preside desde 2004, é hoje uma referência na investigação a nível mundial. Para além do Centro Champalimaud, na zona ribeirinha de Belém, conta abrir em breve também o Centro Botton-Champalimaud para o Cancro do Pâncreas e prepara já um terceiro pólo de investigação em saúde e medicina mais direccionado para as neurociências e para a terapia digital.

Afastada da política ativa, mas sempre "atenta" à realidade do país, e em particular do estado da Saúde, Leonor Beleza é conselheira de Estado desde 2008. Nunca se imaginou a assumir o cargo de chefe de Estado ("nunca me passou pela cabeça que fosse comigo"), e, numa rara entrevista a Maria João Avillez, elogia o atual e os antigos Presidentes.

Sobre Marcelo, de quem foi colega na Faculdade de Direito, elogia o seu estilo "genuíno". Têm personalidades diferentes, ele "faz coisas de uma maneira diferente que a mim nunca me passaria pela cabeça, mas é próprio dele e eu aprecio muito o caráter profundamente genuíno, conhecedor e empenhado com que ele desempenha as funções".

Foi uma grande servidora pública, hoje preside a uma das mais formidáveis instituições do país, a Fundação Champalimaud e está no Conselho de Estado mas, e é a este mas que eu queria muito chegar, houve a política. E ela foi a sua marca. A Leonor, evidentemente que é associada à Fundação Champalimaud, e muito bem, mas houve a política e a política ficou para trás. Porquê?

Não ficou para trás. Houve política de uma maneira muito intensa durante uma fase da minha vida. E hoje eu mantenho-me como militante de um partido, como as pessoas em geral sabem, sou membro do Conselho de Estado por designação do Presidente da República, mantenho-me muito atenta. Mas digamos, a vida ou a participação política pode ter alturas mais intensas e outras menos intensas.

Eu acho que é importante que as pessoas tenham alguma disponibilidade para se chegarem à frente quando isso eventualmente for preciso. Mas também não vejo nenhuma espécie de problema em que a certa altura não se permaneça em posições de grande visibilidade. 

Pode ter ficado a sensação de alguma coisa que ficou incompleta. A Leonor foi deputada, foi vice-presidente da Assembleia da República, foi Secretária de Estado de duas pastas diferentes, foi ministra da Saúde durante vários anos. Eu lembro-me que uma parte considerável do país, muito considerável, achava verosímil que a Leonor um dia entrasse em Belém como a primeira Presidente da Républica da nossa democracia. E, afinal, isso não aconteceu.

O que eu queria saber, eu sei que há diversas maneiras de entrar na política, mas não quis continuar a ponto de poder vir a ser escolhida como presidenta e ser presidenta. É para ficar claro que na mente das pessoas pode ter havido uma interrupção e a minha pergunta é porque é que a política ficou para trás? A política ativa, intensa?

Na verdade, não ficou. Eu não olho para a participação política como um lugar onde se vai trepando por aí fora até lá acima. Eu não olho para as coisas assim. A mim nunca me passou pela cabeça ser Presidente da República. Aliás, acho que a Presidência da República em Portugal está bastante bem servida e tem sido bastante bem servida.

Estou a falar do atual Presidente da República, do anterior, posso falar para trás. Acho que a Presidência da República em Portugal foi sempre honrada pela pessoa que lá esteve e que exercia e que exerce. Nunca me passou pela cabeça que fosse comigo.

O que é que aconteceu a certa altura? Eu estava na Assembleia da República, onde era vice-presidente, quando António Champalimaud morreu e ele tinha-me perguntado, anos antes, quando fez o testamento, se eu queria ser presidente de uma fundação que ele ia criar. A partir do momento em que eu disse que sim, a minha vida passou para aí.

E o que é que organizou tão depressa o seu processo de decisão, de dizer um sim a uma pessoa que conhecia de renome, não conhecia bem, e para algo de tão ambicioso e, se quiser, desconhecido para si na altura? O que é que impulsionou o seu sim?

Foi uma questão de segundos ou de décimas de segundo. Foi um telefonema. Eu, quando isso aconteceu, não pensava nem deixava de pensar que ia fazer uma coisa ou a outra. Eu estava numa atividade completamente diferente, pensava que a saúde para mim era passado, mas, quando uma pessoa como ele, me diz: “eu vou fazer uma fundação para fazer investigação na área da saúde. A senhora aceita ser presidente?” Eu levei décimas ou um segundo. Não se diz que não. É evidente que era uma hipótese tão extraordinária que a única maneira razoável de responder é “sim, com certeza, para mim constitui uma honra”.

Disse há pouco que Belém estava bem entregue, não só agora como no passado. De vez em quando, quando observa o Presidente da República ou quando está em cerimónias com ele ou quando lê qualquer coisa que ele tenha dito ou alguma intervenção, se discorda, diz-lhe?

Não discordo propriamente. Eu acho que o Presidente da República exerce de uma maneira exemplar o cargo que tem e acho que, sobretudo, encontrou uma forma de proximidade com nós todos que eu vejo ser preciosa para muita gente.

Nós precisávamos?

Não é porque precisávamos, é o estilo dele e manifestamente os portugueses apreciam esse estilo de fazer as coisas e é uma coisa muito genuína. Conheço-o há muitos anos, fomos colegas na faculdade, e eu vejo o Marcelo que eu sempre conheci a desempenhar a Presidência da República como o Marcelo sempre fez as coisas.

Muitas vezes na vida achei que ele não estava a fazer as coisas da melhor maneira e também posso achar hoje mas isso são coisas absolutamente insignificantes perante o que eu acho que é a forma genuína, entusiasta, com que ele representa os portugueses e com que os portugueses acham que ele os representa. Certamente, porque tem uma personalidade completamente diferente da minha, faz coisas de uma maneira diferente que a mim nunca me passaria pela cabeça, mas é próprio dele e eu aprecio muito o carácter profundamente genuíno e profundamente conhecedor e empenhado com que ele desempenha as funções.

E há uma outra coisa, ele é intelectualmente muitíssimo brilhante, como todos sabemos. Eu sinto orgulho quando ele fala com colegas dos outros sítios e mostra um elevadíssimo nível intelectual. Sinto-me bem representada.

Veja a entrevista na íntegra:

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