Preços dos combustíveis disparariam sem subsídios fiscais. "Rapidamente estaríamos novamente a falar nos 2 euros por litro"

28 nov 2024, 07:00
Shell (EPA)

Contrariamente ao que a Comissão Europeia recomenda, o Governo garante que vai manter o desconto no ISP aplicado desde 2021 para amortecer o impacto da crise energética resultante da invasão da Ucrânia pela Rússia. Estado deverá arrecadar em 2025 mais de 4.000 milhões de euros com o imposto sobre combustíveis, uma subida superior a 750 milhões de euros

O preço de venda ao público do gasóleo e da gasolina poderia disparar, segundo cálculos da Deco Proteste, se a subsidiação que está em vigor através da aplicação de taxas mais baixas de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) acabasse, tal como recomenda a Comissão Europeia. O Governo já garantiu que a redução nas taxas se irá manter, mas se tal não acontecer e o ISP for reposto, “ao nível que estava em 2021, estaríamos a falar de mais 20 cêntimos de aumento direto dos preços dos combustíveis”, garante à CNN Portugal Pedro Silva, analista de mercado de Energia e Sustentabilidade da Deco Proteste, acrescentando que “rapidamente poderíamos” voltar “a preços da gasolina a atingirem os dois euros e os do gasóleo perto disso”. 

O cenário coloca-se num momento em que a Comissão Europeia ‘aprovou’ o Plano Orçamental de Médio Prazo submetido por Portugal, mas insistiu que a proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) não cumpre a totalidade das recomendações de Bruxelas porque se mantém em vigor uma subsidiação no ISP. A vontade do Governo, contudo, mantém-se firme, com o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, a sublinhar que neste momento não existe qualquer "intenção de mexer neste benefício"

Certo é que sem este apoio, como afirma o analista Pedro Silva, “o impacto no dia a dia e para as carteiras dos consumidores seria tremendo”. “Se a discussão é repor os níveis de ISP ao nível que estavam em outubro de 2021, já com a crise a impactar os consumidores, o que teríamos eram cerca de 20 cêntimos a mais na gasolina e gasóleo, com o IVA a 23%”. 

Esta semana, o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, voltou a sublinhar que o OE2025 tem um problema. “A questão é que temos vindo a recomendar – e o Conselho tem vindo a subscrever esta recomendação – que os Estados-membros devem retirar progressivamente as medidas de emergência de apoio à energia que foram introduzidas na sequência da agressão da Rússia na Ucrânia e dos aumentos dos preços da energia.”

No cômputo geral, em outubro 2021, antes da invasão, mas numa altura em que já se pronunciava uma crise energética e uma subida de preços, “tínhamos uma carga fiscal de ISP de 65 cêntimos na gasolina e 45 cêntimos no gasóleo simples”. “Ao dia de hoje, compara com 45 cêntimos na gasolina e 30 cêntimos no gasóleo”, compara Pedro Silva.

Dessa forma, poderíamos esperar, ao dia de hoje e segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia, preços médios para a gasolina simples não de 1,75€, mas valores próximos de 1,95€. Já no caso do gasóleo simples em vez dos 1,60€/l, verificarmos na fatura um aumento para 1,80€. “E portanto, voltaríamos a falar neste custo, independente de como evoluírem as várias tensões a nível mundial, seja no leste da Europa, seja no Médio Oriente, seja a indecisão provocada agora pelo novo poder nos Estados Unidos da América e os seus posicionamentos, que provocam alguma incerteza quanto aos preços de petróleo”, acrescenta o analista.

Esta quarta-feira, o petróleo reagiu com descidas após ser acordado um cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah. Mas, segundo uma avaliação da corretora XTB, o preço pode "permanecer sob pressão a médio prazo devido à probabilidade de serem emitidas mais licenças de perfuração". "Teoricamente, isso poderia levar a um aumento da produção no final do próximo ano, sem novos recordes".

Outra das subidas no preço dos combustíveis, e que já se verifica, é a que resulta da taxa de carbono que começou a ser descongelada parcialmente em agosto deste ano depois de ter mantido sem alteração desde dezembro de 2022. Naquele ano, esse imposto valia cerca de cinco cêntimos para a gasolina e para o gasóleo. Aos dias de hoje, a taxa que é cobrada atinge quase os 20 cêntimos. “Ou seja, para lá do ISP, o consumidor já teria de suportar um aumento de 15 cêntimos”, afirma Pedro Silva. 

Mesmo com a garantia dada pelo Governo, a proposta de OE2025 prevê que a receita do imposto sobre os combustíveis cresça 21,9%, com o Estado a arrecadar mais 752,5 milhões de euros que os 3.442 milhões de euros que se prevê que sejam arrecadados este ano. O ISP é mesmo o imposto cuja receita mais deverá aumentar no próximo ano, segundo a proposta de OE2025. Parte deste crescimento resulta "do crescimento esperado no consumo privado", lê-se na proposta apresentada pelo Governo, mas também haverá uma parte que resulta das medidas de políticas adotadas, designadamente, "o fim da isenção de ISP sobre os biocombustíveis avançados e o descongelamento progressivo da taxa de carbono". No quadro das principais medidas de política orçamental com impacto em 2025, pode verificar-se que o conjunto das medidas sobre os combustíveis se prevê um acréscimo de receita de 650 milhões de euros, segundo a proposta do Governo.

A cobrança de ISP tem sido, aliás, a que mais cresce também em 2024, com esse crescimento a atingir quase 10% no conjunto dos nove primeiros meses do ano face a igual período do ano passado. E isto apesar de se manterem ativos os ‘descontos’ sobre o ISP. Em 2023, por exemplo, as medidas de apoio aos combustíveis pesaram no Orçamento do Estado mais de 1.000 milhões de euros e este ano, até setembro, esse valor já vai nos 785 milhões de euros.

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