Do Ozempic ao ADN: cinco avanços científicos dignos de um Nobel que não ganharam o prémio

CNN , Katie Hunt
5 out, 11:04
Prémios Nobel (CNN)

 

 

A temporada dos Prémios Nobel arranca esta segunda-feira. O Nobel da Paz vai ser anunciado na sexta-feira

É a altura do ano em que os principais cientistas não querem deixar que nenhuma chamada caia para o correio de voz.

Os prémios de química, física e fisiologia ou medicina, criados pelo industrial sueco Alfred Nobel há mais de um século, serão anunciados na próxima semana, juntamente com os prémios da paz e da literatura.

Os galardões são o auge das conquistas científicas. Mas não é fácil prever quem vai ganhar.

A lista de finalistas e os nomeadores permanecem em segredo, e os documentos que revelam os detalhes do processo de seleção para os prémios ficam selados e fora do alcance do público durante 50 anos.

No entanto, não faltam avanços científicos dignos de seleção por parte dos comités do Prémio Nobel. Aqui estão cinco descobertas e avanços revolucionários que os especialistas consideram dignos de um Nobel.

Tratamentos inovadores para a obesidade

Os medicamentos GLP-1 revolucionaram o tratamento terapêutico de adultos com diabetes e obesidade. Os médicos utilizam o Ozempic para tratar a diabetes tipo 2, mas muitas vezes ele é prescrito para a perda de peso. Steve Christo/Corbis/Getty Images

O desenvolvimento de medicamentos de grande sucesso para diabetes tipo 2 e perda de peso que imitam uma hormona chamada peptídeo, semelhante ao GLP-1, abalou o mundo da saúde.

Uma em cada oito pessoas no mundo tem obesidade — um número que mais do que duplicou desde 1990 — e o medicamento, que reduz o açúcar no sangue e diminui o apetite, tem o potencial de inaugurar uma nova era no tratamento da obesidade e de doenças relacionadas, como a diabetes tipo 2.

Três cientistas — Svetlana Mojsov, Joel Habener e Lotte Bjerre Knudsen — envolvidos no desenvolvimento do medicamento, conhecido como semaglutido, ganharam o Prémio Lasker-DeBakey de Investigação Médica Clínica de 2024, frequentemente considerado um indicador de que vai vencer o Prémio Nobel.

Mojsov, bioquímico e professor associado de investigação na Universidade Rockefeller, e Habener, endocrinologista e professor na Faculdade de Medicina de Harvard, ajudaram a identificar e sintetizar o GLP-1. Knudsen, investigador-chefe do desenvolvimento inicial na Novo Nordisk, desempenhou um papel fundamental na transformação dessa substância num medicamento eficaz para promover a perda de peso, que milhões de pessoas tomam atualmente.

Os mesmos três cientistas, juntamente com  Daniel Drucker, endocrinologista e professor da Universidade de Toronto, e o médico dinamarquês Jens Juul Holst, professor da Universidade de Copenhaga, receberam em abril o Prémio Breakthrough, fundado por Priscilla Chan, Mark Zuckerberg e outros, na área das ciências da vida.

Pioneiros da computação quântica

A computação quântica é um campo emergente que está pronto para receber algum reconhecimento do Nobel, de acordo com David Pendlebury, chefe de análise de investigação do Instituto de Informação Científica da Clarivate.

Pendlebury identifica indivíduos “dignos do Nobel” com base na frequência com que outros cientistas citam os seus principais artigos científicos ao longo dos anos.

Este ano, David indicou dois físicos pelo seu trabalho com bits quânticos, ou qubits, a unidade básica de informação usada para codificar dados na computação quântica: David P. DiVincenzo, professor do Instituto de Informação Quântica da Universidade RWTH Aachen, na Alemanha, e Daniel Loss, professor de física teórica da Universidade de Basileia, na Suíça.

“É claro que há muita expectativa em relação à computação quântica e, provavelmente, muito entusiasmo, mas revi esses artigos extremamente citados e acho que este, de DiVincenzo e Loss, foi citado quase 10 mil vezes, um número astronómico”, assinalou David, referindo-se a um estudo de 1998 publicado na revista Physical Review A. “A ideia deles era usar qubits como mecanismo fundamental para construir um computador quântico.”

Outros pioneiros na área incluem David Deutsch, professor associado de física no Centro de Computação Quântica da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que partilhou o Prémio Breakthrough 2023 em física fundamental.

Encontrar um tratamento para a fibrose cística

O biólogo Paul Negulescu participa na 10.ª cerimónia do Prémio Breakthrough, em abril de 2024, em Los Angeles. Kevin Winter/Getty Images

Há dois anos, a Fundação Make-A-Wish anunciou que a fibrose cística, uma doença genética, já não era considerada automaticamente uma condição qualificável para as crianças com doenças fatais que a associação procura ajudar.

Isso deve-se, em grande parte, aos avanços revolucionários no tratamento da doença, sobretudo de três cientistas. A doença causa uma superabundância de muco, retendo infeções e bloqueando as vias respiratórias nos pulmões.

Michael J. Welsh, professor de medicina interna pulmonar, cuidados intensivos e medicina ocupacional na Universidade de Iowa, revelou como funciona a proteína subjacente a esta doença genética letal e o que pode correr mal nas pessoas com a doença.

Essa descoberta permitiu que outros dois investigadores encontrassem formas de corrigir o mau funcionamento da proteína, o que culminou numa combinação de medicamentos que transformou a fibrose cística numa doença controlável. Jesús Tito González, químico físico orgânico que trabalhava na Vertex Pharmaceuticals, foi pioneiro num sistema usado para selecionar compostos promissores, e o biólogo celular Paul Negulescu, que trabalha na Vertex Pharmaceuticals, liderou e defendeu a investigação, de acordo com um comunicado da Fundação Lasker.

O trio ganhou o Prémio Lasker-DeBakey de Investigação Médica Clínica de 2025 em setembro.

Compreender o microbioma intestinal

O biólogo Jeffrey Gordon posa durante uma entrevista em junho de 2019 em Bilbau, no País Basco. Luis Tejido/EPA-EFE/Shutterstock

Triliões de micróbios — bactérias, vírus e fungos — vivem no corpo humano, conhecidos coletivamente como microbioma humano.

Com os avanços no sequenciamento genético nas últimas duas décadas, os cientistas têm conseguido compreender melhor o que esses micróbios fazem e como eles comunicam entre si e interagem com as células humanas, particularmente no intestino.

Segundo David, este é um outro campo que há muito tempo merece o reconhecimento do Nobel.

O biólogo Jeffrey Gordon, professor universitário distinguido com o Robert J. Glaser da Universidade de Washington em St. Louis, é um pioneiro neste campo.

Jeffrey Gordon empenhou-se em compreender o microbioma intestinal humano e como este molda a saúde humana, começando com investigações em laboratório com ratos. O professor liderou um estudo que descobriu que o microbioma intestinal desempenha um papel nos efeitos da desnutrição na saúde, que afeta quase 200 milhões de crianças em todo o mundo, e está a desenvolver intervenções alimentares que visam melhorar a saúde intestinal.

Sequenciamento de ADN de última geração

Da esquerda para a direita: os químicos Shankar Balasubramanian e David Klenerman e o biofísico Pascal Mayer no palco da cerimónia do 9-º Prémio Breakthrough, em abril de 2023, em Los Angeles. Araya Doheny/Getty Images

Uma descoberta frequentemente apontada para o Prémio Nobel é o mapeamento do genoma humano, um projeto audacioso que foi lançado em 1990 e concluído em 2003. Decifrar o código genético da vida humana envolveu um consórcio internacional de milhares de investigadores nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Japão e China.

A investigação teve um impacto de longo alcance na biologia, medicina e em muitos outros campos. Mas uma das razões apontadas para justificar o facto de o projeto não ter vencido um Prémio Nobel deve-se ao grande número de pessoas envolvidas no estudo. De acordo com as regras estabelecidas por Alfred Nobel no seu testamento de 1895, os prémios só podem homenagear até três pessoas por prémio — um desafio crescente, dada a natureza colaborativa de grande parte da investigação científica.

Na mesma linha, David entende que é possível que o comité do Nobel reconheça o trabalho dos químicos Shankar Balasubramanian e David Klenerman, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e do biofísico francês Pascal Mayer, da Universidade de Estrasburgo, pelo desenvolvimento de tecnologias de sequenciação de última geração, capazes de descodificar milhões de fragmentos de ADN de uma só vez.

Antes destas invenções, o sequenciamento completo do genoma humano podia durar vários meses e custar milhões de dólares. Hoje, o processo pode ser concluído em apenas um dia e por algumas centenas de dólares.

Este trabalho transformou muitas áreas científicas, incluindo medicina, biologia, ecologia e ciência forense, permitindo aos médicos compreenderem mais facilmente a base genética das doenças, levando à medicina personalizada e outros tratamentos, explica David Pendlebury.

O Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina será anunciado na segunda-feira, seguido pelo prémio de Física na terça-feira e pelo Prémio Nobel de Química na quarta-feira. O Prémio Nobel de Literatura será anunciado na quinta-feira e o Prémio Nobel da Paz na sexta-feira.

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